O pequeno manual do anarquismo individualista - Émile Armand

Este ensaio foi escrito em 1911 e publicado posteriormente na Enciclopédia Anarquista de Sébastien Faure.
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I

O anarquista é aquele que nega a autoridade e rejeita seu corolário econômico: a exploração. E isso em todas as áreas de atividade humana. O anarquista deseja viver sem deuses nem mestres; sem patrões nem diretores; alegais, sem leis e preconceitos; amorais, sem obrigações e moralidades coletivas. Ele deseja viver em liberdade, viver sua concepção pessoal de vida. Em seu interior, ele é sempre um a-social, um refratário, um excluído, alguém que está à margem, à parte, um inadaptado. É por obrigação que vive em companhia daqueles cujos hábitos repugnam seu temperamento, é como um estranho no ninho. Ele só se submete aquelas condições indispensáveis — e sempre com certo pesar — para não arriscar ou sacrificar tola e desnecessariamente sua vida, uma vez que as considera como armas de defesa pessoal na luta pela existência. O anarquista deseja viver sua vida, o tanto quanto possível, moral, intelectual e economicamente independente do resto mundo, sem preocupação com explorados e exploradores; sem a intenção de dominar ou explorar os outros, mas pronto a reagir por quaisquer meios àqueles que venham a intervir em sua vida ou a proibi-lo de expressar sua opinião através da pena ou da fala.

O anarquista é o inimigo do Estado e de todas as instituições que mantêm ou perpetuam a submissão do indivíduo. Não há possibilidade de reconciliação entre o anarquista e qualquer forma de sociedade baseada na autoridade, seja ela aristocrática ou democrática. Não há área de concordância entre o anarquista e um ambiente dirigido pelas decisões de uma maioria ou pela voz de uma elite. O anarquista luta contra aquilo que é ensinado pelo Estado e referendado pela Igreja. Ele é o adversário dos monopólios e privilégios, tendo eles natureza intelectual, moral ou econômica. Em suma, ele é o adversário irreconciliável de todos os regimes, de todos os sistemas sociais, de tudo o que implique a dominação de um homem ou de um grupo sobre o indivíduo, da exploração de um indivíduo por outro ou pelo grupo.

O trabalho do anarquista, acima de tudo, é uma crítica. O anarquista semeia a revolta contra aqueles restringem a livre expressão individual. Ele livra as mentes das idéias preconcebidas, liberta aqueles cujas mentalidades estão aprisionadas pelo medo e auxilia aqueles que já se emanciparam das convenções sociais; o anarquista incentiva aquele que deseja se rebelar junto a ele contra o determinismo do meio social, que deseja afirmar sua individualidade, esculpir sua estátua interior, ser o tanto quanto possível independente do ambiente moral, intelectual e econômico. Ele pressionará o ignorante a se informar, o apático a reagir, o fraco a se fortalecer, o submisso a se levantar. Ele pressiona os mal dotados a tirar de si todos os recursos possíveis e a não depender dos outros.

Um abismo separa o anarquismo do socialismo em todos os seus aspectos, incluindo o sindicalismo.

O anarquista coloca o ato individual em primeiro lugar no seu conceito de vida. Por isso ele é denominado anarquista individualista.

Ele não pensa que os males de que sofre a humanidade advêm exclusivamente do capitalismo ou da propriedade privada. Ele pensa que se devem especialmente à natureza falha da mentalidade humana como um todo. Só existem mestres porque há escravos, só existem deuses porque há fiéis. O anarquista individualista não tem interesse numa revolução violenta que tem como objetivo a transformação do modo de distribuição de bens para um sistema comunista ou coletivista que não leve a uma mudança na mentalidade geral e a uma emancipação do indivíduo. Sob o comunismo, ele será subordinado à boa vontade do Meio: permanecerá tão pobre e miserável quanto agora. Em vez de estar sob o jugo de uma pequena minoria capitalista, ele será dominado pelo coletivo econômico. Nada será exclusivamente seu. Ele será um produtor ou um consumidor, nunca um indivíduo autônomo.

II

O anarquista individualista difere do anarquista comunista no sentido de que considera (além dos objetos de prazer que formam a extensão da personalidade) a propriedade privada dos meios de produção e a livre disposição de seus produtos como uma garantia essencial da autonomia individual. Esta propriedade se deve limitar à terra ou às máquinas indispensáveis ao atendimento das necessidades da unidade social (individual, casais, agrupamentos familiares, etc.); ela existe sob a condição de que o proprietário não a alugue nem recorra a outra pessoa para sua valorização.

O anarquista individualista não quer viver a qualquer preço, como o individualista, que não se importaria em viver sob regulamentação, bastando que se lhe assegurasse uma tigela de sopa, vestes adequadas e uma casa para viver.

O anarquista individualista, além disso, não se vincula a nenhum sistema futuro. Ele afirma estar em estado de autodefesa em relação a qualquer ambiente social (Estado, sociedade, meio, agrupamento, etc.) que admita, aceite, perpetue, aprove ou possibilite:

a) a subordinação ao meio do indivíduo, o que o coloca em estado de patente inferioridade, uma vez que ele não pode tratar o todo de igual para igual, de potência para potência;

b) a obrigatoriedade (em quaisquer áreas) do auxílio aos outros, da solidariedade, da associação;

c) a privação da possessão individual e inalienável dos meios de produção e da disposição total e sem restrições de seus produtos;

d) a exploração do homem por seus semelhantes, que o farão trabalhar para seu próprio benefício e lucros;

e) a concentração, isto é, a possibilidade de que um indivíduo, casal ou agrupamento familiar possua mais do que o necessário para seu sustento;

f) o monopólio do Estado ou de qualquer forma executiva que o substitua, ou seja, sua intervenção centralizadora, administrativa, diretiva e organizacional nas relações individuais, em quaisquer áreas;

g) o empréstimo a juros, a usura, o ágio, a negociação comercial, a herança, etc, etc.

III

O anarquista individualista faz sua "propaganda" para selecionar aqueles temperamentos anarquistas individualistas que se ignoram e determinar um ambiente intelectual favorável a seu desenvolvimento. As relações entre anarquistas individualistas têm por base a "reciprocidade". A "camaradagem" é de ordem essencialmente individual, jamais é imposta. É um "camarada" aquele com quem é agradável estar individualmente, que faz um apreciável esforço para se sentir vivo, que toma parte da propaganda crítica educativa e da seleção das pessoas; que respeita o modo de viver de cada um, que não interfere no desenvolvimento de seus companheiros e no daqueles que o conhecem mais de parto.

O anarquista individualista não é jamais um escravo de uma fórmula ou receita. Ele não aceita opiniões. Propõe apenas teses. Se adotar em algum momento certo estilo de vida, é para que se lhe assegure maior liberdade, maior felicidade, maior bem-estar, não tendo em vista seu próprio sacrifício. Ele altera e transforma seu modo de vida quando percebe que, se continuasse a adotar aquele curso de ações, perderia parte de sua autonomia. Ele não quer se deixar dominar por princípios estabelecidos a priori; é nas experiências, no a posteriori, que se baseia sua conduta, que nunca é definitiva, mas está sempre sujeita a mudanças e transformações, de acordo com as novas experiências e com a necessidade de novas armas para combater o seu meio. Sem que nada seja um a priori absoluto.

O anarquista individualista responde apenas por seus atos.

O anarquista individualista considera associações somente como uma conveniência, uma necessidade temporária. Ele só deseja se associar no caso de uma urgência, mas sempre de forma voluntaria. Seus contratos duram pouco tempo, e são sempre assinados sob a condição de que estarão terminados imediatamente caso uma das partes se sinta lesada.

O anarquista individualista não determina qualquer moral sexual. A vida sexual, afetiva ou sentimental de cada pessoa só diz respeito a ela mesma, para ambos os sexos. O que importa é que as relações sexuais entre anarquistas de sexos diferentes não haja força nem violência. O anarquista individualista pensa que a independência econômica e a possibilidade de ser mãe de acordo com a própria vontade são as condições iniciais da emancipação da mulher.

O anarquista individualista quer viver, quer poder apreciar a vida individualmente, encarar a vida em todas as suas manifestações. Ele quer, porém, permanecer sendo o mestre de suas vontades, considerando como servos à disposição de seu "eu" seus conhecimentos, suas faculdades, seus sentidos, os vários órgãos perceptivos de seu corpo. Ele não é temeroso, mas não quer ser diminuído. Ele sabe muito em que aquele que se deixa levar pelas paixões ou dominar pelos impulsos é um escravo. Ele quer conservar o "controle de si" para se lançar às aventuras das pesquisas independentes e do livre exame. Ele recomenda uma vida simples, a renúncia aos luxos, das inutilidades; uma fuga das aglomerações humanas; uma alimentação racional e a prática da higiene corporal.

O anarquista individualista se interessará em associações formadas por certos camaradas para fugir à obsessão de um Meio que lhes repugna. Ele é simpático à recusa ao serviço militar e a pagar impostos; às uniões livres surgidas como protesto contra a moralidade vigente; ao ilegalismo, como ruptura violenta (com algumas reservas) com contratos econômicos impostos pela força; à abstenção de quaisquer ações, do trabalho ou de quaisquer funções que impliquem a manutenção ou a consolidação de um regime intelectual, ético ou econômico imposto; à troca de produtos entre anarquistas individualistas proprietários dos meios de produção, sem intermédio de nenhum capitalista; etc. Estes são atos de revolta próprios ao caráter do anarquismo individualista.
Émile Armand (1872-1962) foi um anarquista individualista francês. Fundou, junto com outros individualistas, a Ligue Antimilitariste e editou o jornal L'En-Dehors por 17 anos.