Ao público - William Lloyd Garrison

O seguinte texto foi publicado no primeiro número do jornal abolicionista The Liberator em 1 de janeiro de 1831.

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Ao Público

No mês de agosto, eu expedi propostas para a publicação do "THE LIBERATOR" na cidade de Washington; mas a iniciativa, embora aplaudida em diferentes partes do país, foi paralisada pela indiferença pública. Desde aquele período, a mudança do Genius of Universal Emancipation1 para a Sede do Governo tornou menos imperioso o estabelecimento de um periódico similar naquela região.

Durante minha recente excursão com o propósito de excitar as mentes das pessoas através de uma série de discursos sobre o tema da escravidão, todos os lugares que visitei deram-me clara evidência de que nos estados livres ocorreria uma maior revolução na opinião pública - e particularmente na Nova Inglaterra - do que nos estados do sul. Eu vi que o menosprezo era mais amargo, que a oposição era mais ativa, que a difamação era mais implacável, que o preconceito era mais contumaz e que a apatia era mais arraigada neles do que entre os próprios donos de escravos. Evidentemente havia exceções individuais à regra. Esse estado de coisas me afligiu, mas não me desencorajou. Eu me determinei, a todo custo, a levantar o estandarte da emancipação aos olhos da nação, às vistas do Bunker Hill2 e no nascedouro da liberdade. O estandarte está agora aberto; e que por muito tempo ele possa pairar, imune às deteriorações do tempo ou aos mísseis de um adversário desesperado - sim, até que todo grilhão seja destruído e todo escravo libertado! Que tremam os opressores do sul; que tremam seus cúmplices secretos; que tremam seus apologistas do norte; que tremam todos os inimigos dos negros perseguidos.

Eu julgo que a publicação de meu folheto original seja desnecessária, uma vez que ele obteve ampla circulação. Os princípios nele contidos serão firmemente seguidos neste jornal, a não ser pelo fato de que eu não me alinharei como partidário de homem nenhum. Ao defender a grande causa dos direitos humanos, eu desejo conseguir o apoio de todas as religiões e de todos os partidos.

Concordando com a "verdade auto-evidente" contida na Declaração de Independência americana, de que "todos os homens são criados iguais e dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis - dentre os quais figuram a vida, a liberdade e a busca pela felicidade", eu lutarei pela imediata libertação de nossa população escrava. Na Igreja de Park Street, no dia 4 de julho de 1829, num discurso a respeito da escravidão, eu irrefletidamente ecoei a popular doutrina da abolição gradual. Aproveito esta oportunidade para fazer uma completa e inequívoca retratação e para, assim, publicamente pedir perdão a meu Deus, a meu país e a meus pobres irmãos escravos por ter externado um sentimento de tamanha timidez, injustiça e absurdidade. Uma similar retratação, de minha caneta, foi publicada no Genius of Universal Emancipation em Baltimore, em setembro de 1829. Minha consciência agora está satisfeita.

Estou ciente de que muitos desaprovam a severidade de minha linguagem, mas não há motivo para severidade? Eu serei tão áspero quanto a verdade e tão inflexível quanto a justiça. Sobre este assunto, eu não desejo pensar, falar ou escrever com moderação. Não! Não! Diga a um homem cuja casa está pegando fogo para que ele dê um alarme moderado; diga a ele que resgate moderadamente sua esposa das mãos do estuprador; diga à mãe que gradualmente retire seu filho do fogo em que ele caiu - mas não me incite a usar a moderação numa causa como a presente. Eu estou seguro; eu não me equivocarei; eu não me desculparei; eu não recuarei uma polegada sequer; E EU SEREI OUVIDO. A apatia das pessoas é suficiente para fazer com que toda estátua caia de seu pedestal e para que se acelere a ressurreição dos mortos.

Pretende-se que eu esteja retardando a causa da emancipação por conta da aspereza de minha diatribe e pela precipitação de minhas medidas. Essa acusação não é verdadeira. Sobre esta questão, minha influência - humilde como é - é sentida em considerável medida, e deverá ser sentida nos anos por vir, não perniciosamente, mas beneficialmente; não como uma maldição, mas como uma bênção; e a posteridade dará testemunho de que eu estava certo. Eu desejo agradecer a Deus por ele permitir a mim desconsiderar "o medo do homem que traz um ardil" e falar a verdade em toda a sua simplicidade e força. E aqui eu me despeço com esta estimulante dedicatória:3
Opressão! Eu a vi à minha fronte, uma vez,
Vi seu cruel olho e sobrancelha nebulosa;
Mas não mais temo o destruidor d'almas qu'é sua luz brilhosa -
Pois pavor cede lugar a sentimentos d'altivez
De grande repugnância! Desdenhando, dos joelhos servis
Que a seu escabelo se flexionam, a desgraça
Também eu me ajoelho - mas outra é a promessa que me passa
Saúdo-a e às suas hordas mercenárias hostis: -
Eu juro, enquanto o sangue me esquentar as veias palpitantes,
Opor-me e impedir, usando das mãos e do coração,
Até rebentadas as correntes dos Africanos, à sua força brutalizante,
E até que a Liberdade reine no solo resgatado da nação, -
A Opressão e seu cajado férrico atropelando:
Tal é minha promessa - QUE DEUS ME AJUDE, PORTANTO!


Notas:

1 [N.T.] O Genius of Universal Emancipation foi um jornal abolicionista fundado por Benjamin Lundy. Na época, o Lundy havia mudado a publicação do jornal para Washington.

2 [N.T.] O Bunker Hill foi onde aconteceu uma das mais importantes batalhas pela independência dos Estados Unidos. Embora os britânicos a tenham vencido, sofreram enormes baixas.

3 [N.T.] Agradeço ao Gustavo por ter traduzido o poema e por tê-lo deixado com um aspecto de poema, o que não aconteceria se fosse eu quem tivesse feito o trabalho. O original era o seguinte:
Oppression! I have seen thee, face to face,
And met thy cruel eye and cloudy brow;
But thy soul-withering glance I fear not now --
For dread to prouder feelings doth give place
Of deep abhorrence! Scorning the disgrace
Of slavish knees that at thy footstool bow,
I also kneel -- but with far other vow
Do hail thee and thy hord of hirelings base: --
I swear, while life-blood warms my throbbing veins,
Still to oppose and thwart, with heart and hand,
Thy brutalising sway -- till Afric's chains
Are burst, and Freedom rules the rescued land, --
Trampling Oppression and his iron rod:
Such is the vow I take -- SO HELP ME GOD!
William Lloyd Garrison (1805-1879) foi um dos mais radicais e importantes abolicionistas americanos. Lutou por mais de trinta anos pelo fim da escravidão nos Estados Unidos através de seu jornal The Liberator e da American Anti-Slave Society.

Truísmos - William Lloyd Garrison

Este texto foi publicado no jornal The Liberator de 8 de janeiro de 1831.

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1. Todos os homens nascem iguais e têm direito à proteção, exceto aqueles cujas peles são negras e cujos cabelos são encarrapichados; ou, para evitar erros, exceto africanos e seus descendentes.

2. Se os homens brancos são ignorantes e depravados, eles devem receber gratuitamente os benefícios da educação; mas se os negros estão nesta condição, o senso comum dita que eles devem ser sujeitados à escravidão e jamais instruídos.

3. Aquele que rouba uma ovelha ou que compra uma de um ladrão merece uma severa punição. Aquele que rouba um negro, ou que o compra de um seqüestrador, não tem culpa. Por quê? Porque uma ovelha pode ser comida e um negro não; porque ele tem uma pelugem negra e ela uma pelugem branca; porque a lei assevera que essa distinção é justa — e a lei, como sabemos é fundamentada na eqüidade; e porque a pura benevolência atua num caso e a completa vilania no outro.

4. A cor da pele determina se um homem tem alma ou não. Se branca, ele tem uma essência imortal; se negra, ele é totalmente bestial. Mulatos, porém, não tiram benefício algum dessa regra.

5. Negros devem ser mantidos acorrentados, porque são estúpidos demais para cuidarem de si mesmos; pelo menos, nós não somos tão estúpidos a ponto de fazê-los passar por isso para que eles experimentem.

6. Seqüestrar crianças na costa da África é um crime terrível, punível merecidamente com a morte; mas aquele que roubá-las, em seu país, tão logo que elas nasçam, executa não apenas um ato inocente, mas também louvável.

7. Na África, um homem que compra ou vende outros homens é um monstro do inferno. Na América, é um herdeiro do paraíso.

8. Um homem tem o direito de execrar eternamente o comércio externo de escravos e seus cúmplices; mas se ele proferir algum sentimento depreciativo em relação ao tráfico doméstico ou àqueles que auxiliam o transporte das vítimas, ele deve ser aprisionado por difamação e sentenciado a pagar uma multa de não menos que mil dólares.

9. Aquele que chamar os senhores de escravos americanos de tiranos é um tolo, um fanático ou um louco; mas se ele justificar governos monárquicos ou uma aristocracia hereditária, tenha-o por um conservador e por um traidor de seu país.

10. Não há o menor risco de rebelião entre os escravos; e mesmo se eles houvessem de se revoltar em massa, o que poderiam fazer? Suas forças unidas seriam totalmente desprezíveis.

11. Ninguém, a não ser fanáticos ou idiotas, deseja a imediata abolição. Se os escravos fossem libertados de uma vez, nossas gargantas seriam cortadas, nossas casas, pilhadas e incendiadas!

12. Nossos escravos precisam ser educados para a liberdade. Nossos escravos não devem jamais aprender o alfabeto, porque o conhecimento os ensinaria a se livrarem de seus grilhões.

13. As pessoas do norte não têm direito de aliviar o sofrimento físico ou de iluminar a escuridão espiritual no sul; mas elas têm o direito de assistir os gregos, os hindus ou quaisquer outras nações estrangeiras.

14. Se os escravos, inclinados ao desespero, se insurgissem contra seus mestres, os estados livres seriam constitucionalmente obrigados a cortar suas gargantas! "O destinatário é tão perverso quanto o ladrão." Os estados livres recebem e consomem a produção do trabalho escravo! O Distrito de Colúmbia é propriedade nacional; a escravidão existe naquele Distrito! E no entanto os estados livres não têm culpa alguma pela escravidão!

15. Um homem branco que mata um tirano é um herói e merece um monumento. Se um escravo matar seu mestre, ele será um assassino e merecerá ser queimado.

16. Os escravos são mantidos em sujeição pelo próprio bem deles. A liberdade é uma maldição para as pessoas de cor livres — a condição delas é pior que a dos escravos! Porém, seria cruel acorrentá-las pelo próprio bem delas!

17. Os escravos são felizes e satisfeitos. Se em alguns momentos eles são tão ingratos ou iludidos a ponto de fugirem, é a pura filantropia que induz seus senhores a oferecer uma bela recompensa pela captura deles.

18. Negros têm intelecto. As leis, no sul, que proíbem a instrução deles não foram postas em vigor por elogio ou porque se supunha que esses brutos possuíam cérebros, mas simplesmente por conta de uma ânsia por uma supérflua legislação.

19. Escravos são tidos como propriedade. É o apogeu do humanitarismo e da justiça, portanto, que as leis os considerem também como agentes morais e que os punam de forma mais severa se eles perpetrarem um crime; muito embora eles não sejam capazes de ler e nunca tenham visto ou conhecido as leis!

20. É tolo e cruel que um indivíduo denuncie a escravidão, porque quanto mais ele perturbar a segurança dos mestres, mais violentas serão suas condutas em relação aos escravos. Pela mesma razão, nós devemos preferir os produtos do trabalho escravo, pois quanto mais ricos os mestres se tornarem, melhor poderão tratar, alimentar e vestir seus servos.

21. Negar que um homem que possui escravos e que condena os filhos deles às correntes seja cristão ou republicano é injusto e inconsistente.

22. Dizer que um clérigo escravista deve seguir seus próprios preceitos ou obedecer o sétimo e o décimo mandamentos é um disparate.

23. Duvidar da vitalidade religiosa de uma igreja que seja composta por senhores de escravos é a pior espécie de infidelidade.

24. Os africanos são nossos escravos — não porque gostemos de oprimir ou de ganhar dinheiro injustamente, mas porque a maldição de Noé deve se realizar e as escrituras devem ser obedecidas.
William Lloyd Garrison (1805-1879) foi um dos mais radicais e importantes abolicionistas americanos. Lutou por mais de trinta anos pelo fim da escravidão nos Estados Unidos através de seu jornal The Liberator e da American Anti-Slave Society.

Sobre o caso de um certo homem em quem nunca se pensa - William Graham Sumner

Esta é a tradução do capítulo IX de What Social Classes Owe to Each Other.
O tipo e a fórmula da maior parte dos esquemas filantrópicos ou humanitários é este: A e B juntam suas mentes para decidir o que C deve fazer por D. O vício radical de todos esses esquemas, de um ponto de vista sociológico, é o fato de que C não tem voz na questão, e de que sua posição, caráter e interesses, assim como os efeitos últimos na sociedade através dos interesses de C, são inteiramente desconsiderados. Eu chamo C de Homem Esquecido. Somente uma vez, olhemos para ele e consideremos seu caso, pois a característica de todos os médicos sociais é que eles fixam suas mentes em alguns homens ou grupos de homens cujo caso atrai suas simpatias e imaginações, e receitam remédios para o problema específico; eles não entendem que todas as partes da sociedade estão unidas e que as forças que são postas em funcionamento agem e reagem por todo o organismo até que um equilíbrio seja alcançado por um reajuste de todos os interesses e direitos. Eles, portanto, ignoram inteiramente a fonte da qual eles devem tirar toda a energia que empregam em seus remédios, e ignoram todos os efeitos sobre os outros membros da sociedade que não aqueles que observam. Eles estão sempre dominados pela superstição do governo e, esquecendo que um governo nada produz, perdem de vista o primeiro fato que se deve lembrar em toda discussão social — o de que o estado não pode conseguir um centavo para qualquer homem sem tirá-lo de algum outro homem, e que este último precisa ser um homem que o poupou e produziu. Este último é o Homem Esquecido.

Os amigos da humanidade começam com certos sentimentos benevolentes em relação aos "pobres", aos "fracos", aos "trabalhadores" e a outros que transformam em bichinhos de estimação. Eles generalizam essas classes, as tornam impessoais e as transformam em bichinhos de estimação sociais. Eles se voltam para as outras classes e apelam à simpatia, à generosidade e a todos os outros nobres sentimentos do coração humano. A ação proposta consiste numa transferência de capital dos que estão em melhor posição para aqueles que estão numa pior. O capital, porém, como nós vimos, é a força pela qual a civilização é mantida e continuada. A mesma porção de capital não pode ser usada de duas formas. Toda parte do capital, portanto, que é dada a um indolente e ineficiente membro da sociedade, que não dá retorno algum, é desviada de um uso reprodutivo; mas se fosse colocada num uso reprodutivo, teria se convertido em salários mais altos para um eficiente e produtivo trabalhador. Assim, a real vítima desse tipo de benevolência, que consiste de um gasto de capital para proteger os ineptos, é o trabalhador industrioso. Neste, no entanto, nunca se pensa. Assume-se que ele já tem provisões por conta própria. Essa noção só mostra quão pouco as noções verdadeiras da economia política se tornaram popularizadas até hoje. Há um preconceito quase invencível de que um homem que dá um dólar para um mendigo é generoso e sensível, mas um homem que recusa o dólar ao mendigo e o coloca num banco é avarento e malévolo. O primeiro está colocando capital onde certamente ele será desperdiçado e onde será uma espécie de semente de uma longa sucessão de dólares futuros, que devem ser desperdiçados para atrair um maior número de simpatias do que ocorreria por uma recusa em primeiro lugar. Uma vez que o dólar poderia ter se transformado em capital e dado a um trabalhador que, ao consegui-lo, o reproduziria, ele precisa ser considerado como tendo sido tirado deste último. Quando um milionário dá um dólar a um mendigo, o ganho de utilidade do mendigo é imensa e a perda de utilidade do milionário é insignificante. Geralmente a discussão pára neste ponto. Mas se o milionário transforma o dólar em capital, ele chegará ao mercado de trabalho como uma demanda por serviços produtivos. Portanto, aqui há outra parte interessada — a pessoa que fornece serviços produtivos. Há sempre duas partes. A segunda é sempre o Homem Esquecido, e quem quer que queira entender verdadeiramente a presente questão precisa procurá-lo. Será visto que ele é valoroso, industrioso, independente e auto-sustentável. Ele não é, tecnicamente, "pobre" ou "fraco"; ele se dedica apenas aos próprios negócios e não faz queixas. Conseqüentemente, ele é sempre esquecido pelos filantropos, que pisam nele.

Nós ouvimos uma grande quantidade de planos para "melhorar as condições do trabalhador". Nos Estados Unidos, quanto mais formos para baixo na escala do trabalho, maiores são as vantagens que o trabalhador tem em relação às classes mais altas. Um servente de pedreiro ou escavador aqui pode, com o trabalho de um dia, pagar muitas vezes mais dias de trabalho de um carpinteiro, fiscal, escriturário ou médico do que um trabalhador não-qualificado da Europa poderia com um dia de trabalho. O mesmo é verdadeiro, em menor grau, para o carpinteiro em comparação com o escriturário, com o fiscal e com o médico. Por isso os Estados Unidos são o grande país para o trabalho não-qualificado. Todas condições econômicas favorecem essa classe. Há um grande continente para ser conquistado e há solo fértil disponível para o trabalho, com quase nenhuma necessidade de capital. Assim, as pessoas que têm braços fortes têm o que é mais necessário e, não fosse por considerações sociais, a educação superior não compensaria. Sendo este o caso, o trabalhador não precisa de melhorias em suas condições exceto a de ser libertado dos parasitas que vivem sobre ele. Todos os planos de auxílio às "classes trabalhadoras" têm sabor de condescendência. Eles são impertinentes e fora de lugar nesta livre democracia. Não há, na verdade, qualquer estado de coisas ou quaisquer relações que pudessem tornar projetos desse tipo apropriados. Esses projetos desmoralizam ambas as partes, adulando a vaidade de uma e minando o respeito próprio da outra.

Para nosso presente propósito, é importante notar que se nós erguermos qualquer homem, nós precisamos ter um sustentáculo ou ponto de reação. Numa sociedade, isso significa que para erguer um homem nós empurramos outro para baixo. Os planos para melhorar as condições das classes trabalhadoras interferem na competição dos trabalhadores uns com os outros. Os beneficiários são selecionados através do favoritismo e são aptos a ser aqueles que recomendaram a si mesmos aos amigos da humanidade por uma linguagem ou conduta que não exprime independência e energia. Aqueles que sofrem uma correspondente depressão pela interferência são os independentes e auto-confiantes, que mais uma vez são esquecidos ou desconsiderados; e os amigos da humanidade mais uma vez surgem, em seus esforços para ajudar alguém, para pisar naqueles que tentam ajudar a si próprios.

Os sindicatos trabalhistas utilizam vários instrumentos para aumentar os salários, e aqueles que dedicam seus tempos à filantropia têm interesse nesses instrumentos e desejam que eles tenham sucesso. Eles fixam suas mentes inteiramente nos trabalhadores que presentemente fazem parte da negociação e não tomam conhecimento de quaisquer outros trabalhadores que estejam interessados na questão. Supõe-se que a luta é entre os trabalhadores e seus empregadores, e acredita-se que se pode ter simpatias nesse caso em relação aos trabalhadores sem ter responsabilidade por nada mais. Logo se vê, entretanto, que o empresário soma os riscos dos sindicatos e das greves aos outros riscos de seus negócios e resolve a questão filosoficamente, porque ele passou suas perdas para o público. Parece então que a riqueza pública foi diminuída e que o perigo de uma guerra trabalhista, como o perigo de uma revolução, é uma constante redução do bem-estar de todos. Até aqui, porém, nós vimos apenas coisas que poderiam diminuir os salários — nada que pudesse aumentá-los. O empregador preocupa-se, mas isso não aumenta os salários. O público perde, mas esse prejuízo serve para cobrir o risco extra e não aumenta os salários.

Além dos legítimos e econômicos meios1, um sindicato trabalhista aumenta salários através da restrição do número de aprendizes que podem trabalhar. Isso age diretamente sobre a oferta de trabalhadores e produz efeitos sobre os salários. Se, porém, o número de aprendizes for limitado, alguns que gostariam de entrar são mantidos fora. Aqueles que estão dentro, portanto, estabeleceram um monopólio e constituíram-se como classe privilegiada numa base exatamente análoga àquela das antigas aristocracias privilegiadas. Mas o que quer que é ganho com esse arranjo para aqueles que estão inseridos custa uma perda maior àqueles que são excluídos. Portanto, não é sobre os mestres nem sobre o público que os sindicatos trabalhistas exercem a pressão pela qual elevam os salários; é sobre as outras pessoas da classe trabalhadora que desejam entrar naquele determinado ofício, mas que, não podendo fazer isso, são empurradas para a classe de trabalhadores desqualificados. Essas pessoas, no entanto, são completamente desconsideradas em todas as discussões sobre os sindicatos trabalhistas. São os Homens Esquecidos. E uma vez que elas querem entrar naquela profissão e ganhar suas vidas com ela, é razoável supor que são apropriadas para ela, que nela teriam sucesso e que fariam um bem para a sociedade ao exercê-la; isso significa dizer que, de todas as pessoas interessadas ou afetadas, são elas que mais merecem nossa simpatia e atenção.

Os casos mencionados até aqui não envolvem nenhuma legislação. A sociedade, contudo, mantém a polícia, xerifes e várias instituições cujo objetivo é proteger as pessoas de si mesmas — isto é, de seus próprios vícios. Quase todo esforço legislativo para evitar os vícios na verdade os protege, porque todas essas legislações salvam o homem vicioso da penalidade de seu vício. Os remédios da natureza contra os vícios são terríveis. Ela remove as vítimas sem piedade. Um bêbado na sarjeta está exatamente onde deveria, de acordo com a tendência e a justeza das coisas. A natureza o colocou num processo de declínio e dissolução pelo qual ela remove as coisas que exauriram suas utilidades. O jogo e outros vícios menos mencionáveis possuem suas próprias penalidades com eles.

Mas nós nunca podemos destruir uma penalidade. Nós podemos somente desviá-la da cabeça do homem que incorreu nela para as cabeças dos outros que não incorreram nela. Uma grande quantidade de "reformas sociais" consiste justamente dessa operação. A conseqüência é que aqueles que se desvirtuaram, sendo livrados da rígida disciplina da natureza, pioram, e que há um fardo constantemente mais pesado para que os outros sustentem. Quem são os outros? Quando vemos um bêbado na sarjeta, nós nos apiedamos dele. Se um policial o auxiliar, nós dizemos que a sociedade interferiu para salvá-lo do perecimento. "Sociedade" é uma bela palavra e ela nos poupa do problema de pensar. O industrioso e sóbrio trabalhador, o qual tem uma porcentagem de seu salário diário multada para pagar o policial, é quem sustenta a penalidade. Mas ele é o Homem Esquecido. Ele está lá, mas nunca é notado, porque ele se comportou apropriadamente, honrou seus contratos e não pediu por nada mais.

A falácia de toda legislação proibitória, comportamental e moral é a mesma. A e B se determinam a ser abstêmios, o que é freqüentemente uma sábia, e às vezes necessária, determinação. Se A e B são movidos por considerações que lhes parecem boas, é suficiente. Mas A e B juntam suas mentes para passar uma lei que forçará C a ser um abstêmio em benefício de D, que está em perigo de beber demais. Não há pressão sobre A e B. Eles estão em seus próprios caminhos e gostam deles. Raramente há qualquer pressão sobre D. Ele não gosta dela e a evade. Toda a pressão recai sobre C. A questão então surge: Quem é C? Ele é o homem que não quer bebidas alcoólicas para propósito nenhum, que usaria sua liberdade sem abusar dela, que não levantaria nenhuma questão pública e não causaria problemas para ninguém. Ele é o Homem Esquecido de novo, e tão logo que ele é tirado de sua obscuridade nós vemos que ele é exatamente o que cada um de nós deve ser.



Notas:

1 Como assinalado no capítulo VI de What Social Classes owe to Each Other, de Sumner.
William Graham Sumner (1840-1910) foi um sociólogo americano. Presidiu a American Sociological Association e foi vice-presidente da Anti-Imperialist League. Em seus diversos trabalhos, defendeu o governo limitado, o livre-comércio e o anti-militarismo.

O mito do império da lei - John Hasnas

Nota: A expressão "rule of law" foi traduzida tanto no título como no texto como "império da lei", que é o termo utilizado em geral em relação ao "governo de leis e não de homens", ao "Estado de Direito". Porém, "rule of law" também é usado, ao longo do texto, em referência às regras de jurisprudência, caso em que foi traduzido como "regra de lei".

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I

Pare! Antes de ler este artigo, faça o seguinte quiz:
A primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos, em parte:

"O Congresso não poderá fazer leis (...) limitando a liberdade de expressão ou de imprensa; (...)"

Com base no seu entendimento pessoal do significado dessa frase (não em seu conhecimento de direito constitucional), por favor, assinale se as seguintes sentenças são verdadeiras ou falsas:

___ 1) Em tempo de guerra, estatutos federais podem ser aprovados proibindo os cidadãos de revelarem segredos militares ao inimigo.
___ 2) O Presidente pode editar uma ordem executiva proibindo a crítica pública de sua administração.
___ 3) O Congresso pode passar uma lei proibindo museus de exibir fotografias e pinturas que reproduzam atividades homossexuais.
___ 4) Um estatuto federal pode ser aprovado proibindo um cidadão de mentirosamente gritar "fogo" num teatro lotado.
___ 5) O Congresso pode aprovar uma lei proibindo a dança do rock'n'roll.
___ 6) O Internal Revenue Service [N.T.: a Receita Federal americana] pode passar uma regulação proibindo a publicação de um livro explicando como sonegar impostos e escapar impune.
___ 7) O Congresso pode aprovar um estatuto proibindo a queima de bandeiras.
Obrigado, agora você pode continuar a leitura.

Em 1984, George Orwell criou uma visão aterrorizante de um futuro no qual um Partido todo-poderoso exerce um controle totalitário sobre a sociedade, forçando os cidadãos a dominarem a técnica do "duplipensar", que requer que eles "sustentem simultaneamente duas opiniões que se anulam sabendo que elas são contraditórias e acreditando em ambas".1 O duplipensar orwelliano é normalmente considerado um maravilhoso instrumento literário, mas que não possui uma realidade referente, uma vez que é obviamente impossível acreditar nas duas partes de uma contradição. Na minha opinião, essa abordagem é incorreta. Não apenas é possível que as pessoas acreditem nas duas partes de uma contradição, como é algo que elas fazem todos os dias sem dificuldade aparente.

Considere-se, por exemplo, as crenças das pessoas quanto ao sistema legal. Elas obviamente estão conscientes de que a lei é inerentemente política. A reclamação comum de que os membros do Congresso são corruptos ou que legislam para o próprio benefício político ou pelo de grupos especiais de interesse em vez de para o bem comum demonstra que os cidadãos entendem que as leis sob as quais eles vivem são um produto de forças políticas e não uma incorporação da justiça. Além disso, como evidenciado pelas batalhas políticas travadas pelas nomeações de Robert Bork e Clarence Thomas para a Suprema Corte, o público obviamente acredita que a ideologia das pessoas que servem como juízes influencia a maneira pela qual a lei é interpretada.

Isto, contudo, de forma alguma impede que as pessoas considerem a lei como um conjunto de regras definidas, politicamente neutras, submetidas a uma aplicação imparcial à qual todos os cidadãos têm a obrigação moral de obedecer. Assim, elas parecem surpresas e assustadas ao saber que a Lei do Ar Limpo [N.T.: "Clean Air Act"] pode ter sido escrita não para produzir o ar mais limpo possível, mas para favorecer os interesses econômicos dos mineradores do carvão sujo da Virgínia Ocidental (Virgínia Ocidental que é coincidentemente o estado de Robert Byrd, que então era o presidente do Comitê de Apropriações do Senado) sobre os dos mineiros do carvão limpo do oeste.2 E, quando a suprema Corte toma uma decisão sobre um assunto controverso como aborto, direitos civis ou pena capital, então, como o Louis em Casablanca, o público fica chocado, chocado ao descobrir que a Corte pode ter deixado considerações políticas influenciarem sua decisão. A freqüente condenação do judiciário por conta de um "ativismo judicial anti-democrático" ou por uma "engenharia social sem princípios" é meramente um reflexo da crença do público de que a lei é consistida de um conjunto de "princípios neutros"3 definidos e consistentes, os quais o juiz é obrigado a aplicar de forma objetiva, livre das influências de suas crenças pessoais políticas e morais.

Eu acredito que, como Orwell sugeriu, é a capacidade do público de empreender esse tipo de duplipensar, ter consciência de que a lei tem caráter inerentemente político e no entanto acreditar que ela seja uma incorporação objetiva da justiça, a responsável pelo incrível grau de controle que o governo federal é capaz de exercer sobre pessoas supostamente livres. Eu diria que essa capacidade de manter a crença de que a lei é um conjunto de regras consistentes e politicamente neutras que podem ser objetivamente aplicadas pelos juízes apesar da esmagadora evidência em contrário explica em grande parte a aquiescência dos cidadãos à firme erosão de suas liberdades fundamentais. Para mostrar que esse é de fato o caso, eu gostaria de direcionar sua atenção à ficção que reside no centro dessa incongruência e que permite que o público empreenda o duplipensar requerido sem desconforto cognitivo: o mito do império da lei.

Eu me refiro ao mito do império da lei porque, no que se refere a uma sociedade na qual todos são governados por regras neutras que são objetivamente aplicadas por juízes, ele não existe. Como um mito, contudo, o conceito do império da lei é tanto poderoso como perigoso. Seu poder deriva de seu apelo emocional. O império da lei sugere uma ausência de arbitrariedade, uma ausência dos piores abusos da tirania. A impressão passada pelo slogan "A América é governada por leis, não pessoas" é uma de justiça e imparcialidade e não de submissão às vontades humanas. Essa é uma impressão que pode fomentar a fidelidade e a afeição dos cidadãos. Afinal, quem não seria a favor do império da lei se a única alternativa fosse o domínio arbitrário? Mas essa impressão também é a fonte do perigo do mito. Pois, se os cidadãos realmente acreditam que estão sendo governados por regras justas e imparciais e que a única alternativa é a sujeição a domínios pessoais, elas muito mais provavelmente apoiarão o estado enquanto ele progressivamente restringe suas liberdades.

Neste artigo, eu argumentarei que essa é uma falsa dicotomia. Especificamente, eu pretendo estabelecer três pontos: 1) não existe um governo de leis e não pessoas; 2) a crença de que existe serve ao propósito de manter o suporte público à estrutura de poder da sociedade; e 3) o estabelecimento de uma sociedade realmente livre requer o abandono do mito do império da lei.

II

Imagine a seguinte cena. Um curso de primeiro ano de Contratos está sendo ministrado na prestigiosa Harvard Law School. O professor é um distinto acadêmico com reputação nacional de ser um dos mais destacados especialistas em direito contratual anglo-americano. Vamos chamá-lo de Professor Kingsfield. Ele instrui sua classe a pesquisar a seguinte hipótese para o dia seguinte:
Uma mulher que vive numa região rural fica doente e chama a médica de sua família, que também é a única médica do local, para ajudar. Contudo, é quarta-feira, o dia de folga dela e, porque ela foi a um jogo de golfe, ela não vai responder. A condição da mulher piora e, já que nenhum outro médico pode ser encontrado a tempo, ela morre. Seus parentes então processam a médica por não ter ido ajudá-la. A doutora é culpada?
Dois dos estudantes, Arnie Becker e Ann Kelsey, resolvem causar uma boa impressão em Kingsfield se forem chamados para discutir o caso. Arnie é um indivíduo meio conservador, consideravelmente egocêntrico. Ele acredita que médicos são seres humanos, que, como todas as pessoas, têm direito a um dia de folga, e que seria injusto exigir que eles estivessem sempre à disposição de seus pacientes. Por essa razão, sua opinião inicial em relação à solução da hipótese é que a médica não deveria ser culpada. Através de sua pesquisa, ele descobre o caso de Hurley vs. Eddingfield4, que estabelece a regra de que, na ausência de um contrato explícito, i.e., quando não houve contato real entre as pessoas, não pode haver culpabilidade. Na hipótese, claramente não houve encontro. Logo, Arnie conclui que sua opinião inicial estava correta e que a médica não era legalmente culpável. Uma vez que ele encontrou uma regra de lei que claramente se aplica aos fatos do caso, ele está confiante que está preparado para a aula do dia seguinte.

Ann Kelsey é politicamente liberal e se considera uma pessoa sensível. Ela acredita que quando os médicos fazem o juramento hipocrático, eles aceitam uma obrigação especial de cuidar dos doentes e que seria errado e um exemplo terrível para os médicos ignorar as necessidades dos pacientes regulares que dependem deles. Por essa razão, sua opinião inicial da solução da hipótese é a de que a médica deveria ser culpada. Através de sua pesquisa, ela descobre o caso Cotnam vs. Wisdom5, que estabelece a regra de que na ausência de um contrato explícito a lei implicará um relacionamento contratual onde ele for necessário para evitar uma injustiça. Ela acredita que dados os fatos da hipótese, não implicar um relacionamento contratual seria obviamente injusto. Portanto, ela conclui que sua opinião inicial era correta e que a médica é legalmente culpável, Uma vez que ela encontrou uma regra de lei que claramente se aplica aos fatos do caso, ela está confiante de que está preparada para a aula do dia seguinte.

No dia seguinte, Arnie é chamado e apresenta sua análise. Ann, que sabe que encontrou um sólido argumento legal com um resultado exatamente oposto, conclui que Arnie é um típico homem branco conservador sem senso de compaixão que obviamente não compreendeu os pontos da hipótese. Ela se oferece para apresentar seu trabalho e, quando chamada por Kingsfield, critica a análise de Arnie do caso e apresenta a sua própria. Arnie, que sabe que encontrou um sólido argumento legal para sua posição, conclui que Ann é uma típica mulher sensível liberal cuja emotividade fez com que ela não compreendesse os pontos da hipótese. Cada um espera que Kingsfield confirme sua análise e que descarte a análise do outro como a ilogicidade que obviamente é. Para o desgosto deles, contudo, quando um terceiro estudante pergunta "Mas quem está certo, professor?", Kingsfield rudemente responde "Quando vocês transformarem essa desordem no meio de suas orelhas em algo útil e começarem a pensar como um advogado, serão capazes de responder essa questão por si mesmos" e muda de assunto.

O que o Professor Kingsfield sabe mas nunca vai revelar aos estudantes é que tanto a análise de Arnie quanto a de Ann estão corretas. Como isso pode acontecer?

III

O que o professor Kingsfield sabe é que o mundo legal não é como o mundo real e que o tipo de raciocínio apropriado a ele é distinto daquele que os seres humanos empregam normalmente. No mundo real, as pessoas normalmente tentam resolver problemas formulando hipóteses e as testando contra os fatos que conhecem. Quando os fatos confirmam as hipóteses, elas são aceitas como verdadeiras, embora sujeitas a reavaliação quando novas evidências forem descobertas. Esse é um método bem sucedido de raciocinar em relação a problemas científicos e a outras questões empíricas porque o mundo físico tem uma estrutura única, definida. Ele funciona porque as leis da natureza são consistentes. No mundo real, é completamente apropriado assumir que uma vez que você tenha confirmado sua hipótese, todas as outras hipóteses inconsistentes são incorretas.

No mundo legal, contudo, esta suposição não se sustenta. Isso ocorre porque, ao contrário das leis da natureza, as leis políticas não são consistentes. A lei que os seres humanos criam para regular suas condutas é formada de regras e princípios incompatíveis e contraditórios; e, como todos que estudaram um pouco de lógica podem demonstrar, qualquer conclusão pode ser validamente derivada de um conjunto de premissas contraditórias. Isso significa que um argumento logicamente sólido pode ser encontrado para qualquer conclusão legal.

Quando os seres humanos empreendem o raciocínio legal, eles usualmente procedem da mesma forma de quando raciocinam empiricamente. Eles começam com uma hipótese sobre como um caso deveria ser decidido e a testam buscando um argumento sólido que a sustente. Afinal, ninguém pode "raciocinar" diretamente a uma conclusão não imaginada. Sem algum objetivo em vista, não há maneira de saber que premissas empregar ou que direção um argumento deveria tomar. Quando um argumento sólido é encontrado, como no caso do raciocínio empírico, naturalmente conclui-se que a própria hipótese legal é demonstradamente correta e que, além disso, que todas as hipóteses concorrentes são, portanto, incorretas.

Essa é a falácia do raciocínio legal. Porque o mundo é composto de regras contraditórias, haverá sólidos argumentos legais disponíveis não só para a hipótese que se está investigando, mas para outras hipóteses concorrentes também. A suposição de que há uma resolução única, correta que é apropriada para as investigações empíricas é o que induz as pessoas ao erro quando estão lidando com assuntos legais. Kingsfield, que tem consciência disso, sabe que tanto Arnie quanto Ann produziram legítimos argumentos legais para suas conclusões opostas. Ele não revela que sabe disso para a classe, no entanto, porque o fato de que isso seja possível é precisamente o que seus estudantes precisam descobrir por si mesmos se eles algum dia aprenderem a "pensar como um advogado".

IV

Imagine que Arnie e Ann tenham completado seus primeiros anos em Havard e que coincidentemente se encontrem na mesma classe de segundo ano sobre a Lei de Dicriminação no Trabalho. Durante a parte do curso que enfoca o Título VII da Lei de Direitos Civis de 1964 [N.T.: "Civil Rights Act"], pede-se à classe para determinar se o §2000e-2(a)(1), que torna ilegal "deixar de ou se recusar a contratar ou demitir qualquer indivíduo, ou de outra forma discriminar qualquer indivíduo com relação a sua compensação, termos, condições ou privilégios do emprego por conta da raça, cor, religião, sexo ou origem nacional de tal indivíduo", permite que um empregador voluntariamente institua um programa de ação afirmativa que dê tratamento preferencial aos afro-americanos. Talvez não supreendentemente, Arnie pensa resolutamente que programas de ação afirmativa são moralmente errados e que o que o país precisa são práticas empregatícias cegas às cores, baseadas em mérito. Pesquisando o problema, ele encontra o seguinte princípio de construção estatutária: Quando as palavras são claras, as cortes não podem entrar em áreas especulativas à procura de diferentes significados e a linguagem precisa ser considerada como a expressão final do intento legislativo e nada deve ser somado ou subtraído a ele com base em fontes estranhas.6 Na opinião de Arnie, esse princípio claramente se aplica ao caso. A seção 2000e-2(a)(1) proíbe a discriminação de indivíduos com base em raça. Que construção poderia ser mais clara? Uma vez que dar tratamento preferencial aos afro-americanos discrimina os brancos por causa de raça, Arnie conclui que o §2000e-2(a)(1) proíbe os empregados de voluntariamente instituírem planos de ação afirmativa.

Talvez também não surpreendentemente, Ann tem uma forte crença de que a ação afirmativa é moral e absolutamente necessária para criar uma sociedade racialmente justa. No curso de sua pesquisa, ela encontra o seguinte princípio de construção estatutária: É uma regra familiar a de que uma coisa pode estar dentro da carta de um estatuto e, no entanto, não está dentro do estatuto porque está em espírito ou na intenção de seus criadores, e que uma interpretação que acabasse com o propósito do estatuto deve ser rejeitada.7 Ao checar a história legislativa, Ann vê que o propósito do Título VII da Lei de Direitos Civis era o de aliviar "o fardo do Negro na nossa economia" e "abrir oportunidades para os Negros em ocupações que estiveram tradicionalmente fechadas para eles".8 Uma vez que obviamente iria de encontro a esse propósito interpretar que §2000e-2(a) torna ilegal que os empregadores voluntariamente instituam planos de ação afirmativa desenhados para beneficiar economicamente afro-americanos ao criar oportunidades de emprego para eles, Ann conclui que §2000e-2(a)(1) não proíbe os empregadores de instituírem esses planos.

No dia seguinte, Arnie apresenta seu argumento pela ilegalidade da ação afirmativa na classe. Uma vez que Ann encontrou um sólido argumento legal para precisamente a conclusão oposta, ela sabe que a posição de Arnie é insustentável. No entanto, tendo conhecido Arnie ao longo do último ano, isso não a surpreende nem um pouco. Ela o considera um reacionário inveterado completamente sem princípios na busca de sua agenda conservadora (e provavelmente racista). Ela acredita que ele está defendendo uma leitura absurdamente estreita da Lei de Direitos Civis com o objetivo puramente político de minar o propósito do estatuto. Assim, ela se oferece para mostrar seu trabalho e, quando chamada, ela apresenta seu argumento que demonstra que a ação afirmativa é legal. Arnie, que encontrou um sólido argumento legal para sua conclusão, sabe que a posição de Ann é insustentável. No entanto, ele já esperava isso. Ao longo do ano passado ele veio a conhecer Ann como uma teimosa liberal que faz qualquer coisa para avançar sua inconsistente agenda esquerdista. Ele acredita que ela está perversamente manipulando a linguagem patentemente clara do estatuto com o objetivo puramente político de estender o estatuto além de seu propósito legítimo.

Tanto Arnie como Ann sabem que encontraram argumentos logicamente sólidos para suas conclusões. Mas ambos também cometeram a falácia do raciocínio legal ao suporem que sob uma lei a uma solução unicamente correta do caso. Por causa dessa suposição, ambos acreditam que seus argumentos demonstram que eles encontraram a resposta objetivamente correta e que, portanto, o outro está simplesmente politizando a lei.

A verdade é, claro, que ambos estão fazendo política. Já que a lei é composta de regras contraditórias que podem gerar qualquer conclusão, a conclusão que se encontrar será determinada pela conclusão que se procura, i.e., pela hipótese que se decidir testar. Esta invariavelmente será aquela que se "sente" que é correta, aquela que seja mais congruente com as crenças políticas e morais antecedentes, subjacentes. Assim, as conclusões legais são sempre determinadas pelas suposições normativas do tomador de decisões. O conhecimento que Kingsfield possui e que Arnie e Ann ainda não descobriram é o de que a lei nunca é neutra e objetiva.

V

Eu sugeri que porque a lei é consistida de regras e princípios contraditórios, sólidos argumentos legais estarão disponíveis para todos os tipos de conclusões legais e, portanto, as predisposições normativas dos tomadores de decisão em vez da própria lei determinam o resultado dos casos. Deve-se notar, entretanto, que isso subestima grandemente o grau ao qual a lei é indeterminada. Pois, mesmo se a lei fosse consistente, as regras e princípios individuais são expressados numa linguagem tão vaga e geral que o tomador de decisões é capaz de interpretá-las tão ampla ou estreitamente quanto for necessário para alcançar um resultado desejável.

Para ver que é esse o caso, imagine que Arnie e Ann tenham se formado pela Harvard Law School, seguido distintas carreiras como advogados e, mais tarde na vida, vejam, para surpresa e desespero deles, que foram os dois apontados para a mesma corte de apelação. O primeiro caso com que se deparam envolve os seguintes fatos:
Um indivíduo falido estava leiloando suas possessões pessoas para levantar dinheiro para cobrir suas dívidas. Um dos ítens posto no leilão foi uma pintura que estava em sua família por anos. Um comprador que foi ao leilão comprou a pintura por um lance de $100. Quando o comprador teve sua pintura avaliada, descobriu-se que era uma obra-prima perdida que valia milhões. Ao saber disso, o vendedor processou o comprador para rescindir o contrato de venda. A corte processual permitiu a rescisão. A questão é se esse julgamento é legalmente correto.
Os advogados tanto do vendedor querelante quanto do comprador acionado concordam que a regra de lei que governa este caso é aquela segundo a qual um contrato de venda pode ser rescindido quando houver um erro mútuo em relação a um fato que era decisivo para o acordo. O vendedor argumenta que no presente caso houve tal erro, citando como precedente o caso Sherwood vs. Walker.9 Em Sherwood, um fazendeiro vendeu a outro fazendeiro uma vaca a qual ambos os fazendeiros acreditavam ser estéril. Quando descobriu-se que a vaca era fértil, foi permitida ao vendedor a rescisão do contrato de venda com base no erro mútuo. O vendedor argumenta que Sherwood é exatamente análogo à presente controvérsia. Tanto ele quanto o comprador acreditavam que o contrato de venda era de uma pintura barata. Assim, ambos estavam errados quanto à verdadeira natureza do objeto sendo vendido. Uma vez que isso era obviamente essencial para o acordo, o vendedor argumenta que a corte processual estava correta em permitir a rescisão.

O comprador argumenta que o caso presente não é de erro mútuo, citando como precedente o caso Wood vs. Boynton.10 Em Wood, uma mulher vendeu uma pequena pedra que disse ter achado para um joalheiro por um dólar. No momento da venda, nenhuma parte sabia que tipo de pedra aquela era. Quando subseqüentemente descobriu-se que era um diamante que valia US$700, a vendedora abriu um processo pedindo rescisão, dizendo ter havido um erro mútuo. A corte manteve o contrato, baseando-se no fato de que já que ambas as partes sabiam que estavam negociando uma pedra de valor desconhecido, não havia erro. O comprador argumenta que esse caso é exatamente análogo à presente controvérsia. Tanto o vendedor quanto o comprador sabiam que a pintura que era vendida era um trabalho de valor desconhecido. Isso é precisamente o que se deve esperar num leilão. Assim, o comprador argumenta que esse não é um caso de erro mútuo e que o contrato deveria ser mantido.

Após a discussão oral, Arnie, Ann e o terceiro juíz na corte, Bennie Stolwitz, um não-advogado apontado para a magistratura principalmente porque o governador é seu tio, se retiram para considerar a decisão. Arnie acredita que um dos propósitos essenciais do direito contratual é encorajar as pessoas a serem auto-suficientes e cuidadosas em suas transações, uma vez que com a liberdade de entrar nesses arranjos obrigatórios vem a responsabilidade de fazer isso. Ele considera crucial para sua decisão o fato de que o vendedor teve a oportunidade de ter sua pintura avaliada e de que exercendo seu devido cuidado ele poderia ter descoberto seu verdadeiro valor. Portanto, ele considera o contrato neste caso como o de uma pintura de valor desconhecido e vota pela anulação da decisão da corte processual e pelo mantimento do contrato. Por outro lado, Ann acredita que o propósito essencial do direito contratual é assegurar que todas as partes façam um acordo justo. Ela considera crucial para sua decisão o fato de que o comprador neste caso está recebendo uma fortuna inesperada às expensas do infeliz vendedor. Assim, ela considera o contrato como o de uma pintura barata e vota pelo mantimento da decisão da corte processual e pela permissão da rescisão. Isso deixa a decisão para Bennie, que não faz idéia de qual o propósito do direito contratual, mas acha que não é justo que o cara falido se ferre e vota pela rescisão.

Tanto Arnie quanto Ann vêem que a presente situação é um mal presságio para seus mandatos judiciais. Cada um deles acredita que as manipulações políticas sem princípios da lei pelo outro farão com que Bennie, que não é nem mesmo um advogado, controle a corte. Como resultado, eles marcam um encontro para discutir a situação. Nesse encontro, ambos prometem colocar a política de lado e decidir todos os casos futuros estritamente com base na lei. Aliviados, eles retornam à corte para confrontar o próximo caso na súmula da corte, que envolve os seguintes fatos:
Uma professora de filosofia que suplementa seu salário acadêmico durante o verão dando palestras sobre filosofia política foi contratada para dar uma palestra sobre o império da lei à Future Republicans of America em 20 de julho por US$500. Ela foi subseqüentemente contatada pela Young Socialists of America que a ofereceram US$1000 por uma palestra no mesmo dia. Ela, a seguir, ligou para a FRA, informando-a de seu desejo de aceitar a melhor oferta. A FRA então aceitou pagar US$1000 pela palestra. Depois que a professora deu a palestra, a FRA pagou apenas os US$500 originalmente estipulados. A professora processou a FRA e a corte processual julgou que ela tinha direito aos US$500 adicionais. A questão em disputa é se esse julgamento é legalmente correto.
Os advogados tanto da professora querelante quanto da acusada FRA concordam que a regra de lei que se aplica a este caso é a de que uma promessa de pagar mais por serviços que já se está contratualmente obrigado a prestar não é executável, mas se um contrato existente é rescindido por ambas as partes e um novo é negociado, a promessa é executável. A FRA argumenta que no presente caso ela tinha prometido pagar mais por um serviço que a professora já estava contratualmente obrigada a prestar, citando Davis & Co. vs. Morgan11 como precedente. Em Davis, a um trabalhador empregado por um ano por US$40 por mês foi oferecido US$65 por mês por outra companhia. O empregador então prometeu pagar ao empregado adicionais US$120 ao fim do ano se ele permanecesse na firma. No fim do ano, o empregador não pagou os US$120, e quando o empregado o processou, a corte manteve que uma vez que ele já estava obrigado a trabalhar por US$40 por mês pelo ano, não havia consideração pela promessa do empregador; portanto, ela não era executável. A FRA argumenta que esse caso é exatamente análogo à presente controvérsia. A professora já estava obrigada a dar palestra por US$500. Portanto, não havia consideração pela promessa da FRA de pagar adicionais US$500 e a promessa é inexecutável.

A professora argumenta que no presente caso, o contrato original foi rescindido e um novo negociado, citando Schwartzreich vs. Bauman-Basch, Inc.12 como precedente. Em Schwartzreich, a um designer de roupas que havia sido contratado por um ano de trabalho por US$90 por semana foi subseqüentemente oferecido US$115 por semana por outra companhia. Quando o designer informou seu empregador de sua intenção de aceitar a proposta, o empregador ofereceu ao designer US$100 por semana se ele ficasse e o designer concordou. Quando o designer o processou pela compensação adicional, a corte manteve que, uma vez que as partes simultaneamente haviam rescindido o contrato original por consentimento mútuo e entrado num novo por um salário mais alto, a promessa de pagamento era executável. A professora argumenta que esse caso é exatamente análogo à presente controvérsia. Quando a FRA se ofereceu para pagar US$500 adicionais pela palestra, eles obviamente estavam rescindindo o primeiro contrato e entrando num novo em termos diferentes. Assim, a promessa de pagar US$500 adicionais é executável.

Após a discussão oral, os juízes se retiram para considerar a decisão. Arnie, lembrando-se de seu acordo com Ann, é escrupulosamente cuidadoso para não deixar considerações políticas entrarem em sua análise do caso. Assim, ele começa a perguntar para si mesmo por que a sociedade precisa do direito contratual em primeiro lugar. Ele decide que a resposta objetiva, não-política, para isto é obviamente que a sociedade precisa de algum mecanismo para assegurar que os indivíduos honrem seus comprometimentos voluntariamente acordados. Dessa perspectiva, a resolução do caso presente é clara. Uma vez que a professora está obviamente ameaçando se retirar de seu comprometimento voluntariamente acordado para extorquir mais dinheiro da FRA, Arnie caracteriza o caso como um no qual uma promessa foi feita para pagar por serviços que a professora já estava contratualmente obrigada a realizar, e decide que a promessa não é executável. Portanto, ele vota para anular a decisão da corte processual. Ann, lembrando também de seu acordo com Arnie, é meticulosa em seus esforços para assegurar que ela decida este caso puramente com base na lei. De acordo, ela começa sua análise se perguntando por que a sociedade precisa do direito contratual em primeiro lugar. Ela decide que a resposta objetiva, não-política, é que obviamente ele proporciona um ambiente no qual as pessoas podem exercer a liberdade de organizar suas vidas como acham apropriado. Dessa perspectiva, a resolução do caso presente é clara. Uma vez que a FRA está essencialmente tentando evitar que a professora organize sua vida como ela acha apropriado, ela caracteriza o caso como um no qual as partes simultaneamente rescindiram um contrato existente e negociaram um novo, e decide que a promessa é executável. Portanto, ela vota para manter a decisão da corte processual. Isso novamente deixa o voto decisivo a cargo de Bennie, que ainda não tem idéia de por que a sociedade precisa do direito contratual, mas pensa que a professora está tomando vantagem da situação de forma injusta e vota para anular a decisão da corte processual.

Tanto Arnie quanto Ann agora acreditam que o outro é um ideólogo incorrigível que lhes vai atormentar através de suas existências judiciais. Cada um está bastante insatisfeito com o prospecto. Cada um culpa o outro por sua infelicidade. Mas, na verdade, a culpa está dentro de cada um. Porque eles nunca aprenderam a lição do Professor Kingsfield de que é impossível alcançar uma decisão objetiva baseando-se somente na lei. Porque a lei está sempre aberta à interpretação e não existe uma interpretação normativamente neutra. A forma que se interpreta as regras das leis é sempre determinada pelas crenças morais e políticas subjacentes de cada um.

VI

Eu estive argumentando que a lei não é um corpo de regras determinado que pode ser objetivo e impessoalmente aplicado pelos juízes, que o que a lei prescreve é necessariamente determinado pelas predisposições normativas daqueles que a interpretam. Em suma, eu estive argumentando que a lei é inerentemente política. Se você, meu leitor, é como a maioria das pessoas, você está longe de ser convencido disso. De fato, eu ouso dizer que posso ler seus pensamentos. Você está pensando que mesmo que eu tenha mostrado que o presente sistema legal é de certa forma indeterminado, eu certamente não demonstrei que a lei é inerentemente política. Embora você possa concordar que a lei como presentemente constituída é vaga demais ou contém contradições demais, você provavelmente acredita que esse estado de coisas se deve às ações dos ativistas jurídicos liberais, ou aos adeptos reaganistas da doutrina do intento original, ou aos políticos corruptos, ou a [sinta-se livre para preencher com seu candidato favorito para grupo que é responsável pelas mazelas do sistema]. Contudo, você não acredita que a lei precise ser dessa forma, que ela nunca possa ser definida e politicamente neutra. Você acredita que a lei pode ser reformada; que para colocar um fim aos conflitos políticos e instituir o império da lei, nos meramente precisamos criar um sistema legal composto de regras consistentes que sejam expressadas em linguagem clara, definida.

É meu triste dever informar que isso não pode ser feito. Mesmo com toda a boa vontade no mundo, nós não poderíamos produzir esse sistema legal porque simplesmente não existe algo como uma linguagem não-interpretável. Agora, eu poderia tentar convencê-lo disso pelo método convencional de oferecer a você uma miríade de exemplos de manipulação da linguagem legal (e.g., um relato de como a linguagem relativamente direta da Cláusula de Comércio que dá ao Congresso poder de "regular o Comércio (...) entre os vários Estados" foi interpretada de forma a permitir regular tanto de fazendeiros plantando trigo para uso em suas próprias fazendas13 quanto a natureza dos relacionamentos homem-mulher em todos os negócios privados que empregam mais de 15 pessoas14). No entanto, eu prefiro tentar uma abordagem mais direta. Dessa forma, deixe-me direcionar sua atenção ao quiz que você completou no começo deste artigo. Por favor, considere suas respostas.

Se sua resposta à questão 1 foi "verdadeira", você escolheu interpretar a expressão "não poderá fazer" como usada na Primeira Emenda com o significado de "poderá fazer algumas".

Se sua resposta à questão 2 foi "falsa", você escolheu interpretar "Congresso" como se referindo ao Presidente dos Estados Unidos e a palavra "leis" como se referindo a uma ordem executiva.

Se sua resposta à questão 3 foi "falsa", você escolheu interpretar as palavras "expressão" e "imprensa" como se referindo à exibição de fotografias e pinturas.

Se sua resposta à questão 4 foi "verdadeira", você reforçou sua crença de que a expressão "não poderá fazer leis" na verdade significa "poderá fazer algumas leis".

Se sua resposta à questão 5 foi "falsa", você escolheu interpretar as palavras "expressão" e "imprensa" como se referindo à dança do rock and roll.

Se sua resposta à questão 6 foi "falsa", você escolheu interpretar a palavra "Congresso" como se referindo ao Internal Revenue Service e a palavra "leis" como se referindo às regulações do IRS.

Se sua resposta à questão 7 foi "falsa", você escolheu interpretar que as palavras "expressão" e "imprensa" se referem ao ato de queimar uma bandeira.

A não ser que suas respostas tenham sido 1) falsa, 2) verdadeira, 3) verdadeira, 4) falsa, 5) verdadeira, 6) verdadeira e 7) verdadeira, você escolheu interpretar pelo menos uma das expressões "Congresso", "não poderá fazer", "leis", "expressão" e "imprensa" de forma que só pode ser descrita como diferente de seus sentidos ordinários. Por que você fez isso? Suas respostas foram baseadas no "significado comum" das palavras ou em certas crenças normativas que você tem quanto ao alcance que deve ser permitido ao governo federal para interferir nas atividades expressivas dos cidadãos? Suas respostas foram objetivas e neutras ou foram influenciadas por sua "política"?

Eu escolhi essa porção da Primeira Emenda para meu exemplo porque ela contém a linguagem legal mais clara e definida de que eu tenho conhecimento. Se uma provisão tão claramente escrita como essa pode ser sujeita a interpretação política, que provisão legal pode não ser? Mas isso explica por que o sistema legal não pode ser reformado para consistir de um corpo de regras definidas que forneçam resoluções únicas, objetivamente verificáveis, dos casos. O que uma regra legal significa está sempre sujeito à determinação pelas posições políticas das pessoas que a aplicam.15

VII

Assumamos que eu tenha fracassado em convencê-lo da impossibilidade de reformar o sistema legal com um corpo de regras consistentes e definidas que produzem resultados determinados. Mesmo se a lei puder ser reformada dessa forma, ela claramente não deveria ser. Não há nada perverso no fato de que a lei é indeterminada. A sociedade não é uma vítima de alguma conspiração nefasta para minar a segurança legal por motivos ulteriores. Enquanto a lei permanecer como monopólio estatal, enquanto ela for criada e executada exclusivamente através de corpos governamentais, ela precisa permanecer indeterminada se deve servir ao seu propósito. Sua indeterminação dá à lei sua flexibilidade. E uma vez que, como um produto monopolistico, a lei precisa ser aplicável a todos os membros da sociedade de forma única que se encaixe a todos, a flexibilidade é sua característica mais essencial.

É certamente verdadeiro que um dos propósitos da lei é assegurar um ambiente social estável, assegurar a ordem. Mas qualquer ordem não será suficiente. Um outro propósito da lei precisa ser o de fazer justiça. O objetivo da lei é prover um ambiente social que é tanto ordenado quanto justo. Infelizmente, esses dois propósitos estão sempre em tensão. Pois, quanto mais definidas e rigidamente determinadas as regras das leis se tornam, menos o sistema legal é capaz de fazer justiça ao indivíduo. Assim, se a lei fosse totalmente determinada, ela não teria capacidade de considerar as eqüidades do caso particular. Por isso que mesmo se pudéssemos reformar a lei para torná-la totalmente definida e consistente, nós não deveríamos fazer isso.

Considere-se uma das propostas preferidas daquelas que discordam. Aqueles que acreditam que a lei deve e pode ser tornada totalmente determinada usualmente propõem que os contratos sejam rigorosamente executados. Assim, eles defendem um império da lei afirmando que na ausência da compulsão física ou da fraude explícita, as partes deveriam ser absolutamente obrigadas a manterem seus contratos. Eles acreditam que enquanto não for permitido que regras inconsistentes com essa provisão definida, claramente desenhada, entrem na lei, a política pode ser eliminada do direito contratual e as transações comerciais seriam grandemente facilitadas.

Assumamos, ao contrário do que realmente ocorre, que os termos "fraude" e "compulsão física" têm um significado simples, não sujeito a interpretação. A questão então se torna o que deveria ser feito com Agnes Syester.16 Agnes era uma "solitária e idosa viúva que foi seduzida pelos agrados e lisonjas daqueles que" trabalhavam no Arthur Murray Dance Studio No. 51540 em DesMoines, Iowa.17 Esse estúdio usou algumas técnicas de venda altamente inovadoras para vender para essa mulher de 68 anos 4.057 horas de instrução de dança, incluindo três associações para uma vida inteira e um curso de dança na Gold Star, a qual tem "o tipo de dança praticado por Ginger Rogers e Fred Astair, mas duas vezes mais difícil"18 por um custo total de $33.497, em dólares de 1960. É claro, Agnes comprou voluntariamente aquele número de horas. Mas num caso como esse, nos sentimos tentados a "interpretar" as práticas enganosas e injustas de venda do estúdio como fraudulentas19 e permitir que Agnes recupere seu dinheiro. Contudo, essa é precisamente o tipo de solução que nosso direito contratual reformado e determinado é desenhado para impedir. Portanto, parece que, uma vez que Agnes voluntariamente contratou as lições de dança, ela é responsável pelo pagamento da quantia total para o estúdio. Isso pode parecer um mal resultado para Agnes, mas de agora em diante, velhas senhoras vulneráveis deverão ser mais cuidadosas em seus negócios.

Ou considere-se uma proposta que é freqüentemente defendida por aqueles que querem tornar a lei mais precisa. Eles defendem uma regra de lei que declare que uma vontade escrita à mão que seja assinada frente a duas testemunhas seja absolutamente compulsória. Eles acreditam que, ao privar a corte do poder de "interpretar" o estado da mente do indivíduo, as opiniões morais pessoais dos juízes podem ser eliminadas da lei e a maior parte das questões contratuais podem ser concluídas rapidamente. É claro, o problema então que surge é o que fazer com Elmer Palmer, um jovem que assassinou seu avô para ganhar a herança devida a ele pela vontade do velho um pouco mais cedo do que de outra forma ocorreria.20 Num caso como esse, pode-se sentir tentado a negar a Elmer os frutos de seu nefasto trabalho apelando ao princípio legal de que ninguém deveria lucrar com seu delito, a despeito do fato de que a vontade foi validamente escrita.21 Contudo, essa é precisamente o tipo de contra-regra vagamente expressada que nossos reformadores pretendem expulsar do sistema legal para se certificarem de que a lei permaneça consistente. Portanto, pareceria que embora Elmer possa gastar uma quantidade considerável de tempo atrás das grades, ele faria isso como um homem rico. Isso pode mandar uma má mensagem a outros jovens do temperamento de Elmer, mas de hoje em diante os processos de herança serão consideravelmente simplificados.

As reformas propostas certamente fazem com que a lei seja mais determinada. No entanto, elas fazem isso eliminando a capacidade de a lei considerar os fatores do caso individual. Essa observação levanta a seguinte interessante questão: se um sistema legal determinado é assim, quem quereria viver sob ele? O fato é que quanto maior o grau de certeza que nós colocamos na lei, menos capaz a lei é de fazer justiça. Por essa razão, um sistema legal monopolista composto de regras inteiramente claras, consistentes, não funcionaria de forma aceitável ao público em geral. Ele não serviria como um sistema de justiça.

VIII

Eu argumentei que a lei é inerentemente indeterminada e, além disso, que esse fato não é necessariamente ruim. Eu vejo, porém, que você pode ainda não estar convencido. Mesmo se você agora estiver disposto a admitir que a lei é de certa forma indeterminada, você provavelmente acredita que eu exagerei em grande medida o grau dessa verdade. Afinal, é óbvio que a lei não pode ser radicalmente indeterminada. Se esse fosse o caso, a lei seria completamente imprevisível. Os juízes que ouvissem casos similares tomariam decisões completamente diferentes. Não haveria estabilidade ou uniformidade na lei. Mas, imperfeito como for o presente sistema legal, esse claramente não é o caso.

A observação de que o sistema legal é altamente estável é, é claro, correta, mas é um erro acreditar que isso se deve à exatidão da lei. A estabilidade da lei não deriva de qualquer característica da própria lei, mas pela esmagadora uniformidade ideológica daqueles que têm o poder de tomar decisões legais. Considere quem são os juízes neste país. Tipicamente, eles são pessoas de uma sólida formação de classe média-alta que se deram bem em prestigiosas instituição de graduação; que demonstraram capacidade de executar o tipo de raciocínio analítico medido pelo padronizado Teste de Admissões da Escola de Direito [N.T.: "Law School Admissions Test"]; que passaram pela severa escola de direito, com toda a sua doutrinação metodológica e política; e prosseguiu em carreiras de destaque como advogados, provavelmente com uma prestigiosa firma de advocacia ao estilo de Wall Street. Para serem apontados como magistrados, é virtualmente certo que eram tanto politicamente moderados como bem-conectados e, até recentemente, homens brancos da correta linhagem étnica e religiosa. Deve estar claro que, culturalmente falando, esse grupo tenderá a ser bastante homogêneo, dividindo muitas crenças e valores morais, espirituais e políticos. Dado isso, não é surpreendente que haverá um alto grau de concordância entre os juízes sobre como os casos devem ser decididos. Mas essa concordância é devida ao conjunto comum de pressuposições normativas que os juízes dividem, e não a algum significado objetivo imanente que existe nas regras das leis.

Na verdade, contudo, a lei não é verdadeiramente estável, uma vez que ela está continuamente, mesmo que vagarosamente, evoluindo em resposta aos costumes e condições sociais. Essa evolução ocorre porque cada nova geração de juízes traz consigo seu próprio conjunto de valores normativos "progressistas". Enquanto a antiga geração sai de cena, esses valores vêm a ser divididos por uma porcentagem cada vez maior do judiciário. Eventualmente, eles se tornam o consenso de opinião entre os juízes, e a lei muda para refleti-los. Assim, uma geração de juízes que considerava "separados mas iguais" uma interpretação perfeitamente legítima da Cláusula da Igual Proteção [N.T.: "Equal Protection Clause"] da Décima-Quarta Emenda deu lugar a uma que interpretava a cláusula como proibindo virtualmente todas as ações governamentais que classificam os indivíduos por raça, o que, por seu lado, deu lugar a uma que interpretava a mesma linguagem como permitindo classificações por raça "benignas" desenhadas para elevar o status social das minorias. Dessa forma, assim como os valores políticos e morais aceitos convencionalmente pela sociedade mudam com o tempo, também mudam aqueles incorporados à lei.

A lei parece ser estável por causa da vagarosidade com que evolui. Mas o lento ritmo do desenvolvimento legal não é devido a qualquer característica inerente à lei. Logicamente falando, qualquer conclusão, radical como for, é derivável das regras de lei. É simplesmente que, mesmo entre gerações, a variação de opinião ideológica representada pelos juízes é tão pequena que qualquer coisa mais que desvios incrementais da sabedoria e moralidade convencionais não será respeitada dentro da profissão. Essas decisões quase que certamente serão revertidas com a apelação e, assim, são raras mesmo em primeira instância.

Evidência confirmatória para essa tese pode ser encontrada em nossa história judicial contemporânea. Ao longo do último quarto de século, o movimento pela "diversidade" produziu uma opinião geral, e concomitantemente uma magistratura, mais aberta a diferentes raças, etnias, comportamentos sexuais e posições sócio-econômicas. Em alguma medida, esse movimento produziu um judiciário que representa uma maior variedade de pontos de vista ideológicos em relação ao passado. Durante o mesmo período, nós observamos uma acelerada mudança legal. Hoje em dia, antigos precedentes são mais livremente anulados, novas teorias de responsabilização são mais freqüentemente aceitas pelas cortes e diferentes cortes tomam decisões diferentes e aparentemente irreconciliáveis mais freqüentemente. Adicionalmente, vale notar que recentemente a maior reclamação sobre o sistema legal parece se dever ao seu grau de "politização". Isso sugere que enquanto a solidariedade do judiciário se deteriora, também é deteriorada a previsibilidade do sistema legal e, assim, a estabilidade da lei.

A despeito dessa tendência, eu espero que já esteja aparente que supor que a lei é estável porque ela é determinada é inverter a causa e o efeito. Pelo contrário, é porque a lei é estável que ela parece ser determinada. Não é o império da lei que nos dá um sistema legal estável; é a estabilidade dos valores culturalmente partilhados pelo judiciário que dá origem e sustenta o mito do império da lei.

IX

Vale notar que não há nada de novo ou surpreendente no argumento de que a lei é indeterminada. Esse era o ponto principal do movimento dos Estudos Legais Críticos [N.T.: "Critical Legal Studies"] desde a metade dos anos 1970. Os Críticos, no entanto, estavam meramente ressuscitando o argumento dos realistas legais que disseram o mesmo nos anos 1920 e 1930. E os próprios realistas estavam apenas repetindo o argumento de pensadores jurisprudenciais anteriores. Por exemplo, em 1897, Olver Wendell Holmes apontou:
A linguagem da decisão judicial é principalmente a linguagem da lógica. E o método e a forma da lógica são sedutoras ao desejo de certeza e tranqüilidade que toda mente humana possui. Mas a certeza é geralmente uma ilusão, e a tranqüilidade não é o destino do homem. Além da forma lógica está um julgamento quanto ao relativo valor e importância de bases legislativas concorrentes, freqüentemente um julgamento desarticulado e inconsciente, é verdade, que no entanto é a própria raíz e núcleo de todo o procedimento. Você pode dar a qualquer conclusão uma forma lógica.
Isso levanta uma questão interessante. Se foi sabido por 100 anos que a lei não é consistida de um corpo de regras determinadas, por que essa crença é ainda tão disseminada? Se quatro gerações de acadêmicos jurisprudenciais demonstraram que o império da lei é um mito, por que o conceito ainda possui tanto comprometimento? A resposta está implícita na própria questão, pois a questão reconhece que o império da lei é um mito, e como todos os mitos, ele é desenhado para servir a uma função emotiva, não cognitiva. O propósito de um mito não é persuadir a razão, mas incitar as emoções a apoiar uma idéia. E esse é precisamente o caso do mito do império da lei; seu propósito é incitar as emoções do público em suporte da estrutura política de poder da sociedade.

As pessoas desejam mais apoiar o exercício da autoridade sobre si mesmas quando elas acreditam que ela seja uma característica objetiva, neutra, do mundo natural. Essa era a idéia por trás do conceito do direito divino dos reis. Ao fazer o rei parecer uma parte integral do plano de Deus para o mundo, em vez de apenas um ser humano comum que domina seus semelhantes pela força bruta, o público podia ser mais facilmente persuadido a se curvar a sua autoridade. Entretanto, quando a doutrina do direito divino caiu em descrédito, uma substituição era necessária para assegurar que o público não passasse a ver a autoridade política meramente como o exercício puro de poder. Essa substituição foi feita pelo conceito do império da lei.

Aquelas pessoas que acreditam que vivem sob "um governo de leis e não de homens" tendem a ver o sistema legal de seus países como objetivo e imparcial. Elas tendem a ver as regras sob as quais devem viver não como expressões da vontade humana, mas como incorporações de princípios neutros de justiça, i.e., como características naturais do mundo social. Uma vez que elas acreditem que estão sendo comandadas por uma lei impessoal e não por outros seres humanos, elas vêem que a própria obediência à autoridade política é simplesmente uma aceitação de espírito público dos requerimentos da vida social em vez de uma mera aquiescência ao poder superior. Dessa forma, o conceito de império da lei funciona de forma muito semelhante ao uso da voz passiva pelo político que descreve um delito de sua parte com a asserção "Erros foram cometidos". Ele permite que as pessoas escondam o exercício do poder por trás de uma fachada de palavras; permite que elas acreditem que é a lei que as compele a obedecer, não políticos megalomaníacos, ou interesses especiais altamente capitalizados, ou homens brancos anglo-saxões protestantes, ou (preencha com seu culpado preferido).

Mas o mito do império da lei faz mais do que simplesmente tornar as pessoas submissas à autoridade do estado; ele também as torna cúmplices do exercício de poder do estado. Pessoas que normalmente considerariam um grande mal privar os indivíduos de seus direitos ou oprimir minorias sem influência política responderão com grande fervor patriótico quando é dito que essas ações sustentam o império da lei.

Considerem a situação na Índia perto do fim do domínio colonial britânico. Naquele tempo, os seguidores de Mahatma Gandhi se envolveram numa desobediência civil não-violenta manufaturando sal para seus próprios usos em contravenção ao monopólio britânico dessa manufatura. A administração e o exército britânicos responderam com prisões em massa e chocante brutalidade. É difícil entender esse comportamento da parte dos sempre tão moralistas e civilizados britânicos, a não ser que se tenha em mente que eles eram capazes de ver suas atividades não como repressões violentas às populações indígenas, mas como ações que sustentavam o império da lei.

O mesmo é verdade em relação à violência direcionada contra os protestantes pelos direitos civis no sul dos Estados Unidos durante o movimento pelos direitos civis. Embora grande parte da população branca dos estados do sul fosse racista, não se pode explicar o suporte esmagador dado à repressão violenta desses protestos supondo-se que a vasta maioria dos sulistas fossem sádicos racistas desprovidos de sensibilidades morais. A real explicação é a de que a maior parte dessas pessoas viam a si mesmas não como perpetuadoras da opressão e da injustiça racial, mas como sustentadoras do império da lei contra criminosos e agitadores externos. Similarmente, apesar da retórica dos anos 60, os oficiais da polícia são todos "porcos fascistas", alguma outra explicação é necessária para a disposição deles de participar do "motim policial" da convenção de 1968 do Partido Democrata, ou da campanha de prisões ilegais e violações dos direitos civis contra aqueles que protestavam em Washington contra as políticas do Presidente Nixon no Vietnã, ou do esforço para se infiltrar e destruir o movimento santuário que protegeu os refugiados dos esquadrões da morte de El Salvador durante a era Reagan, ou do ataque e da destruição do centro da seita do Ramo Davidiano em Waco. Somente quando esses oficiais aceitam completamente o mito de que "nós somos um governo de leis e não de homens", quando eles verdadeiramente acreditam que suas ações são comandadas por algum corpo impessoal de regras justas, que elas falham em ver que são o instrumento usado por aqueles no poder para oprimir os outros.

A razão por que o mito do império da lei sobreviveu por 100 anos a despeito do conhecimento de sua falsidade é o fato de que ele é muito valioso para ser jogado fora. O mito do governo impessoal é simplesmente o meio mais efetivo de controle social disponível para o estado.

X

Durante as últimas duas décadas, acadêmicos da área do direito associados ao movimento dos Estudos Legais Críticos conseguiram grande notoriedade devido a seus incansáveis ataques à tradicional teoria legal "liberal". O modus operandi desses acadêmicos tem sido o de selecionar uma área específica do direito e mostrar que porque as regras e princípios que a compõem são logicamente incoerentes, os resultados legais podem sempre ser manipulados por aqueles no poder para favorecer seus interesses às expensas das classes politicamente "subordinadas". Os Críticos então dizem que o argumento de que a lei é consistida de regras justas e determinadas que são imparcialmente aplicadas a todos é um engodo usado pelos poderosos para fazer com que as classes subordinadas vejam os processos legais opressivos como resultados necessários de um sistema de justiça objetivo. Isso torna os oprimidos mais inclinados a aceitar suas posições de subordinação. Assim, os Críticos mantêm que o conceito do império da lei é simplesmente uma fachada usada para manter a posição socialmente dominante dos homens brancos num sistema capitalista opressivo e ilegítimo.

Usando essa abordagem, os Críticos reconhecem que a lei é indeterminada e que, assim, ela reflete os valores morais e políticos daqueles que detêm o poder para aplicar decisões legais. A objeção deles é que aqueles que presentemente possuem esse poder subscrevem ao conjunto errado de valores. Eles desejam transformar o sistema legal do que consideram ser os valores hierárquicos e opressivos do capitalismo para um que incorpore valores mais igualitários e "democráticos" que eles normalmente associam ao socialismo. Os Críticos aceitam que a lei deva ser provida exclusivamente pelo estado e, portanto, que ele deva impor um conjunto de valores sobre todos os membros da sociedade. O argumento deles é o de que o conjunto particular de valores que presentemente é imposto é errado.

Embora eles tenham sido sujeitados a muito escárnio pelos teóricos legais do mainstream22, enquanto nós continuarmos a acreditar que a lei deva ser um monopólio estatal, não há nada realmente errado, ou mesmo particularmente único, em relação à linha argumentativa dos Críticos. Sempre houve uma luta política pelo controle da lei, e enquanto todos deverem ser governados pela mesma lei, enquanto um conjunto de valores dever ser imposto sobre todos, sempre haverá. É verdade que os Críticos querem impor valores "democráticos" ou socialistas sobre todos através do mecanismo da lei. Mas isso não os distingue de ninguém. Os fundamentalistas religiosos querem impor valores "cristãos" a todos através da lei. Os democratas liberais querem que a lei assegure que todos ajam de forma a construir uma sociedade mais "compassiva", enquanto que os conservadores republicanos querem que ela assegure a construção de uma sociedade de "valores familiares" ou de "virtude cívica". Mesmo libertários insistem que todos sejam governados por uma lei que assegure o respeito pela liberdade individual como seu valor principal.

Os Críticos podem acreditar que a lei deva incorporar um conjunto de valores diverso dos valores liberais, conservadores ou libertários, mas essa é a única coisa que os diferencia desses outros grupos. Uma vez que os outros aceitaram o mito do império da lei, eles percebem que o que estão fazendo não é uma luta pelo controle político, mas uma tentativa de despolitizar a lei e fazê-la retornar a sua forma apropriada como a incorporação dos princípios objetivos de justiça. Mas o império da lei é um mito, e a percepção não muda a realidade. Embora apenas os Críticos admitam, todos estão envolvidos numa batalha política para impor as próprias versões do bem ao resto da sociedade. E enquanto a lei permanecer área exclusiva do estado, esse vai ser sempre o caso.

XI

Qual é a importância destas observações? Nós estamos condenados a uma luta política contínua pelo controle do sistema legal? Bem, sim; enquanto a lei permanecer como monopólio estatal, nós estamos. Mas eu pediria que você notasse que essa é uma afirmação condicional enquanto considera a seguinte parábola.

Muito tempo atrás, numa galáxia muito distante, existiu uma Terra paralela que continha uma nação chamada Monotamanha. Monotamanha era notavelmente similar aos Estados Unidos de hoje em dia. Ela tinha o mesmo nível de desenvolvimento tecnológico, os mesmos problemas sociais e era governada pelo mesmo tipo de sistema legal de direito comum. Na verdade, Monotamanha tinha uma constituição federal que era idêntica à dos Estados Unidos em todos os aspectos, menos em um. Porém, essa distinção era muito estranha. Por alguma razão perdida na história, os pais fundadores de Monotamanha incluíram uma provisão na constituição que requeria que todos os sapatos manufaturados em Monotamanha ou importados para lá fossem do mesmo tamanho. O tamanho particular poderia ser determinado pelo Congresso, mas qualquer que fosse o tamanho escolhido, ele representava o único tamanho de sapato permitido no país.

Como você pode imaginar, em Monotamanha, o tamanho dos sapatos era uma séria questão política. Embora houvessem alguns pequenos grupos radicais que defendiam tamanhos extremamente pequenos ou extremamente grandes, Monotamanha era essencialmente um sistema de dois partidos, com a maior parte do eleitorado dividido entre o partido Liberal Democrata e o partido Conservador Republicano. A posição Liberal Democrata era a de que a justiça social exigia que o tamanho legal fosse de 9 ou 10. Eles apresentavam o argumento igualitário de que todos deveriam ter igual acesso a sapatos e que isso só poderia ser conseguido legislando-se por um tamanho grande de sapato. Afinal, as pessoas com pés pequenos poderiam ainda assim usar sapatos que fossem muito grandes (mesmo que elas tivessem que colocar algum jornal dentro deles), mas as pessoas com pés grandes ficariam descalças se o tamanho legal fosse pequeno. Interessantemente, o partido Liberal Democrata tinha um número acima do normal de pessoas altas. A posição Republicana Conservadora quanto ao tamanho dos sapatos era o de respeito pelos valores familiares e que o papel tradicional do governo requeria que o tamanho legal fosse 5 ou 4. Eles apresentavam o argumento moralista de que a obrigação da sociedade para com a próxima geração e o dever do governo de proteger os fracos exigia que o tamanho legal fosse estabelecido de forma que as crianças pudessem possuir calçados adequados. Eles argumentavam que as crianças precisavam de sapatos que servissem perfeitamente enquanto estivessem em seus anos de formação e seus pés fossem sensíveis. Mais tarde, quando fossem adultas e seus pés estivessem totalmente desenvolvidos, elas seriam capazes de suportar os rigores da vida descalça. Interessantemente, o partido Conservador Republicano continha um número maior que o normal de pessoas baixas.

A cada dois anos, quando as eleições para o Congresso se aproximavam e especialmente quando isso correspondia com uma eleição presidencial, a discussão quanto ao tamanho dos sapatos esquentava. Os Liberais Democratas acusariam os Conservadores Republicanos de estarem sob o controle de fundamentalistas cristãos e de intolerantemente tentarem impor seus valores religiosos à sociedade. Os Conservadores Republicanos acusariam os Liberais Democratas de serem tolos compassivos fazedores-do-bem comandados pelos socialistas ou socialistas eles mesmos. Contudo, após as eleições, a legislação do tamanho dos sapatos sancionada pelo Presidente e pelo Congresso parecia sempre estabelecer um tamanho próximo a 7, que era o tamanho médio dos pés em Monotamanha. Além disso, essa legislação sempre definia o tamanho em termos vagos de forma que ela pudesse cobrir um tamanho ou dois para qualquer lado, e autorizasse a fabricação de sapatos feitos com materiais extremamente flexíveis que se esticassem ou contraíssem quando necessário. Por essa razão, a maioria dos monotamanhanos de pés médios, que eram predominantemente moderados politicamente, tinham um calçado aceitável.

O estado de coisas parecia muito natural para todos em Monotamanha, exceto para um garoto chamado Sócrates. Sócrates era um jovem pensativo e tímido que, quando não estava lendo um livro, freqüentemente estava perdido em pensamentos. Sua natureza contemplativa fez com que seus pais pensassem que ele fosse um sonhador, que seus colegas de escola pensassem que ele fosse um nerd e que todos os demais pensassem que ele fosse meio estranho. Um dia, após aprender sobre a constituição monotamanhana na escola e ouvir seus pais discutirem a última pesquisa de opinião pública sobre a questão do tamanho dos sapatos, Sócrates se aproximou de seus pais e disse:
Eu tenho uma idéia. Por que não fazemos uma emenda à constituição que permita que os fabricantes de sapatos façam e vendam mais que um tamanho de sapato? Assim todos poderiam ter sapatos que coubessem em seus pés e nós não mais teríamos que discutir sobre qual o tamanho de sapato legal deveria ser.
Os pais de Sócrates acharam seu idealismo inocente engraçado e estavam orgulhosos pelo filho ser tão imaginativo. Por essa razão, eles tentaram mostrar a ele que sua idéia era absurda de forma que não o desencorajasse de futuros pensamentos criativos. Assim, o pai de Sócrates disse:
Essa é uma idéia muito interessante, filho, mas é simplesmente impraticável. Sempre houve apenas um tamanho de sapato em Monotamanha, portanto esse é o jeito que as coisas devem ser. As pessoas estão acostumadas a viver dessa forma e você não pode contrariar a todas. Temo que sua idéia seja muito radical.
Embora Sócrates eventualmente tenha deixado para lá o assunto com seus pais, ele não ficou satisfeito com a resposta deles. Durante sua adolescência, ele se tornou mais interessado em política e decidiu levar sua idéia aos Liberais Democratas. Ele pensou que eles veriam valor em sua proposta, porque acreditavam que todos os cidadãos tinham direito a um calçado adequado. No entanto, apesar de eles terem parecido escutá-lo com interesse e tenham agradecido sua sugestão, eles não estavam impressionados por sua idéia. Como o líder local do partido explicou:
Sua idéia é boa em teoria, mas nunca funcionaria na prática. Se os fabricantes pudessem fazer o tamanho de sapato que quisessem, os consumidores estariam à mercê de inescrupulosos homens de negócio. Cada fabricante estabeleceria sua própria escala de tamanhos e os consumidores não teriam como saber de que tamanho realmente são. Nesse caso, os vendedores de sapatos sedentos por lucros poderiam facilmente enganar os descuidados consumidores a comprar o tamanho errado. Sem que o governo estabelecesse o tamanho, não haveria garantia de que qualquer sapato fosse realmente do tamanho adequado. Nós simplesmente não podemos abandonar o público às vicissitudes de um mercado desregulado em sapatos.
Aos protestos de Sócrates de que as pessoas não parecem ser exploradas no mercado de roupas e de que os sapatos manufaturados sob o presente sistema não encaixam bem de qualquer jeito, o líder do partido respondeu:
O mercado de sapatos é único. Sapatos adequados são absolutamente essenciais ao bem-estar do público. Portanto, não se pode confiar nas leis normais da oferta e da demanda. E mesmo se nós pudéssemos de alguma forma contornar os problemas práticos, sua idéia simplesmente não é politicamente viável. Para fazer qualquer progresso, nós temos que nos focar no que realmente pode ser conseguido no presente clima político. Se nós começarmos a advogar mudanças constitucionais radicais, nós seremos destroçados na próxima eleição.
Desiludido por essa resposta, Sócrates se aproximou dos Conservadores Republicanos com essa idéia, explicando que se os sapatos pudessem ser fabricados de qualquer tamanho, todas as crianças poderiam ter sapatos do tamanho que precisassem. Porém, os Conservadores Republicanos foram ainda menos receptivos que os Liberais Democratas. O líder local do partido respondeu com desprezo dizendo:
Veja, Monotamanha é o maior e mais livre país na face do planeta e foi o respeito por nossos valores tradicionais que a fez assim. Nossa constituição é baseada nesses valores, e ela tem nos servido bem pelos últimos 200 anos. Quem é você para questionar a sabedoria dos Pais Fundadores? Se você não gosta deste país, por que você simplesmente não vai embora?
Na defensiva, Sócrates explicou que respeitava a Constituição Monotamanhana tanto quanto eles, mas que isso não significava que ela não pudesse ser melhorada. Até mesmo os Pais Fundadores haviam incluído um processo pelo qual ela podia ser emendada. Contudo, isso não amenizou o desdém do líder do partido. Ele respondeu:
Uma coisa é propor uma emenda à constituição; outra coisa é enfraquecer inteiramente suas bases. Acabar com a provisão do tamanho dos sapatos destruiria a própria estrutura de nossa sociedade. Se as pessoas pudessem fazer qualquer tamanho de sapato que quisessem quando quisessem, não haveria jeito de manter ordem na indústria. O que você está propondo não é liberdade, são abusos. Se nós adotássemos a sua proposta, nós estaríamos abandonando o próprio império da lei. Você não vê que está defendendo não a liberdade, mas a anarquia?
Após essa experiência, Sócrates veio a perceber que não havia espaço para ele no campo político. Como resultado, ele foi para a faculdade, onde cursaria filosofia. Eventualmente, ele conseguiu um Ph.D., se tornou um professor de filosofia e nunca mais foi visto.

Então, qual é o ponto dessa parábola extraterrestre? Eu afirmei no início desta seção que enquanto a lei permanecer como monopólio estatal, sempre haverá uma luta política pelo controle da lei. Essa parece uma conclusão cínica, porque nós naturalmente assumimos que a lei é necessariamente uma área estatal. Assim como os monotamanhanos não podiam conceber um mundo no qual o tamanho dos sapatos não fosse estabelecido pelo governo, nós não podemos conceber um no qual a lei não seja provida exclusivamente por ele. Mas e se estivermos errados? E se, assim como Monotamanha podia eliminar a política do tamanho dos sapatos permitindo que os indivíduos produzissem e comprassem qualquer tamanho de sapatos que quisessem, nós pudéssemos eliminar a política da lei, permitindo que os indivíduos adotassem as regras de comportamento que se encaixassem melhor a suas necessidades? E se a lei não for um produto único que precisa ser provido numa base um-tamanho-se-encaixa-a-todos pelo estado, mas um produto que pode ser adequadamente provido pelo jogo normal das forças do mercado? E se nós tentássemos a solução de Sócrates e acabássemos com o monopólio estatal da lei?

XII

O problema com essa sugestão é que a maioria das pessoas é incapaz de entender o que ela poderia significar. Isso ocorre principalmente porque a linguagem necessária para expressar a idéia de forma clara não existe realmente. A maior parte das pessoas foi levada a identificar a lei com o estado. Elas não podem nem mesmo conceber a idéia de serviços legais independentes do governo. A própria noção de um livre-mercado de serviços legais nos faz imaginar guerras anárquicas entre gangues ou o domínio do crime organizado. Em nosso sistema, um defensor do livre-mercado em leis é tratado da mesma forma que Sócrates foi tratado em Monotamanha, e é confrontado com os mesmos tipos de argumentos.

A primeira razão disso é que o público é doutrinado politicamente para não reconhecer a distinção entre ordem e lei. Ordem é o que as pessoas precisam se vão viver juntas em paz e segurança. Lei, por outro lado, é um método particular de se produzir ordem. Como ela é presentemente constituída, a lei é a produção de ordem pelo requerimento de que todos os membros da sociedade vivam sob o mesmo conjunto de regras criadas pelo estado; é a ordem produzida pelo planejamento central. Porém, desde a infância os cidadãos são ensinados a invariavelmente ligar as palavras "lei" e "ordem". O discurso político os condiciona a ouvir e usar os termos como se eles fossem sinônimos e a expressar o desejo por uma sociedade mais segura e pacífica como um desejo por "lei e ordem".

O estado nutre essa confusão porque é a incapacidade do público de distinguir a ordem da lei que gera seu fundamental suporte pelo estado. Enquanto o público identificar a ordem com a lei, ele acreditará que uma sociedade ordenada é impossível sem a lei que o estado provê. E enquanto o público acreditar nisso, ele continuará a apoiar o estado quase que sem consideração a quão opressivo ele pode se tornar.

A identificação do público da ordem com a lei torna impossível para o público pedir por um sem pedir pelo outro. Há claramente uma demanda pública por uma sociedade ordenada. Um dos desejos mais fundamentais dos seres humanos é o de uma existência pacífica, longe da violência. Mas uma vez que o público foi condicionado a expressar seu desejo por ordem como um desejo por leis, todos os clamores por uma sociedade mais ordenada são interpretados como pedidos de mais leis. E uma vez que sob nosso presente sistema político toda lei é provida pelo estado, todos esses clamores são interpretados como clamores por um estado mais ativo e poderoso. A identificação da ordem com a lei elimina da consciência do público o próprio conceito de provisão descentralizada de ordem. Com relação a serviços legais, ela torna a idéia liberal clássica de uma ordem espontânea gerada pelo mercado incompreensível.

Eu comecei este artigo com uma referência ao conceito de Orwell do duplipensar. Eu estou agora descrevendo o mais efetivo exemplo contemporâneo que temos de "novilíngua" orwelliana, o processo pelo qual as palavras são redefinidas para tornar certos pensamentos impensáveis.23 Se a distinção entre ordem e lei fosse bem entendida, a questão de se um monopólio estatal sobre a lei é a melhor forma de garantir uma sociedade ordenada poderia ser discutida racionalmente. Mas essa é precisamente a questão que o estado não quer que seja discutida. Ao embutir o conceito de ordem no conceito de lei, o estado pode se certificar de que ela não seja, pois ele terá efetivamente eliminado a idéia de uma ordem não-estatal da mente do público. Sob essas circunstâncias, nós mal podemos ficar surpresos se os defensores de um livre mercado nas leis são tratados como o Sócrates de Monotamanha.

XIII

Estou ciente de que essa explicação provavelmente parece inicialmente pouco convincente, da mesma forma que parecia meu argumento anterior de que a lei é inerentemente política. Mesmo se você tiver achado minha parábola de Monotamanha divertida, provavelmente você a considera irrelevante. Você provavelmente acredita que a analogia não é válida porque sapatos são qualitativamente diferentes de serviços legais. Afinal, a lei é um bem público o qual, ao contrário dos sapatos, é realmente crucial para o bem-estar público. É fácil ver como um livre-mercado pode prover adequadamente sapatos ao público. Mas como possivelmente ele pode prover os processos de geração e manutenção da ordem necessários para a coexistência pacífica dos seres humanos em sociedade? Como seria um mercado livre de serviços legais?

Eu estou sempre tentado a dar a mais honesta e precisa resposta a esse desafio, a de que fazer a pergunta significa que você não entendeu a questão. Se os seres humanos tivessem a sabedoria e a capacidade de geração de conhecimento para serem capazes de descrever como um livre-mercado funcionaria, esse seria o argumento mais forte a favor do planejamento central. Não se advoga o livre-mercado por causa de alguma aprovação moral escrita pelo céu, mas porque é impossível para os seres humanos acumular o conhecimento das condições locais e a capacidade de predição necessária para efetivamente organizar os relacionamentos econômicos de milhões de indivíduos. É possível descrever como seria um mercado livre de sapatos seria porque nós temos um. Só que essa descrição é meramente uma observação do presente estado da operação do mercado, não uma projeção de como seres humanos se organizariam para prover um bem presentemente não suprido pelo mercado. Exigir que um defensor de uma lei de livre-mercado (ou que Sócrates de Monotamanha, por exemplo) descreva antecipadamente como os mercados supririam serviços legais (ou sapatos) é estabelecer um desafio impossível. Além do mais, para um defensor da lei de livre-mercado (ou para Sócrates), até mesmo aceitar esse desafio seria se envolver numa atividade de auto-derrota, uma vez que quanto mais bem sucedido ele fosse ao descrever como o mercado de leis (ou sapatos) funcionaria, mais ele poderia provar que ele poderia ser operado por planejadores estatais. O livre-mercado satisfaz melhor os desejos humanos que os monopólios estatais precisamente porque eles permitem que um número ilimitado de ofertantes tentem fazer isso. Ao patrocinarem aqueles que mais efetivamente atendem a suas necessidades particulares, os consumidores determinam o método ótimo de provisão. Se fosse possível especificar com antecipação qual seria o resultado desse processo de seleção, não haveria necessidade do processo.

Embora eu esteja tentado a dar essa resposta, eu nunca o faço. Porque, embora verdadeira, ela nunca convence. Em vez disso, ela é normalmente interpretada como um pedido de fé cega no mercado livre, e o fracasso em prover uma explicação especifica sobre como tal mercado proveria serviços legais é interpretada como prova de que ele não pode fazer isso. Portanto, apesar da natureza de auto-derrota da tentativa, eu normalmente tento sugerir como um livre-mercado de leis pode funcionar.

Então, como um livre-mercado de serviços legais seria? Como Sherlock Holmes dizia regularmente ao bom doutor: "Você vê, Watson, mas não observa." Exemplos de leis não-estatais estão à nossa volta. Considere os acordos trabalhistas de negociação coletiva. Além de estabelecerem níveis salariais, esses acordos tipicamente determinam tanto as regras de trabalho a que as partes devem se sujeitar e os procedimentos de queixa que elas devem seguir para resolver as disputas. Essencialmente, esses contratos criam substancialmente a lei e o judiciário do ambiente de trabalho. Uma situação similar existe em relação aos acordos que criam tanto regras e acordos de procedimento de estabelecimento dentro de um condomínio ou complexo habitacional, i.e., a lei e o procedimento judicial da comunidade residencial. Talvez um melhor exemplo seja o fornecido pelas universidades. Essas instituições criam seus próprios códigos de conduta tanto para os estudantes quanto para os docentes que cobrem de tudo, desde desonestidade acadêmica até o que constitui um discurso aceitável e regras para namoros. Adicionalmente, elas não apenas criam seus próprios procedimentos judiciais para lidar com as violações desses códigos, mas tipicamente provêem suas próprias forças policiais para o campus também. Um exemplo final pode ser fornecido pelos muitos empreendimentos comerciais que voluntariamente abdicam do sistema judicial estatal escrevendo cláusulas em seus contratos que requerem que as disputas sejam resolvidas através de arbitragem ou mediação, e não por processos judiciais. Dessa forma, os diversos procedimentos "legais" que recentemente receberam a alcunha de Resoluções de Disputa Alternativas (Alternative Dispute Resolutions, ADR) fazem um bom trabalho em sugerir como pode ser um sistema de serviços legais de livre mercado.24

É claro, não é que simplesmente deixemos de observar o que está presentemente à nossa volta. Nós também agimos como se não conhecêssemos nossa história cultural ou legal. Considere, por exemplo, a situação das comunidades afro-americanas no sul segregacionista ou as comunidades imigrantes em Nova York no primeiro quarto do século XX. Por causa do preconceito, da pobreza e da barreira lingüística, esses grupos eram essencialmente cortados do sistema legal do estado. E mesmo assim, em vez de se desintegrarem em desordem caótica, eles foram capazes de prover privadamente as regras de comportamento e resolução de disputas necessárias para manter comunidades pacíficas, estáveis e altamente estruturadas. Além disso, virtualmente nenhuma parte das leis que ordenam nossos relacionamentos interpessoais foram produzidas por ações intencionais de governos centralizados. Nosso direito comercial surgiu quase que inteiramente da Lei Mercante, um sistema não-governamental de regras e procedimentos desenvolvido por mercadores para rápida e pacificamente resolver as disputas e facilitar as relações comerciais. O direitos proprietário, civil e criminal são todos produtos de processos do direito comum dos quais as regras de comportamento evoluem e são informados pelas circunstâncias particulares das reais controvérsias humanas. Na verdade, um estudo cuidadoso da história legal anglo-saxã demonstrará que quase todas as leis que facilitam as interações humanas surgiram dessa forma. Por outro lado, a fonte da lei que produz opressão e divisões sociais é quase sempre o estado. Medidas que impõem intolerância religiosa ou racial, exploração econômica, a idéia de um grupo de "justiça", ou a idéia de outro de "comunidade" ou valores "familiares" virtualmente sempre se originam na legislação, a lei conscientemente feita pelo governo central. Se o propósito da lei realmente é levar a ordem à existência humana, então é justo dizer que a lei produzida pelo estado é precisamente a lei que não funciona.

Infelizmente, não importa quão sugestivos sejam esses exemplos, eles representam apenas o que pode se desenvolver dentro de um sistema dominado pelo estado. Já que, pelas razões indicadas acima, é impossível superar em pensamento um livre-mercado, qualquer tentativa de prever o que ocorreria caso houvesse um mercado realmente livre nas leis é pura especulação. Contudo, se eu devo fazer tal especulação, eu tentarei evitar o que pode ser chamado de "pensamento estático" ao fazer isso. O pensamento estático acontece quando nós imaginamos a mudança de uma característica de um sistema dinâmico sem levar em conta como fazer isso alterará o caráter de todas as outras características do sistema. Por exemplo, eu estaria dando um exemplo de pensamento estático se perguntasse como, se o estado não provesse leis e cortes, o livre-mercado poderia fornecê-las da presente forma. Esse tipo de pensamento é o responsável pela suposição convencional de que os serviços legais de livre-mercado seriam "governos concorrentes" que seriam equivalentes a guerras de gangues. Uma vez que esse pensamento estático seja rejeitado, se torna aparente que se o estado não provesse leis e cortes, elas simplesmente não existiriam do jeito que existem presentemente. Isso, contudo, apenas demonstra a dificuldade de descrever os serviços geradores da ordem do livre-mercado e reforça a natureza especulativa de todas as tentativas de fazê-lo.

Uma coisa que parece segura de se supor é que não haveria nenhum conjunto de regras "legais" universais, válidas para toda a sociedade. Num mercado livre, a lei não existiria na forma de um-tamanho-se-encaixa-a-todos. Embora as regras necessárias à manutenção de um nível mínimo de ordem, tais como proibições ao assassinato, à agressão e ao roubo seriam comuns a maioria dos sistemas, diferentes comunidades de interesse certamente adotariam regras e procedimentos de resolução de disputas que melhor atendessem a suas necessidades. Por exemplo, parece extremamente improvável que fosse haver algo que lembrasse um corpo uniforme de direito contratual. Considere-se, apenas como ilustração, as diferenças entre contratos comerciais e contratos de consumidores. Os contratos comerciais são normalmente entre entidades corporativas com conhecimento especializado em práticas industriais e um interesse financeiro em minimizar a interrupção dos negócios. Por outro lado, os contratos de consumidores são aqueles nos quais uma parte ou ambas não possuem a sofisticação comercial e grandes somas de dinheiro não dependem de uma resolução rápida de qualquer disputa que possa surgir. Num livre-mercado de serviços legais, as regras que governam esses tipos de contratos seriam necessariamente radicalmente diferentes.

Esse exemplo pode também ilustrar os diferentes tipos de procedimentos de resolução de disputas que provavelmente surgiriam. Em disputas de contratos de consumidor, as partes podem ficar satisfeitas com o presente sistema de litígio no qual as partes apresentam seus argumentos a um juiz ou júri imparcial que dá um veredito em favor de um lado ou de outro. Contudo, em disputas comerciais, as partes podem preferir um processo mais ponderado, com uma resolução negociada para preservar um contínuo relacionamento comercial ou uma rápida e informal arbitragem para evitar as perdas associadas com o atraso excessivo. Além disso, é virtualmente certo que elas quereriam mediadores, árbitros ou juízes com grandes conhecimentos da prática comercial em vez do típico juiz generalista ou um júri de pessoas comuns.

O problema com a tentativa de especificar os "sistemas legais" individuais que se desenvolveriam é que não há limite ao número de dimensões pelas quais os indivíduos podem escolher arranjar suas vidas, e assim não há limite ao número de conjuntos de regras e de procedimentos de resolução de disputas sobrepostos aos quais eles podem subscrever. Um indivíduo pode resolver suas disputas com seus vizinhos de acordo com as regras e procedimentos descritos num acordo de negociação coletiva, com membros de sua congregação religiosa de acordo com a lei e o tribunal das escrituras, com outros motoristas de acordo com os processos acordados no contrato de seu seguro do carro, e com totais estranhos selecionar uma companhia de resolução de disputas das páginas amarelas da lista telefônica. Dado o pensamento atual sobre identidade racial e sexual, parece provável que muitas disputas entre membros da mesma minoria ou entre mulheres seriam levados a companhias de resolução de disputas de "nichos", compostas predominantemente de membros do grupo relevante, que usariam seus conhecimentos especializados sobre a "cultura" do grupo para desenhar regras superiores e procedimentos intra-grupo de resolução de disputas.25

Eu suspeito que, em vários sentidos, um livre-mercado em leis lembraria a situação da Europa medieval antes da emergência de fortes governos centrais nos quais os disputantes podiam selecionar entre vários fóruns. Dependendo da natureza da disputa, de sua localização geográfica, do status das partes e do que fosse conveniente, os disputantes podiam levar o caso para as cortes das vilas, dos condados, dos centros urbanos, para cortes mercantes, senhoriais, eclesiásticas ou reais. Mesmo com a mobilidade e a comunicação limitadas daquele tempo, esse restrito mercado de serviços de resolução de disputas foi capaz de gerar a ordem necessária para o avanço comercial e civil da sociedade. Considere quão mais efetivamente esse mercado poderia funcionar dado o presente nível tecnológico das telecomunicações e das viagens. Nas condições atuais, provavelmente haveria uma explosão de organizações geradoras de ordem alternativas. Eu esperaria que, tarde da noite, entre comerciais de processadores de comida e de discos de música country, nós encontraríamos anúncios televisivos com mensagens como: "Irritado com seu vizinho por ele tocar rock a noite inteira? O cachorro dele está fazendo buracos no seu jardim? Então não perca a grande oferta da Companhia de Arbitragem Acme de dois planos pelo preço de um."

Eu deveria dizer que, apesar de meu aviso anterior, mesmo essas sugestões incorporam pensamento estático, uma vez que elas assumem que um livre-mercado produziria uma escolha entre sistemas concorrentes de justiça similar ao que conhecemos. Na verdade, eu acredito fortemente que esse não seria o caso. O presente sistema legal provido pelo estado é confrontativo por natureza, pois coloca o litigante ou o promotor contra o defensor num concurso em que o vencedor leva tudo e o perdedor não leva nada. A motivo desse arranjo não tem nada a ver com a efetividade desse procedimento em resolver as disputas e tudo a ver com os desejos dos reis ingleses medievais de centralizar o poder. Por razões históricas muito além do escopo deste artigo, a Coroa foi capaz de estender seu poder temporal relativo aos senhores feudais e conseguir recursos significativos obrigando ou incitando as partes das disputas locais a levar seus casos para o rei ou para outra corte decidir.26 Nosso presente sistema de apresentação adversarial a uma terceira parte tomadora de decisões é um desenvolvimento dessas antigas considerações de "escolha pública", não de sua habilidade de prover com sucesso resoluções mutuamente satisfatórias a disputas interpessoais.

Na verdade, esse sistema é terrível para resoluções pacíficas e é extremamente improvável que muitos o adotem num livre-mercado. Sua natureza confrontativa faz com que cada parte veja a outra como um inimigo a ser derrotado e seu caráter em que o vencedor leva tudo motiva cada um a lutar o máximo que puder até o amargo final. Uma vez que o perdedor não leva nada, ele tem todas as razões para tentar reabrir a disputa, o que dá origem a freqüentes apelações. Os incentivos do sistema fazem com que seja do interesse de cada parte fazer o que puderem para derrotar o oponente sendo uniformemente opostos à cooperação, ao compromisso e à reconciliação. Esse não é o tipo de procedimento de resolução de disputas que as pessoas provavelmente empregarão se uma dada escolha for evidenciada por uma grande parte dos litigantes que estão se voltando para as ADR para evitá-lo.

Minha crença pessoal é a de que sob condições de livre-mercado, a maior parte das pessoas adotaria procedimentos de resolução de disputas compositivos (em vez de confrontativos), i.e., procedimentos criados para compor as disputas e reconciliar as partes em vez de criar julgamentos por outras partes. Esse era, de fato, o caráter essencial do antigo "sistema legal" que foi substituído pela extensão da jurisdição real. Antes do surgimento dos estados-nação europeus, o que nós podemos anacronísticamente chamar de procedimento judicial era principalmente um conjunto de complexas negociações entre as partes mediadas por membros da comunidade local num esforço de restabelecer um relacionamento harmonioso. Essencialmente, a pressão pública era colocada sobre as partes para que elas resolvessem suas disputas pacificamente através da negociação e do compromisso. Os incentivos desse antigo sistema favoreciam a cooperação e a conciliação, não a derrota do oponente.27

Embora eu não tenha bola de cristal, eu suspeito que um livre-mercado nas leis lembraria muito mais o antigo sistema do que o moderno. Experimentos recentes com resoluções de disputas negociadas demonstraram que a mediação 1) produz um maior nível de satisfação dos participantes com relação tanto ao processo quanto ao resultado, 2) resolve os casos mais rápido e com um custo significativamente mais baixo e 3) resulta num maior nível de aceitação voluntária do decreto final do que é o caso com o litígio tradicional.28 Isso é talvez pouco surpreendente dado que a ausência de um formato no qual o vencedor leva tudo encoraja as partes a alcançar um acordo em vez de tentar acabar com o oponente e que, uma vez que ambas as partes precisam concordar com qualquer solução, há uma reduzida probabilidade de que alguma das duas vá querer reabrir a disputa. Dado o desejo manifesto dos seres humanos de reter o controle sobre suas vidas, eu suspeito que, se tiverem uma escolha, poucos colocarão conscientemente o próprio destino nas mãos de tomadores de decisões independentes. Assim, eu acredito que um livre-mercado na lei produziria um sistema que é essencialmente compositivo por natureza.

XIV

Neste artigo, eu sugeri que em relação à idéia do império da lei, o público americano está num estado de profunda negação. Apesar de estarem rodeados de evidências de que a lei é inerentemente política, a maior parte das pessoas no entanto é capaz de convencer a si mesmas de que ela é uma incorporação de regras objetivas de justiça às quais têm obrigação de obedecer. Como em todos os casos de negação, as pessoas participam dessa ficção por causa do conforto psicológico que pode ser ganho ao se recusar a ver a verdade. Como nós vimos com nossos amigos Arnie e Ann, a crença na existência de uma lei objetiva, não-ideológica, leva os cidadãos comuns a ver aqueles que defendem posições legais inconsistentes com seus valores como manipuladores da lei para propósitos políticos, enquanto vêem as próprias posições como neutras em relação ao puro significado imanente nas leis. A fé dos cidadãos no império da lei permite que eles escondam de si mesmos que suas posições são tão politicamente motivadas quanto a de seus oponentes e que eles estão tentando impor seus valores sobre eles. Mas, de novo como em todos os casos de negação, o conforto ganho tem um preço. Pois com a aceitação do mito do império da lei vem uma cegueira para o fato de que a lei é meramente o comando daqueles com poderes políticos e uma maior disposição a se submeter ao jugo do estado. Uma vez que se esteja convencido verdadeiramente que a lei é um código de justiça impessoal e objetivo em vez de uma expressão da vontade dos poderosos, é provável que as pessoas estejam dispostas não apenas a abrir mão de uma grande parte das próprias liberdades, mas a entusiasticamente apoiar o estado na supressão da liberdade dos outros também.

O fato é que não existe um governo de leis e não pessoas. A lei é uma amálgama de regras contraditórias e contra-regras expressadas numa linguagem inerentemente vaga que pode produzir um argumento legal legítimo para qualquer conclusão desejada. Por essa razão, enquanto a lei permanecer como monopólio estatal, ela sempre refletirá a ideologia política daqueles investidos do poder de tomar decisões. Querendo ou não, nós nos defrontamos com apenas duas escolhas. Nós podemos prosseguir com a luta ideológica pelo controle da lei, na qual o grupo que ganha dominância tem o poder de impor sua vontade sobre o resto da sociedade ou nós podemos acabar com o monopólio.

Nosso longo caso de amor com o mito do império da lei nos tornou cegos para a última possibilidade. Como os monotamanhanos, que depois de séculos de controle estatal não podem imaginar uma sociedade na qual as pessoas podem comprar qualquer tamanho de sapatos que quiserem, nós não podemos conceber uma sociedade na qual os indivíduos podem adquirir os serviços legais que desejarem. A própria idéia de um livre-mercado nas leis nos deixa desconfortáveis. Mas é hora de nós superarmos esse desconforto e considerarmos a adoção da solução de Sócrates. Nós devemos reconhecer que nosso amor pelo império da lei não é correspondido e que, como tão freqüentemente acontece nesses casos, nós nos tornamos escravizados pelo objeto de nosso desejo. Nenhum exemplo mais claro disso existe do que o processo legal pelo qual nossa Constituição foi transformada de um documento criador de um governo de poderes limitados e direitos garantidos num que dá justificação para as atividades do superestado presente em todo lugar de hoje em dia. Embora isso possa cortar nosso coração, nós temos que terminar com essa paixão unilateral. Chegou a hora de aqueles comprometidos com a liberdade individual perceberem que o estabelecimento de uma sociedade verdadeiramente livre requer o abandono do mito do império da lei.



Notas:

1 George Orwell, 1984, 32 (The New American Library 1949).

2 Veja Iain McLean, Public Choice: An Introduction, 71-76 (Basil Blackwell 1987).

3 Veja Herbert Weschler, Toward Neutral Principles of Constitutional Law, 73 Harv. L. Rev. 1 (1959).

4 156 Ind. 416, 59 N.E. 1058 (1901).

5 83 Ark. 601, 104 S.W. 164 (1907).

6 Veja United Steelworkers vs. Weber, 443 U.S. 193, 230 n.9 (1979).

7 Veja United Steelworkers vs. Weber, 443 U.S. 193, 201 (1979).

8 110 Cong. Rec. 6548 (1964).

9 64 Wis. 265, 25 N.W. 42 (1885).

10 64 Wis. 265, 25 N.W. 42 (1885).

11 117 Ga. 504, 43 S.E. 732 (1903).

12 231 N.Y. 196, 131 N.E. 887 (1921).

13 Veja Wickard vs. Filburn, 317 U.S. 111 (1942).

14 O governo federal regula o abuso sexual no ambiente de trabalho com o Título VII da Lei de Direitos Civis de 1964 que foi posta em prática a partir da cláusula de comércio.

15 Neste ponto, pode ser relevante observar que, enquanto eu escrevo estas palavras, o Presidente e o Congresso dos Estados Unidos debatem vigorosamente qual percentagem do público americano deve ter seguros de saúde para que haja cobertura universal.

16 Os fatos do caso a ser descrito foram tirados de Syester vs. Banta, 257 Iowa 613, 133 N.W. 2d 666 (1965).

17 257 Iowa at 615, 133 N.W.2d at 668.

18 257 Iowa at 619-20, 133 N.W.2d at 671.

19 Como a corte interpretou no caso real.

20 Veja Riggs vs. Palmer, 115 N.Y. 506, 22 N.E. 188 (1889).

21 Como fez a corte no caso real.

22 Os Críticos tem sido acusados de serem niilistas intelectuais e atacados por sabotarem o comprometimento ao império da lei que é necessário para que a próxima geração de advogados exerça uma prática ética, de princípios, do direito. Por essa razão, seus críticos do mainstream sugeriram que eles não têm lugar nas escolas de direito do país. Veja, e.g., Paul Carrington, Of Law and the River, 34 J. Legal Educ. 222, 227 (1984).

23 Veja George Orwell, 1984 46 (The New American Library 1949).

24 O National Law Journal notou que "Grande parte da América corporativa está criando suas próprias cortes comerciais que estão muito longe das cortes públicas". William H. Schroder, Jr., Private ADR May Offer Increased Confidentiality, Nat'l L. J. 25 de julho de 1994, em C14.

25 Eu tenho bastante confiança de que as partes nessas disputas não escolherão tê-las resolvidas por um júri composto quase que exclusivamente de protestantes brancos anglo-saxões, como é o caso hoje em dia.

26 A história de como a jurisdição real veio a suplantar todas as outras e por que o sistema confrontativo de litígio substituiu os métodos anteriores de resolução de disputas é fascinante, mas obviamente não pode ser recontada aqui. Aqueles interessados em conhecê-la podem querer consultar Leonard Levy, Origins of the Fifth Amendment, cap. 1 (1986) e Harold Berman, Lei e Revolução (1983).

27 Novamente, qualquer descrição mais extensa das raízes de nosso sistema legal está além do escopo deste artigo. Para uma útil descrição geral, veja Berman, Law and Revolution, pp. 49-84.

28 Veja Joshua D. Rosenberg, Court Studies Confirm that Mandatory Mediation Works, Nat'l L. J., 11 de abril de 1994, em C7.
John Hasnas é professor de direito e ética na McDonough School of Business da Georgetown University, de Washington, D.C.