A inflação é mundial - Henry Hazlitt

Esta é a tradução do capítulo 19 do livro Man vs. the Welfare State, publicado em 1969.

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A epidemia de inflação não é somente americana, mas mundial. E na maioria dos países ela está ficando mais violenta.

O First National City Bank de Nova York mantém dados anuais. Sua tabela publicada em agosto de 1968 mostra a depreciação de moeda em 45 países em 1967 e nos 10 anos anteriores, medida pelos índices de custo de vida.

A tabela mostra que em cada um dos 45 países, o poder de compra da unidade monetária declinou no período de 1957-67 e que a taxa de declínio do valor da moeda em 1967 excedeu a média de 10 anos em 27 daqueles países. A taxa média de depreciação nos 45 países em 1967 foi de 3,8 por cento, comparada com uma taxa média de inflação de 3,3 por cento por ano em toda a década.

O poder de compra do dólar americano sofreu uma queda de 2,7 por cento em 1967, comparada com uma média de 1,7 por ano durante a década passada. (O poder de compra do dólar encolheu 4 por cento durante 1968.)

No fim de 1967, o dólar americano comprava apenas 84 por cento do que comprava 10 anos antes. Na mesma base de comparação de 10 anos, a moeda canadense comprava apenas 82 por cento do que comprava, a da Bélgica 80, a da Alemanha Ocidental 79, a da Suíça 78, a do Reino Unido 75, a da Holanda 73, a da Itália 71, a da Suécia 69, a do Japão 66, a da França 62, a da Índia 54, a da Espanha 50, a do Vietnã 31, a do Chile 11, a da Argentina 6 e a do Brasil apenas 2 por cento do que comprava antes.

Os três países com piores resultados são latino-americanos; mas os três países com melhores resultados, notavaelmente, também são. Esses foram a Guatemala, cuja moeda em 1967 ainda comprava 99 por cento do que comprava 10 anos antes; El Salvador, cuja moeda comprava 94 por cento; e Venezuela, cuja moeda comprava 88 do que comprava.

Esse contraste mostra que o alcance da inflação não tem nada a ver com a riqueza ou com os recursos de um país. Certamente não é resultado de uma "escassez de bens". É verdade que a Argentina e o Brasil não são países incrivelmente ricos, mas as nações que sofreram menos com a inflação, Guatemala e El Salvador, estão entre as mais pobres do mundo.

A verdade é que a inflação é sempre resultado da política governamental. É conseqüência da impressão de dinheiro demais.

Se a tabela do Citibank comparasse não apenas o alcance da queda do poder de compra de cada um dos 45 países, mas também os aumentos respectivos da quantidade de dinheiro sendo emitida por cada país, esse fato ficaria claro. Procurando essas comparações por mim mesmo na publicação mensal do Fundo Monetário Internacional, a International Monetary Statistics, eu vejo que na Guatemala, por exemplo, a oferta de moeda cresceu de 120 milhões de quetzales em 1957 para 157 milhões em 1967, um aumento de apenas 31 por cento. No Brasil, em contraste, a oferta de moeda cresceu de 291 milhões de cruzeiros novos em 1957 para 19.593 milhões em 1967, um aumento de 6.633 por cento. Essa é uma explicação suficiente do fato de que a moeda guatemalteca perdeu apenas 1 por cento de seu poder de compra no período de 10 anos, ao passo que a moeda brasileira perdeu 98 por cento de seu poder de compra anterior. Comparações similares podem ser feitas para os outros países.

Os governos que mais fizeram para expandir a emissão de moeda fizeram isso, ou "tiveram" que fazer isso, porque eles mergulharam em programas de bem-estar e socialistas que ocasionaram enormes déficits crônicos no orçamento.

No ímpeto para trazer a prosperidade perpétua e para "acabar com a pobreza" em seus países, os governos erodiram o valor das poupanças de seus próprios povos e fizeram com que milhões de cidadãos trabalhadores e frugais enfrentassem o espectro da pobreza.
Henry Hazlitt (1894-1993) foi um economista e jornalista liberal. Foi o vice-presidente fundador da Foundation for Economic Education e editou a revista The Freeman, além de ter escrito mais de 25 livros.

Nós realmente podemos sair da anarquia? - Alfred G. Cuzán

Um grande ponto de disputa entre teóricos e pensadores libertários, hoje em dia como sempre, trata da antiga questão de se o homem pode viver em total anarquia ou se um estado mínimo é absolutamente necessário para a maximização da liberdade. Perdida nessa disputa é a questão de se o homem é capaz de sair da anarquia. Nós podemos realmente abolir a anarquia e estabelecer um Governo em seu lugar? A maioria das pessoas, a despeito de suas preferências ideológicas, simplesmente assume que a abolição da anarquia é possível, que elas vivem sob um Governo e que a anarquia não seria nada além de caos e violência.1

O propósito deste paper é questionar essa venerada suposição e argumentar que a fuga da anarquia é impossível, que nós sempre vivemos em anarquia e que a real questão é em que tipo de anarquia vivemos, anarquia de mercado ou anarquia de não-mercado (política). Além disso, será argumentado que as anarquias políticas têm dois tipos — hierárquicas ou plurais. Quanto mais pluralista a anarquia política é, mais ela lembra a anarquia de mercado. A performance das anarquias hierárquicas e plurais é valorada em termos de suas habilidades de minimizar o nível de força na sociedade. Será mostrado que as anarquias plurais são muito menos violentas que as anarquias hierárquicas. Nós concluímos que a real questão que os libertários têm que resolver não é se preferem um estado mínimo ou uma anarquia, mas que tipo de anarquia, de mercado ou política, hierárquica ou plural, melhor leva à maximização da liberdade.

I

Anarquia é uma ordem social sem Governo, sujeita apenas às leis econômicas do mercado. Governo é um agente externo à sociedade, uma "terceira parte" com o poder de coagir todas as outras partes de relações na sociedade a aceitar suas concepções dessas relações. A idéia do Governo como um agente externo à sociedade é análoga à idéia de Deus como um interventor nas questões humanas. Para um ateu, uma boa analogia seria assumir que marcianos onipotentes têm o papel que nós usualmente atribuímos ao Governo, i.e., um planejador externo e executor de regras de comportamento às quais todos que estejam sujeitos a elas devem obedecer.

Contudo, a idéia de que o Governo existe não é prova de sua existência empírica.2 Poucos de nós seriam convencidos por um argumento tal como: "Eu acredito que a idéia de Deus é possível, portanto Deus existe." Contudo essa é a estrutura do argumento que subjaz à todas as suposições sobre a existência do Governo. O fato de as sociedades terem alguma forma de organização que chamam de "governo" não é razão para concluir que esses "governos" sejam manifestações empíricas da idéia de Governo.

Uma verificação mais atenta desses "governos" terrenos revela que eles não de fato nos tiram da anarquia. Eles simplesmente substituem uma forma de anarquia por outra e portanto não nos dão um Governo real. Vejamos o motivo disso.

Onde quer que esses "governos" terrenos sejam estabelecidos ou existam, a anarquia é oficialmente proibida para todos os membros da sociedade, a quem normalmente são referidos como súditos ou cidadãos. Eles não mais podem se relacionar uns com os outros por seus próprios termos — como mercantes num porto ou como uma gangue e sua vítima no deserto ou nas ruas de Newark, N.J. Em vez disso, todos os membros da sociedade precisam aceitar uma "terceira parte" externa — um governo — em seus relacionamentos, uma terceira parte com poderes coercitivos para executar seus julgamentos e punir detratores.

Por exemplo, quando um ladrão rouba minha carteira num show, eu legalmente devo depender dos serviços dos membros de uma terceira parte para capturá-lo (policiais), aprisioná-lo (carcereiros), processá-lo (promotores, juízes e mesmo defensores "públicos"), julgá-lo (julgá-lo por um grupo de indivíduos coagidos a fazerem parte do júri pelas cortes) e absolvê-lo ou puni-lo (prisões, carrascos). No máximo, eu tenho a autorização legal de capturá-lo, mas eu sou proibido de estabelecer a punição eu mesmo. Essas proibições chegaram a proporções tragicômicas, como quando um governo pune as vítimas de um crime por terem se defendido além dos limites autorizados pela "lei". Em suma, eu, e qualquer outro cidadão ou súdito, preciso aceitar os decretos do governo nas minhas relações com os outros. Nós devemos obedecer as leis dessa "terceira parte".

No entanto, esse arranjo de "terceira parte" para a sociedade não é existente entre aqueles que exercem o poder. Em outras palavras, não há "terceira parte" para elaborar e executar julgamentos entre os membros individuais que fazem parte da própria terceira parte. Os indivíduos ainda permanecem num estado de anarquia vis-à-vis os outros. Eles resolvem as disputas entre si mesmos, sem consideração por um Governo (uma entidade fora deles mesmos). A anarquia ainda existe. Mas, ao passo que sem um governo ela era uma anarquia de mercado ou natural, agora é uma anarquia política, uma anarquia dentro do poder.3

Tome-se, por exemplo, os componentes de nosso próprio governo federal. É um grupo composto de congressistas, juízes, um presidente e um vice presidente, burocratas de alto-escalão de agências civis e militares, e seus exércitos de assistentes que juntos supervisionam o trabalho de milhões de funcionários públicos que compõem as várias burocracias federais. Esses indivíduos juntos elaboram e executam as leis, éditos, regulações e grandes conjuntos de ordens de todos os tipos às quais todos os membros da sociedade têm que obedecer.

Contudo, nas relações uns com os outros, eles permanecem "sem leis". Ninguém externo ao grupo escreve e executa as leis que governam as relações entre eles. No máximo, os componentes do governo têm que obedecer a limitações flexíveis impostas por uma "constituição" a qual eles, de qualquer forma, interpretam e executam entre e sobre si mesmos. A Suprema Corte, afinal, é apenas um braço do governo, composta de pessoas apontadas por outros membros do governo e sujeitas às pressões deles. Além disso, suas decisões são executadas por algum outro braço do governo, o executivo, sobre os quais os juízes não tem nenhum poder, apenas autoridade. Além disso, o Congresso, através de pressões vocais e da manipulação das alocações do orçamento para o judiciário, também exerce pressões com as quais os juízes têm que lidar. Similarmente, os congressitas não têm nenhuma "terceira parte" entre si mesmos ou em suas relações com o executivo. Além disso, mesmo as várias burocracias federais e todas as suas partes componentes não têm uma "terceira parte" para governar suas relações, interna ou externamente. Em suma, olhar para dentro do governo revela que seus componentes permanecem num estado de anarquia entre si mesmos. Eles vivem numa anarquia política.

As relações anárquicas dos oficiais do governo podem ser ilustradas com o seguinte exemplo: suponha que um congressista consiga desviar fluxos de dinheiro dos cofres do governo para si mesmo. Isso é um crime, roubo de dinheiro. Mas de quem? De você ou de mim? Somente no sentido de que somos coagidos a contribuir para o tesouro público que o congressista pode ser visto como um saqueador. Ele não era mais nosso, ele pertencia a outrem. Mas a quem? Ora, aos membros do governo que têm o poder de alocar esses fluxos de recursos.

Em resumo, o congressista roubou de outros oficiais do governo — congressistas, burocratas, presidente, etc. Mas o que é feito quanto ao crime? O congressista é acusado, indiciado e processado publicamente por seu crime como um cidadão comum que rouba de outro cidadão? Algumas vezes; mas o que normalmente ocorre é uma sucessão de manobras políticas nos altos escalões; ameaças mútuas são feitas à portas fechadas e forças são colocadas umas contra as outras; batalhas ocasionais acontecem nas quais reputações são destruídas, onde o dinheiro muda de mãos ou em que os fluxos de recursos ou acesso a eles são alterados.

A indignação geral é rapidamente esquecida, a ficha do congressita é limpa, as acusações são descartadas ou não pressionadas e o congressista é reeleito nas urnas. Ocasionalmente, se o infrator era uma figura pública fraca ou decadente ou que fosse muito odiada por seus colegas, ele é levado à corte, processado e recebe uma sentença mínima ou é até mesmo absolvido. Na maioria dos casos, peixes pequenos da parte de baixo da burocracia são sacrificados pelos crimes dos que os indivíduos dos altos escalões dirigiram, de que lucraram ou que sancionaram. Mas não se engane: nenhuma "terceira parte", nenhum governo, jamais elaborou ou executou um julgamento. Os componentes do governo literalmente tomaram a lei em suas próprias mãos e produziram o que fora do governo seria chamado de "justiça de gangues".

Ou seja, a sociedade está sempre em anarquia. Um governo apenas abole a anarquia entre os que são chamados de "súditos" ou "cidadãos", mas entre aqueles que governam, a anarquia prevalece.

A figura I ilustra essa situação. O círculo da esquerda mostra um estado de anarquia verdadeira, de mercado ou natural, na qual todos os membros da sociedade se relacionam uns com os outros em transações estritamente bilaterais sem a intervenção de uma terceira parte. O círculo da direita mostra a situação prevalente sob o governo. Na parte de cima nós vemos os indivíduos cujas relações uns com os outros não são mais bilaterais. Todas as relações são legalmente "triangulares", no sentido de que todos os membros da sociedade são forçados a aceitar o domínio governamental em suas transações. No entanto, na parte de baixo, dentro do próprio "governo", as relações entre os governantes continuam em anarquia.


II

Tendo demonstrado que a anarquia não é completamente abolida pelo governo, mas reservada, por assim dizer, apenas para os governantes, entre os quais ela é a condição prevalente, é apropriado questionar se isso é benéfico para a sociedade. Seus proponentes e defensores argumentam que sem um governo a sociedade estaria num estado de intolerável violência. Então, é lógico questionar se o efeito do governo é o de aumentar, reduzir ou não afetar de forma alguma o nível de violência na sociedade.

É a anarquia política menos violenta que a anarquia natural ou de mercado? Minimalistas argumentam que sim, posto que o governo seja estritamente confinado ao papel de agir como uma terceira parte em disputas de propriedade. Embora o governo necessariamente implique o uso de uma violência limitada, dizem os minimalistas, o nível de violência num estado mínimo seria menor do que numa anarquia natural.


A figura 2 ilustra a idéia minimalista. Ao prover a quantidade de governo do estado mínimo, o nível de violência na sociedade cai abaixo do nível da anarquia natural. Presumivelmente, julgando pela posição altamente anti-invervencionista dos minimalistas, se o governo crescer além do tamanho de um estado limitado, ou não haverão mais ganhos na redução da violência — e assim mais governo é desnecessário e custoso de outras formas — e/ou além de um certo tamanho o nível de violência da sociedade aumenta até igualar ou talvez ultrapassar o nível de violência natural. (Veja a figura 3.)


Que a violência sob a anarquia política possa exceder a violência da anarquia de mercado não é inconcebível. Os campos de concentração de Hitler e os gulags de Stálin são evidência da violência em tais proporções que dificilmente se poderia dizer que a anarquia natural poderia ser pior que aquilo. Similarmente, a anarquia política dos estados-nação produziu violência interestados em tal escala que ela deve fazer pensar até mesmo o mais devotado discípulo de Hobbes.4

Uma terceira visão é possível e teoricamente mais interessante. Essa visão sustenta que a relação entre governo (a substituição da anarquia de mercado pela política) e violência é qualificada por um terceiro elemento, a estrutura do governo, medida de acordo com uma dimensão de centralização. Quanto mais poderes autoritativos estejam dispersados entre numerosas unidades políticas, mais pluralista o governo. Quanto mais centralizada a estrutura, i.e., quanto mais poderes autoritativos estejam concentrados, mais hierárquico o governo. Note que quanto mais hierárquico o governo, mais o governo é administrado na suposição de um árbitro final. Em outras palavras, quanto mais centralizada a estrutura, maior o esforço para criar uma única "terceira parte" dentro do próprio governo na forma de uma figura deificada como Hitler, Stálin, Mao ou Castro. Essa "terceira parte", contudo, permanece em completa anarquia junto com seus compatriotas em relação ao resto do mundo.

Quanto mais plural a política de um país, mais os governantes se comportam sem referência a uma "terceira parte" e assim mais a sociedade lembra uma anarquia natural. Quanto menos plural ou mais hierárquica a política de um país, mais a sociedade parece ser governada por um elemento verdadeiramente "externo", uma figura endeusada enviada do paraíso da história, religião ou ideologia.

Uma observação rápida das sociedades contemporâneas e da história recente mostra que, empiricamente, são precisamente aquelas sociedades dominadas por personificações do Governo onde o nível de violência na forma de repressão política, coerção e intimidação é maior. Em contraste, a violência é menor em sociedades com uma política altamente pluralista, como a Suíça. Isso é verdadeiro mesmo no mundo "comunista": as políticas comunistas mais pluralistas da Polônia ou Iugoslávia são menos violentas do que a política mais hierárquica da União Soviética. Similarmente, no mundo ocidental, a política mais pluralista dos Estados Unidos é menos violenta que a da Itália, onde ela é muito mais hierárquica.

Mas por que o grau de centralização determinaria se uma anarquia política é violenta em estados hierárquicos como a China ou Cuba e relativamente pacífica em estados pluralistas como a Índia e a Costa Rica? A resposta pode estar simplesmente no fato de que estados centralizados cometem muito mais erros que estados descentralizados.5 Erros políticos têm a forma de concepções erradas ou falsas sobre a natureza das relações bilaterais da sociedade e da política, tais como as concepções sustentadas sobre a relação entre trabalhador e capitalista nos estados comunistas. Se os julgamentos são errados, eles não são voluntariamente aceitos por uma ou ambas as partes das transações. Sob essas condições, a única forma de os governantes executarem suas concepções de "terceira parte" é com o uso da força, a qual, sob diferentes condições, será ou não resistida pela oposição.

Num governo pluralista, concepções erradas sobre relações bilaterais na sociedade são menos prováveis de acontecer. Isso ocorre porque há numerosas unidades independentemente interagindo umas com as outras e com os cidadãos e súditos, de forma que mais e melhor informação sobre o efeito desses julgamentos nas relações bilaterais existe. Além disso, concepções erradas são mais facilmente limitadas em várias unidades políticas autônomas, cada uma capaz de administrar os recursos políticos próprios e confrontar uns os outros em séries sucessivas de transações políticas.

Num governo hierárquico, contudo, nem mesmo os membros do governo podem resolver as disputas entre si mesmos. Todas as relações são sujeitas ao julgamento de algum líder supremo. Tal líder precisa manter uma vasta rede de espiões e executores para realizar tal feito sobrehumano. É clao, a habilidade de um homem de controlar o comportamento dos outros é bastante limitada, e assim mesmo na Alemanha de Hitler, verdadeiramente maquiavélica, acordos feudais eram feitos embaixo do nariz do Führer. Naturalmente, tais arranjos eram proibidos, de forma que todos viviam num estado de temerosa insegurança, sem saber quando seus inimigos conseguiriam virar Hitler contra eles.6

Se essa explicação é boa ou não, nós ainda temos conosco o explanandum, i.e., o fato de que a política hierárquica é mais violenta que a política pluralista. Mas se a sociedade com uma anarquia política pluralista experimenta menos violência que as sociedades com um governo hierárquico ou "governado", não é lógico questionar se a anarquia natural é menos violenta que a anarquia política? Por que deveria a relação entre governo e violência ser curvilínea? Não é possível que ela seja uma reta ascendente completa, de forma que o governo produza sempre mais violência que o mercado?

Sumário e Conclusão

Nós demonstramos que a anarquia, como a matéria, nunca desaparece — ela apenas muda de forma. A anarquia ou é de mercado ou é política. A anarquia política pluralista é menos violenta que a anarquia política hierárquica. Portanto, nós temos motivos para hipotetizar que a anarquia de mercado poderia ser menos violenta que a anarquia política. Uma vez que se pode demonstrar que a anarquia de mercado pode se sair melhor que a anarquia política em eficiência e equidade em todos os outros aspectos7, por que deveríamos esperar algo diferente agora? Nós não teríamos justificação em esperar que a anarquia de mercado produza menos violência na proteção de direitos de propriedade que a anarquia política? Afinal, o mercado é o melhor economizador de todos — ele não economizaria na violência melhor que o governo também?



Notas:
* Agradeço muito a Murray Rothbard e a Walter Block pelo incentivo e pelos comentários a um rascunho deste paper. Meus colegas Cal Clark, Steve Ropp e Paul Sagal da New Mexico State University também forneceram críticas valiosas. Janet Garcia gentilmente datilografou o manuscrito.

1 Até mesmo Gordon Tullock escreve: "Se, como eu acredito que seja correto, as pessoas sob a anaquia são tão egoístas quanto são agora, nós teríamos a selva hobbesiana." Do ponto de vista deste paper, é interessante que na próxima frase ele adicione: "(...) nós seriamos incapazes de distinguir um governo totalmente corrupto de nenhum governo." Gordon Tullock, "Corruption and Anarchy", in: Gordon Tullock (ed.), Further Explorations in the Theory of Anarchy (Blacksburg, Virginia: University Publications, 1974).

2 Paul Craig Roberts, em Alienation and the Soviet Economy (Albuquerque: University of New Mexico Press, 1971), argumenta similarmente que ser capaz de conceber o planejamento central não é prova de sua possibilidade empírica. Roberts demonstra que economias formalmente planejadas como a da União Soviética não são realmente centralmente planejadas, mas são economias plurais guiadas por sinais que não do mercado. A conclusão de Roberts que o planejamento central não existe é análoga à minha própria conclusão de que o governo também não existe. Sou grato a Murray Rothbard por ele me ter apontado os paralelos nos dois argumentos.

Enquanto o corpo deste paper estava sendo escrito, eu li Mikhail Bakunin, Deus e o Estado, e fiquei impressionado pelas similaridades do argumento de Bakunin contra Deus e meu argumento contra o Governo. Isso não é surpreendente, uma vez que muitas suposições usadas para justificar o governo se referem à natureza má do homem. É como se o governo tomasse o papel de Deus na terra para manter os perversos humanos na linha. Que os governos sejam eles próprios constituídos de seres humanos comuns que permanecem em estado de anarquia entre si mesmos parece ter escapado à percepção daqueles que defendem essa visão.

3 É claro, aqueles que constituem qualquer governo têm como base de poder os grupos de interesse dentro e fora do governo. Os líderes de grupos de interesse não-governamentais freqüentemente têm a chave da sobrevivência política mesmo dos mais poderosos políticos. Portanto, a estrita dicotomia entre membros do governo e de fora do governo da sociedade é quebrada. Em volta dos cantos do governo, muitos indivíduos privados vivem em estado de anarquia vis-à-vis os oficiais do governo. George Meany é provavelmente o melhor exemplo. Sou grato ao meu colega Cal Clark por me ter apontado isso.

Também vivem em anarquia vis-à-vis os oficiais do governo aqueles membros de organizações criminosas que fornecem aos consumidores uma vasta gama de bens e serviços ilegais. Que a CIA fez negócios com importantes gângsteres para realizar alguma de suas missões não deve ser surpresa. A maioria dos departamentos de polícia tem relações similares com chefes do crime locais.

4 Esse é um argumento empregado por Murray Rothbard que implica que verdadeiros arquistas deveriam logicamente defender um governo global para abolir a anarquia entre estados-nação. Porém, poucos defendem. (Murray Rothbard, em carta ao autor, 21 de setembro, 1978; e Walter Block, em carta ao autor, 26 de outubro, 1978.)

5 Veja Gordon Tullock, The Politics of Bureaucracy (Washington, D.C.: The Public Affairs Press, 1965), para um desenvolvimento teórico completo dessa idéia.

6 Veja Albert Speer, Inside the Third Reich (New York: Avon Books, 1970). Parte II.

7 Murray Rothbard, Power and Market (Kansas City: Sheed Andrews and Mcmeel, Inc., 1970).
Alfred G. Cuzán é professor de ciência política da University of West Florida.

Serviços de defesa no livre-mercado - Murray N. Rothbard

Este é o capítulo 1 do livro Power and Market (1970).

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Economistas têm se referido inúmeras vezes ao "livre-mercado", o arranjo social de trocas voluntárias de bens e serviços. Mas apesar dessa abundância de tratamento, suas análises têm desconsiderado as implicações mais profundas do livre comércio. Assim, tem havido uma negligência geral do fato de que o livre comércio significa a troca de títulos de posse de propriedade e que, portanto, o economista é obrigado a investigar as condições e a natureza da posse das propriedades numa sociedade livre. Se uma sociedade livre significa um mundo no qual ninguém agride a pessoa ou a propriedade dos outros, isso implica uma sociedade em que todo homem tem o direito absoluto de propriedade sobre si mesmo e sobre os recursos naturais previamente sem dono que ele encontra, transforma através de seu próprio trabalho e então dá para outras pessoas ou troca com elas.1 Um firme direito de propriedade sobre si mesmo e sobre os recursos que se encontra, se transforma e se dá ou se troca leva a uma estrutura de propriedade que é encontrada no capitalismo de livre-mercado. Assim, um economista não pode analizar totalmente a estrutura de trocas do livre-mercado sem estabelecer uma teoria de direitos de propriedade, de justiça em propriedade, que se estabeleceria numa sociedade de livre-mercado.

Em nossa análise do livre-mercado em Man, Economy, and State, nós assumimos que nenhuma invasão de propriedade ocorre, ou porque todos voluntariamente abstêm dessa agressão ou porque os métodos de defesa que existem no livre-mercado são suficientes para evitar qualquer agressão. Mas os economistas têm quase que invariavelmente e paradoxalmente assumido que o mercado precisa ser mantido livre pelo uso de ações invasivas e não-livres — em suma, por instituições governamentais de fora do mercado.

Uma oferta de serviços de defesa no livre-mercado significaria manter o axioma da sociedade livre, a saber, o de que não há uso de força física exceto em defesa contra aqueles usando a força para agredir as pessoas ou propriedades. Isso implicaria a completa ausência de um aparato estatal ou governamental; pois o Estado, ao contrário de todas as outras pessoas e instituições na sociedade, adquire seus recursos não através de trocas livremente acordadas, mas por um sistema de coerção unilateral chamado de "taxação". A defesa numa sociedade livre (inclusive os serviços de defesa à pessoa e à propriedade como a proteção policial e cortes judiciais) teriam, portanto, que ser fornecida por pessoas ou firmas que (a) conseguissem seus recursos voluntariamente e não via coerção e (b) que não — como o Estado — se arrogassem de um monopólio compulsório de polícia e compulsão judicial. Somente essa provisão libertária de serviços de defesa seria consonante com um livre-mercado e com uma sociedade livre. Assim, as firmas de defesa teriam que ser tão livremente competitivas e não-coercitivas em relação a não-invasores como são todos os outros ofertantes de bens e serviços no livre-mercado. Serviços de defesa, como todos os outros serviços, estariam disponíveis no mercado e somente no mercado.

Aqueles economistas e outros que defendem a filosofia do laissez faire acreditam que a liberdade do mercado deveria ser mantida e que os direitos de propriedade não devem ser invadidos. Contudo, eles acreditam fortemente que o serviço de defesa não pode ser suprido pelo mercado e que a defesa contra a invasão da propriedade deve portanto ser suprida fora do livre-mercado, pela força coercitiva do governo. Ao argumentar dessa forma, eles são capturados numa insolúvel contradição, pois eles sancionam e advogam uma massiva invasão de propriedade pela própria agência (governo) que deveria defender as pessoas contra invasão! Pois um governo laissez-faire necessariamente teria que conseguir seus recursos pela invasão de propriedade chamada de taxação e arrogaria para si um monopólio compulsório dos serviços de defesa sobre alguma área territorial arbitrariamente designada. Os teóricos dos laissez-faire (que aqui se juntam a quase todos os outros autores) tentam redimir suas posições dessa flagrante contradição asseverando que um mercado puramente livre não poderia existir e que portanto aqueles que valoram altamente uma defesa forçosa contra violência devem defender o Estado (a despeito de sua negra história como a grande máquina de violência invasiva) como um mal necessário para a proteção das pessoas e propriedades.

Os defensores do laissez-faire oferecem várias objeções à idéia de um livre-mercado de defesa. Uma objeção sustenta que, uma vez que um livre-mercado de trocas pressupõe um sistema de direitos de propriedade, portanto o estado é necessário para definir e alocar a estrutura desses direitos. Porém, nós vimos que os princípios de uma sociedade livre de fato implicam uma teoria definida de direitos de propriedade, a saber, de propriedade sobre si e sobre os recursos encontrados e transformados pelo trabalho. Portanto, nenhum Estado ou agência similar contrária ao mercado é necessária para definir ou alocar direitos de propriedade. Isso pode e será feito pelo uso da razão e através dos próprios processos de mercado; qualquer outra alocação ou definição seria completamente arbitrária e contrária aos princípios da sociedade livre.

Uma doutrina similar sustenta que a defesa deve ser suprida pelo Estado por conta do status único da defesa como uma pré-condição necessária à atividade do mercado, como uma função sem a qual uma economia de mercado não poderia existir. Era a falácia dos economistas clássicos considerar bens e serviços em termos de grandes classes; em vez disso, a moderna economia demonstra que os serviços precisam ser considerados em termos de unidades marginais. Pois todas as ações do mercado são marginais. Se nós começarmos a tratar classes inteiras em vez de unidades marginais, nós podemos descobrir uma grande miríade de bens e serviços necessários, indispensáveis, todos os quais podem ser considerados como "pré-condições" à atividade do mercado. Não é vital um espaço de terra, ou comida para cada participante, ou vestimentas, ou abrigo? Pode um mercado subsistir sem essas coisas? E o que dizer do papel, que se tornou um requisito básico à atividade do mercado na complexa economia moderna? Todos esses bens e serviços portanto devem ser supridos pelo Estado e somente pelo Estado?

O defensor do laissez-faire também assume que deve haver um único monopólio compulsório de coerção e tomada de decisões na sociedade que, que deve haver, por exemplo, uma Suprema Corte para estabelecer decisões finais e inquestionáveis. Mas ele não reconhece que o mundo viveu muito bem em toda sua existência sem um único decisor final sobre sua superfície habitada. Os argentinos, por exemplo, vivem num estado de "anarquia", de não-governo, em relação ao cidadão do Uruguai — ou do Ceilão. E contudo os cidadãos priados desses e de outros países vivem e comerciam juntos sem se envolverem em conflitos legais insolúveis, a despeito da ausência de um governo comum. O argentino que acredita que foi agredido por um ceilonês, por exemplo, leva sua queixa a uma corte argentina e sua decisão é reconhecida pelas cortes ceilonesas — e vice versa se o ceilonês for a parte agredida. Embora seja verdade que os Estados-nação separados tenham guerreado interminavelmente uns contra os outros, os cidadãos privados, apesar dos sistemas legais muito diferentes, foram capazes de viver em harmonia sem um governo único sobre eles. Se os cidadãos do norte de Montana e de Saskatchewan do outro lado da fronteira podem viver e comerciar juntos em harmonia sem um governo comum, também podem fazer isso os cidadãos do norte e do sul de Montana. Em suma, as fronteiras atuais das nações são puramente históricas e arbitrárias, e não há mais necessidade de um governo monopolista sobre os cidadãos de um país do que há de um entre cidadãos de duas nações diferentes.

É muito mais curioso, incidentalmente, que embora os defensores do laissez-faire devessem, pela lógica de suas posições, ser ardentes partidários de um governo mundial unificado, de forma que ninguém vivesse num estado de "anarquia" em relação a todos os outros, eles quase nunca são. E uma vez que se concede que um governo único mundial não é necessário, então onde se pára logicamente na permissibilidade de estados separados? Se o Canadá e os Estados Unidos podem ser nações separadas sem ser denunciadas como estando em estado de uma impermissível "anarquia", por que não pode o sul seceder dos Estados Unidos? O Estado de Nova York da União? A Cidade de Nova York do estado? Por que não pode Manhattan seceder? Cada bairro? Cada bloco? Cada casa? Cada pessoa? Mas, é claro, se cada pessoa puder seceder do governo, nós virtualmente chegamos a uma sociedade totalmente livre, onde a defesa é suprida juntamente com os outros serviços pelo livre-mercado e onde o Estado invasivo deixou de existir.

O papel de judiciários livremente competitivos, na verdade, foi muito mais importante na história do Ocidente do que é freqüentemente reconhecido. A lei mercante, a lei dos almirantes, e muito da common law começou a ser desenvolvida por juízes privadamente competitivos, que eram procurados por litigantes por suas experiências no entendimento das áreas legais envolvidas.2 As feiras de Champanhe e grandes mercados de comércio internacional na Idade Média tinham cortes livremente competitivas, e as pessoas poderiam sustentar aquelas que consideravam mais justas e eficientes.

Examinemos, então, em maiores detalhes como um sistema de defesa de livre-mercado pode parecer. É impossível, devemos notar, desenhar precisamente as exatas condições institucionais de qualquer mercado com antecipação, da mesma forma que seria impossível 50 anos atrás prever a exata estrutura da indústria televisiva de hoje em dia. No entanto, nós podemos postular alguns dos funcionamentos de um sistema livremente competitivo, de mercado, de polícia e serviços judiciais. Muito provavelmente, esses serviços seriam vendidos antecipadamente numa base de assinaturas, com prêmios pagos regularmente e serviços a serem oferecidos de acordo com a necessidade. Muitos competidores sem dúvida surgiriam, cada um tentando, conseguindo uma reputação por eficiência e probidade, ganhar um mercado consumidor para seus serviços. É claro, é possível que em algumas áreas uma única agência tirasse todas as outras do mercado através da competição, mas isso não parece provável quando nós percebemos que não há monopólio territorial e que firmas eficientes poderiam abrir filiais em outras áreas geográficas. Parece provável também que ofertas de serviços policiais e judiciais fossem providos por companhias de seguro, porque seria do interesse direto delas reduzir os crimes tanto quanto possível.

Uma objeção comum à viabilidade da proteção de mercado (se ela é desejável não é o problema aqui) é a seguinte: Suponha que Jones subscreva à Agência de Defesa X e que Smith subscreva à Agência de Defesa Y. (Nós assumiremos por conveniência que a agência de defesa inclui uma força policial e uma corte ou cortes, embora na prática essas duas funções possam ser desempenhadas por firmas separadas.) Smith alega que ele foi atacado ou roubado por Jones; Jones nega sua responsabilidade. Como, então, a justiça seria feita?

Claramente, Smith vai entrar com acusações contra Jones e instituir processos judiciais no sistema de cortes Y. Jones é convidado a se defender contra as acusações, embora não possa haver poder de intimação, uma vez que qualquer tipo de força usada contra um homem ainda não julgado culpado de um crime é em si mesma um ato invasivo e criminoso que não poderia ser consonante com a sociedade livre que nós estamos postulando. Se Jones for declarado inocente, ou se ele for declarado culpado e consente à decisão, então não há problema neste nível e as cortes Y instituem as medidas cabíveis de punição.3 Mas e se Jones desafiar essa decisão? Nesse caso, ele pode tanto levar o caso ao sistema X de cortes ou levá-lo diretamente a uma Corte de Apelações privadamente competitiva, de um tipo que sem dúvida vai florescer no mercado em abundância para satisfazer a grande necessidade desses tribunais. Provavelmente haverá apenas uns poucos sistemas de Cortes de Apelação, muito menos que o número de cortes primárias, e cada uma das cortes mais baixas vai incentivar seus clientes a serem membros desses sistemas de Cortes de Apelação conhecidos por eficiência e probidade. A decisão da Corte de Apelação pode então ser tomada pela sociedade como obrigatória. De fato, no código legal básico da sociedade livre, provavelmente conservaria alguma cláusula de que uma decisão de quaisquer duas cortes seria considerada obrigatória, i.e., seria o ponto no qual a corte poderia tomar alguma ação contra a parte julgada culpada.4

Todo sistema legal precisa de algum tipo de ponto final socialmente acordado, um ponto no qual os procedimentos judiciais param e a punição contra os criminosos culpados começa. Mas uma única corte monopolística tomadora final de decisões não precisa ser imposta e, é claro, não pode ser numa sociedade livre; e um código legal libertário pode muito bem ter um ponto de parada de duas cortes, uma vez que há sempre duas partes contestantes, o querelante e o acusado.

Outra objeção comum à funcionalidade do livre-mercado de defesa é a seguinte: não poderia uma ou mais de uma das agências de defesa colocar seu poder coercitivo para usos criminosos? Em resumo, não poderia uma agência de polícia privada usar sua força para agredir os outros, ou não poderia uma corte privada se combinar para tomar decisões fraudulentas e assim agredir seus clientes e vítimas? Geralmente se assume que aqueles que defendem uma sociedade sem estado também são inocentes o suficiente para acreditar que, em tal sociedade, todos os homens seriam "bons" e que ninguém quereria agredir seu vizinho. Não há necessidade de assumir nenhuma mudança mágica ou milagrosa desse tipo da natureza humana. É claro, algumas das agências privadas de defesa se tornarão criminosas, assim como algumas pessoas se tornam criminosas agora. Mas o ponto é que numa sociedade sem estado não haveria nenhum canal regular, legalizado para o crime e para a agressão, nenhum aparato governamental de controle que fornece um monopólio seguro da invasão das pessoas e propriedades. Quando um Estado existe, existe esse canal embutido, isto é, o poder de taxação coercitivo e o monopólio compulsório de proteção forçosa. Numa sociedade de total livre-mercado, uma polícia ou um judiciário que possivelmente fossem criminosos teriam muitas dificuldades para tomar o poder, uma vez que não existiria nenhum aparato Estatal organizado para dominar e usar como instrumento de comando. Criar essa instrumentalidade de novo é muito difícil e, de fato, quase impossível; historicamente, levou séculos para que se estabelecessem aparatos Estatais que funcionassem. Além disso, a sociedade sem estado, de mercado totalmente livre, conteria dentro de si um sistema embutido de "limitações e equilíbrios" que tornaria quase impossível que esse crime organizado tivesse sucesso. Tem havido muita conversa sobre "limitações e equilíbrios" no sistema americano, mas essas dificilmente podem ser consideradas reais limitações, uma vez que cada uma dessas instituições é uma agência do governo central e, eventualmente, do partido dominante daquele governo. As limitações e equilíbrios numa sociedade sem estado estão precisamente no livre-mercado, i.e., na existência de agências policiais e judiciais livremente competitivas que poderiam rapidamente se mobilizar para parar qualquer agência criminosa.

É verdade que não pode haver garantia absoluta que uma sociedade puramente de mercado não cairia nas garras da criminalidade organizada. Mas esse conceito é muito mais funcional que a idéia verdadeiramente Utópica de um governo estritamente limitado, uma idéia que nunca funcionou historicamente. E compreensivelmente, pois o monopólio embutivo de agressão do Estado e a ausência inerente de limites de livre-mercado o capacitou a destruir quaisquer amarras que as pessoas de boa-fé poderiam ter tentado estabelecer sobre ele. Finalmente, o pior que poderia acontecer seria o restabelecimento do Estado. E uma vez que o Estado é o que temos agora, qualquer experimento com uma sociedade sem estado não teria nada a perder e tudo a ganhar.

Muitos economistas objetam a uma defesa de mercado baseando-se no fato de que a defesa é de uma suposta categoria de "bens coletivos" que só podem ser supridos pelo Estado. Essa teoria falaciosa é refutada em outro lugar.5 E dois dos raros economistas que concederam a possibilidade de um sistema de defesa puramente de mercado escreveram:
Se, então, os indivíduos quisessem pagar um preço suficientemente alto, a proteção, a educação geral, a recreação, o exército, a marinha, os departamentos de polícia, as escolas e os parques poderiam ser providos através de iniciativas individuais, assim como a comida, as roupas e os automóveis.6
Na verdade, Hunter e Allen subestimaram grandemente a viabilidade da ação privada na provisão desses serviços, pois um monopólio compulsório, conseguindo seus recursos através da coerção generalizada em vez de por pagamentos voluntários de consumidores, deve ser muito menos eficiente que um mercado livremente competitivo desses serviços. O "preço" pago seria um grande ganho para a sociedade e para os consumidores em vez de um custo extra imposto.

Assim, um mercado verdadeiramente livre é totalmente incompatível com a existência do Estado, uma instituição que presume "defender" a pessoa e a propriedade subsistindo a partir da agressão à propriedade privada conhecida como taxação. No livre mercado, a defesa contra a violência seria um serviço como qualquer outro, obtido através de organizações privadas livremente competitivas. Quaisquer problemas que restem nessa área podem ser resolvidos facilmente na prática pelo processo de mercado, o mesmo processo que resolveu incontáveis problemas organizacionais de muito maior dificuldade. Aqueles economistas e autores defensores do laissez-faire, do passado e do presente, que pararam no ideal Utópico de um governo "limitado" estão presos numa grave contradição interna. Essa contradição do laissez-faire foi lucidamente exposta pelo filósofo político britânico Auberon Herbert:
A deve compelir B a cooperar com ele, ou B compelir A; mas em todo caso a cooperação não pode ser assegurada, nos dizem, a não ser que, a todo tempo, uma parte esteja compelindo a outra a formar um Estado. Muito bem; mas então o que se tornou o nosso sistema de Individualismo? A capturou B, ou B capturou A, e o forçou a entrar num sistema que ele desaprova, extraiu serviços e pagamento dele os quais ele não deseja prover, se tornou virtualmente seu senhor — o que é tudo isso além de Socialismo numa escala reduzida? (...) Acreditando, então, que o julgamento de todo indivíduo que não agrediu seu vizinho é supremo com relação a suas ações, e que essa é a rocha na qual o Individualismo se basea, eu nego que A e B podem ir até C e forçá-lo a formar um Estado e extrair dele certos pagamentos e serviços em nome de tal Estado; e eu procedo a manter que se você agir dessa forma, você de uma só vez justifica o Socialismo de Estado.7


Notas:

1 Murray N. Rothbard, Man, Economy, and State (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1962; 2004 pelo Mises Institute).

2 Veja Bruno Leoni, Freedom and the Law (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1961). Veja também Murray N. Rothbard, "On Freedom and the Law", New Individualist Review, Inverno, 1962, pp. 37-40.

3 Suponha que Smith, convencido da culpa de Jones, "tome a lei nas próprias mãos" em vez de se submeter aos procedimentos da corte. O que aconteceria? Em si mesmo, isso seria legítimo e não punível como um crime, uma vez que nenhuma corte ou agência pode ter o direito, numa sociedade livre, de usar a força para a defesa além do mesmo direito de cada indivíduo. Contudo, Smith então teria que enfrentar um possível contraprocesso por Jones, e ele mesmo teria que enfrentar a punição como criminoso se fosse descoberto que Jones era inocente.

4 O Código Legal da sociedade puramente livre conservaria simplesmente o axioma libertário: a proibição de qualquer violência contra a pessoa ou propriedade de outra (exceto em defesa da pessoa ou propriedade de alguém), a propriedade a ser definida como a possessão de si próprio mais a propriedade dos recursos que se encontrou e transformou ou que se comprou ou recebeu após essa transformação. A tarefa do Código seria a de estabelecer as implicações desse axioma (e.g., as seções libertárias da lei mercante ou da common law poderiam ser cooptadas, ao passo que as partes estatistas seriam descartadas). O Código então seria aplicado aos casos específicos pelos juízes do livre-mercado, que jurariam segui-lo.

5 Man, Economy, and State, pp. 1029-36.

6 Merlin H. Hunter e Harry K. Allen, Principles of Public Finance (Nova York: Harper & Bros, 1940), p. 22.

7 Auberon Herbert e J.H. Levy, Taxation and Anarchism (Londres: The Personal Rights Association, 1912), pp. 2-3.
Murray N. Rothbard (1926-1996) foi um dos maiores economistas da Escola Austríaca e o fundador do moderno anarco-capitalismo. Em seus mais de 25 livros, defendeu uma síntese entre a economia da Escola Austríaca, o direito natural, o anarquismo individualista americano e o isolacionismo da Velha Direita dos Estados Unidos.

Armas nucleares: Proliferação ou monopólio? - Bertrand Lemennicier

O problema da proliferação nuclear é antigo, datando da primeira detonação nuclear ofensiva em 1945, quando os Estados Unidos usaram armas nucleares contra o Japão. O problema resurge toda vez que um novo país desenvolve armas nucleares: a União Soviética em 1949, o Reino Unido em 1952, a França em 1962 e a China e a Índia em 1974. Israel diz ter armas nucleares; o Brasil, a África do Sul e a Argentina poderiam ter, mas pararam o desenvolvimento; e o Irã, o Iraque e provavelmente outros (e.g., Coréia do Norte) expressaram o desejo de tê-las.

Se as armas nucleares nas mãos dos governos representam uma ameaça real ou percebida de intrusão ou invasão entre os vizinhos, nós podemos esperar que as nações menores se movam para proteger seus territórios e independências políticas através da produção ou aquisição de armas nucleares. O governo francês usou esse argumento contra o programa nuclear americano quanto Charles De Gaulle chegou ao poder em 1945. Ao mesmo tempo, mudanças tecnológicas e políticas reduziram o custo de se adquirir armas nucleares. Além disso, o progresso tecnológico deve tornar possível a miniaturização dessas armas. Pequenas organizações podem um dia ter acesso a elas. Essa possível proliferação é atualmente considerada uma maldição, não uma bênção. Por quê? Principalmente porque todos temem que essa proliferação de armas de destruição em massa combinada com meios avançados para suas entregas intensifiquem "o problema do asseguramento a segurança global", como Dagoberto Brito e Michael Intriligator1 escreveram recentemente na Economic Affairs.

O argumento de que a proliferação de quaisquer armas — pequenas ou grandes, nas mãos de cidadãos comuns ou de políticos — é uma ameaça geral é, na verdade, o primeiro passo rumo à centralização e à monopolização do poder. Foi através do argumento de que a própria proliferação é perigosa que os indivíduos ao redor do mundo, sendo proibidos de possuir armas da própria escolha, foram destituídos do direito básico à autodefesa pelos (e dos) tiranos que governam seus países.

Parte do problema é o medo instigado nos outros quando uma pessoa possui armas. Imagine uma situação onde armas nucleares em miniatura de grande poder estejam disponíveis e acessíveis aos cidadãos comuns. Eu poderia dar ao governo francês um ultimato, como ele às vezes faz com outros governos. Meu ultimato poderia ser: "Se vocês tomarem meus recursos através da taxação e da invasão da minha propriedade, eu destruirei Paris." Ou pior: "Os residentes de Paris devem me pagar um tributo ou serão completamente aniquilados."2

Os fatos e o senso comum contradizem esse argumento simplista. Na França em 1991 houveram 16.000 prisões por posessão de armas ilegais e apenas 1.600 homicídios. Apenas 45 por cento dos homicídios foram cometidos com pistolas, espingardas ou armas de mão. A probabilidade do uso de armas restritas é muito baixo — em torno de 0,45 por cento. Uma vez que as prisões são de apenas uma fração das pessoas que carregam ou possuem armas legais ou ilegais, a real probabilidade de armas ilegais serem usadas é muito baixa. E, é claro, a única vez na história em que armas nucleares foram usadas foi quando os Estados Unidos foram capazes de fazê-lo sem medo de retaliação.

A Proliferação é uma Maldição?3

Nós precisamos estabelecer uma correlação entre a possessão de armas e o número de agressões. Pessoas se armando legal ou ilegalmente aumentam ou diminuem a probabilidade de agressão? A probabilidade de uma guerra nuclear aumenta quando mais países desenvolvem armas nucleares? Brito e Intriligator, através de um teorema de cardinalidade, tentaram mostrar essa correlação.4 A tese deles era tradicional no sentido de que o fator dominante não era a proliferação de armas nucleares per se, mas o aumento dos acidentes ou de lançamentos inadvertidos por aqueles que as possuem. Alternativamente, o caso da não-proliferação freqüentemente enfoca a irracionalidade do agente marginal que pode "destruir o equilíbrio de terror das armas nucleares" — um argumento clássico usado para justificar um cartel.

Imagine que exista apenas uma pessoa armada. A tentação de um comportamento agressivo em vez da resolução de conflitos pacífica para essa pessoa seria forte — porque ele tem uma vantagem comparativa. Agora imagine duas pessoas (ou Estados) similarmente armadas(os). A questão fundamental é se eles usarão uma estratégia agressiva (Falcão) ou uma estratégia cooperativa (Pombo), num conflito. Se o uso de armas levará a uma guerra mortal na qual ambos os lados provavelmente perderão não apenas suas propriedades mas suas vidas, uma estratégia agressiva não será a preferida. Se nós supusermos que ambas as partes são entidades racionais, elas adotarão o comportamento Pombo em vez do Falcão apenas se os ganhos esperados com o uso da estratégia Pombo excederem os da estratégia Falcão. A complicação é que os ganhos futuros de ambas as estratégias para um jogador dependem do comportamento do outro jogador. Há uma probabilidade não-zero de conflito armado, embora essa probabilidade seja muito mais baixa do que no caso no qual uma parte não se depara com nenhum risco de retaliação. Nesse caso, a estratégia Falcão seria dominante para o jogador armado.

Formalizemos5 essa interação entre João e Pedro, dois indivíduos ou príncipes representando seus países, ambos possuindo armas nucleares:


V mede os ganhos de um conflito. C é o custo da guerra. Se ambos usarem a estratégia Pombo, eles dividem os ganhos, V/2. Se houver um equilíbrio de poder, armas nucleares tornam a guerra muito custosa. Quando ambos fazem guerra, o uso de armas nucleares impõe apenas perdas, -C, para João e para Pedro. No caso em que João tem um monopólio das armas nucleares, ele não tem que temer a retaliação; aqui, só há ganhos (V > 0) para João e nenhuma perda ou ganho para Pedro, já que ele se rende.

Se João tiver um monopólio, a estratégia dominante para ele será a do Falcão.6 No caso de um equilíbrio de poder, cada parte adotará a estratégia Falcão se e somente se estiver segura de que o adversário vai jogar com a estratégia Pombo. Se ambos jogarem a estratégia Falcão, prejuízos serão o único resultado. Se João jogar Falcão e Pedro jogar Pombo, João vai ter a totalidade dos ganhos, V. No caso oposto, seu ganho é zero. O jogo é simétrico, uma vez que os dois lados têm as mesmas armas. Podemos ver que a estratégia Falcão não é o comportamento mais atrativo, já que o resultado (-C) é negativo. Mas a estratégia Pombo é dúbia, uma vez que V > V/2. Assim, João jogará Falcão somente se Pedro jogar Pomba. Na ausência de perfeita antecipação, João tem que prever o comportamento de Pedro. Da perspectiva de João, λ(2) é a probabilidade de que Pedro adotará a estratégia falcão e 1-λ(2) a de que Pedro adotará a estratégia Pombo. E para pedro, λ(1) é a probabilidade de que João adotará a estratégia Falcão e 1-λ(1) a de que adotará a estratégia Pombo.

Os ganhos futuros esperados para João ao adotar a estratégia Falcão são:

(1) E(U)H = (1-λ(2))V + λ(2)(-C)

Se ele jogar Pombo, elas são:

(2) E(U)D = (1-λ(2))λV/2 + (2)λ0 = (1-λ(2))λV/2

Assim ele joga Pombo se e somente se

(3) E(U)D = (1-λ(2))λV/2 > E(U)H = (1-λ(2))λV + λ(2)λ(-C)

e ele jogará Falcão quando:

(4) E(U)D = (1-λ(2))λV/2 < E(U)H = (1-λ(2))λV + λ(2)λ(-C)

Ele será indiferente em relação às duas estratégias quando:

(1-λ(2))λV + λ(2)(-C) = (1-λ(2))λV/2

isto é, quando

(5) λ(2)* = V/(2C + V)

A interpretação da relação V/(2C+V) é óbvia: é a relação entre o ganho da estratégia Falcão, V, quando o outro joga Pombo; e os custos de oportunidade da guerra (2C+V)7 quando o outro joga Falcão. Se João estimar que a probabilidade, λ(2), de que Pedro irá jogar Falcão é menor do que essa relação, λ(2)*, João jogará Falcão. Caso contrário, se ele estimar que essa probabilidade é maior que a relação, João jogará Pombo. Nós também percebemos que quanto maior for o dano da guerra comparado aos ganhos, é mais provável que João (ou Pedro) adote a estratégia Pombo, uma vez que a probabilidade de iniciação de guerra é menor. Se a relação dos ganhos sobre os custos da guerra se aproximar a zero (o qual é o caso com as armas nucleares), a probabilidade de resolução pacífica do conflito cresce drasticamente. Agora, como o jogo é simétrico, nós temos λ(1)* = λ(2)*.

Nessa interação, λ(2) e λ(1) são variáveis chave na decisão de entrar num conflito nuclear. Assuma que João é convencido erroneamente por uma terceira parte, Paulo, de que Pedro vai jogar Pombo, ou de que Pedro muito provavelmente vai jogar Pombo (embora Pedro na verdade esteja pronto para jogar Falcão). Então João adotará a estratégia Falcão baseando-se numa informação incorreta. Isso explica por que os governos desenvolveram comunicações diretas entre aqueles que têm o poder de começar um conflito nuclear, protegendo-se de decisões errôneas. Mas como os jogadores são racionais, eles antecipam a dificuldade em prever o comportamento dos outros. Um requerimento natural de consistência é que as expectativas também sejam racionais.

A convergência de antecipações entre João e Pedro é crucial. Considere a seguinte figura:


No eixo horizontal, nós representamos as expectativas de Pedro, λ(2), ao passo que no eixo vertical nós representamos as expectativas de João, λ(1). Assuma que estejamos na zona A. Nesse caso, λ(1) > λ(1)*, enquanto λ(2) < λ(2)*. Isso significa que Pedro deve jogar Pombo como melhor resposta ao comportamento de João, uma vez que João racionalmente joga Falcão. Para as expectativas na zona A, uma estratégia estável é a dupla λ(1) = 1, λ(2) = 0. João joga Falcão e Pedro joga Pombo. Na zona D, nós temos o oposto, λ(1) = 0, λ(2) = 1; João joga Pombo e Pedro joga Falcão. Há duas estratégias puras: ou João domina, ou Pedro domina. Nas regiões B e C, tanto Pedro quanto João jogam a mesma estratégia, Falcão ou Pombo, já que λ(1) > λ(1)* e λ(2) > V(2)* (zona B) ou λ(1) < λ(1)* e λ(2) < λ(2)*. O equilíbrio misto λ(1)* = λ(2)* não é na verdade estável nas regiões A e D. Mas quando C aumenta drasticamente, como no caso das armas nucleares, o valor de λ(1)* = λ(2)* = V/(2C+V) se aproxima de zero, de forma que as regiões de paz A, B e D aumentam de tamanho. Isso significa um aumento da probabilidade de um cenário em que a interação é pacífica.

Conseqüentemente, a corrida armamentista entre dois países nucleares para estabelecer um equilíbrio de poder decresce as chances de um conflito armado. Quanto mais mortais as armas se tornam, mais são dissuasivas. A próxima questão é: A introdução de participantes adicionais aumenta, diminui ou mantém igual a probabilidade de conflito? Veja a próxima figura.

No eixo vertical está representada a probabilidade de guerra, e no eixo horizontal o número de países ou governos com armas nucleares. Com um monopólio, a probabilidade de guerra se aproxima de 1. Com dois jogadores, a probabilidade se aproxima de zero. Adicionar participantes ou diminui essa probabilidade a zero ou a aumenta até que alcancemos uma total incerteza8 (a probabilidade de guerra é 0,50) ou uma total certeza (a probabilidade de guerra se aproxima de 1).


Adicionar um jogador à interação implica um novo jogo com três jogadores, cada um tendo sempre duas estratégias de jogo, Falcão ou Pombo:


Patrick joga Falcão ou Pombo. Então Pedro joga Falcão ou Pombo, dependendo de qual jogo Patrick tenha escolhido, Falcão ou Pombo. Então qual é a estratégia de João? Num conflito nuclear, se dois participantes jogarem Falcão, o poder destrutivo das armas nucleares é tal que o outro ator que jogar Pombo pode ser também destruído.9 Na verdade, há ganhos para um ou para todos quando apenas um ator joga Falcão enquanto os outros jogam Pombo, ou quando todos jogam Pombo.

Conseqüentemente, conhecendo essa matriz, João vai calcular o valor esperado da adoção da estratégia Falcão versus a estratégia Pombo antecipando o comportamento agressivo dos outros dois jogadores.

Estratégia Falcão:

(6) E(U)H = λ(2)λ(3)(-C) + λ(2)(1-λ(3))(-C) + (1-λ(2))(1-λ(3))λV

Estratégia Pombo:

(7) E(U)D = λ(2)λ(3)(-C) + (1-λ(2))(1-λ(3))(V/3)

João vai jogar Falcão quando

(8) E(U)H = λ(2)λ(3)(-C) + λ(2)(1-λ(3))(-C) + (1-λ(2))(1-λ(3))λV > E(U)D = λ(2)λ(3)(-C) + (1-λ(2))(1-λ(3))(V/3)

Ele será indiferente quando:

(9) E(U)H = λ(2)λ(3)(-C) + λ(2)(1-λ(3))(-C) + (1-λ(2))(1-λ(3))λV = E(U)D = λ(2)λ(3)(-C) + (1-λ(2))(1-λ(3))(V/3)

Como o jogo é simétrico, e sabendo que as expectativas são racionais (isto é, as expectativas de cada jogador quanto aos outros coincidem com as escolhas reais que os outros pretendem fazer), nós podemos escrever: λ(1) = λ(2) = λ(3) = 3λ, onde 3λ é o ponto inicial com 3 jogadores. Resolvendo a equação 9 para 3λ, nós encontramos:

(10) 3λ = V/(3C+V)

O ponto inicial sobre o qual João baseia sua estratégia é mais baixo com três jogadores do que com dois. Adicionar N jogadores nesse jogo leva a um ponto inicial no qual todos os jogadores baseiam sua estratégia:

(11) Nλ = V/(NC+V)

Aumentando N ao infinito reduz o ponto inicial a zero. Cada potência nuclear vai ser incitada a jogar Pombo. Adicionar N jogadores implica N estratégias puras onde uma é dominante (isto é, joga Falcão enquanto todas as outras jogam Falcão) e um equilíbrio misto λ(1)* = ... = λ(N)* = V(NC+V). No espaço N-dimensional do λ(i), a área C correpondente no espaço bidimensional encolhe até zero, assegurando uma paz altamente estável.10

Para um observador externo, a freqüência com a qual um conflito nuclear pode surgir é dada por

 
N
 
(12) f(H) =
Σ
Nλ + Π (Nλ) N
 
i = 1
 
Olhando para a matriz com três jogadores, nós vemos que há três casos com dois jogadores em guerra e um caso com todos os jogadores em guerra. Mas o produto de uma probabilidade elevado à potência de N é desprezível. Então a freqüência de uma guerra nuclear numa matriz de N jogadores é reduzida a:

(13) f(H) =
NV
=
V/C
 
NC + V
 
1 +
V
   
NC
Quanto mais N se dirigir ao infinito, a freqüência de guerra nuclear é a relação de ganhos V sobre o custo de guerra C. Com armas nucleares o custo é muito alto comparado a V, o que previsivelmente faz com que a freqüência de guerra nuclear se aproxime de zero. A lição dessa análise formal é que quanto mais jogadores armados houver, mais a probabilidade de início de conflitos armados depende da relação V/C. Quanto mais dissuasivos os meios, menos chances de conflito. A formalização pode sempre ser suspeita de ser um truque retórico, e a presente demonstração não é exceção. Pelo menos o modelo formal apela à razão e não às paixões. Se o modelo é correto, então é importante liberalizar o direito de possuir armas extremamente perigosas e aceitar a disseminação delas entre nações ou indivíduos.

A Proliferação Nuclear é uma Bênção?

Sim, é. Por quê? Porque as coisas que são boas para nós são boas para os outros. O equilíbrio de terror foi um dos fatores que garantiu a paz na Europa durante a Guerra Fria. Sem ele, os soviéticos poderiam se sentir tentados a invadir a Europa. Quando não há armas nucleares, há as guerras clássicas, que podem resultar em massacres comparáveis àqueles vistos com o uso de armas convencionais nas guerras mundiais. A guerra Irã-Iraque foi um desses casos: se ambos os lados tivessem armas nucleares, eles poderiam ter hesitado entrar no conflito, salvando milhões de vidas.

A posessão de armas nucleares por todos os jogadores é um bem, não um mal. De fato, quanto mais países possuírem essas armas dissuasivas, maior será o território de paz e estabilidade como o experimentado pela Europa durante a Guerra Fria. Deve haver motivos sérios para proibir certos países de possuir esses meios de dissuadir potenciais agressores.

Esse tipo de defesa da proliferação de armas nucleares é natural para economistas mas herética para não-economistas. Os países que são membros do clube nuclear formam um cartel que pretende proteger seu monopólio em relação aos outros países. Eles até mesmo usam a violência para evitar que países de que não gostam obtenham tecnologia nuclear. Se as armas nucleares reduzem a possibilidade de conflitos armados, i.e., protegem vidas humanas e territórios de invasores externos e violência, isso significa que a possessão de armas nucleares é eficiente.

A possessão de armas nucleares se tornará mais necessária na proporção em que os custos da tecnologia nuclear decrescerem. A competição entre os países para se defenderem de agressores externos legará à proliferação de armas nucleares. O cartel de membros do clube nuclear (Rússia, Inglaterra, França, China e Estados Unidos) vai fracassar enquanto mais países desenvolverem armas. Há duas grandes forças nesse processo. Os membros do clube têm motivos para trapacear dando armas nucleares para outros países (e.g., França e Iraque, China e Irã); e outros países podem entrar no mercado por si mesmos (e.g., Índia, Paquistão, Israel, Irã, Iraque, Coréia do Norte). Lembre-se também de que Cazaquistão, Belarus e Ucrânia herdaram armas nucleares da União Soviética. Talvez se a Ucrânia mantiver seu arsenal nuclear, a Polônia decidirá adquirir o mesmo. África do Sul, Japão, Alemanha, Brasil e Argentina no futuro terão armas nucleares, se já não têm.

Esse ponto de vista é cada vez mais compartilhado pelos estrategistas militares ocidentais, muitos dos quais acreditam que os países que queiram obter essas armas deveriam ser ajudados e não considerados foras-da-lei. Um artigo por J. Fitchett na International Herald Tribune11 nota essa mudança de opinião entre conselheiros militares. Mas Fitchett diz que se a proliferação prevalecer, o risco de conflito aumenta devido à inabilidade de todos de controlar a dissuasão de todos os outros. Especialistas do Pentágono notam que quando a comunicação entre a URSS e os Estados Unidos era limitada, ela minimizava comportamentos provocativos. Fitchett continua: com territórios como a Ásia e o Oriente Médio, a paixão nacionalista e o comportamento irracional são realidade. Aqueles líderes freqüentemente são autocráticos e estão prontos para destruir seus países num conflito nuclear apenas para satisfazer seus interesses ou apetites territoriais. Embora o conflito de 1991 no Iraque tenha mostrado o oposto (Saddam Hussein não ousou usar armas químicas sob a ameaça nuclear de Israel e dos EUA), nós não podemos extrapolar isso para um mundo onde armas nucleares são comuns. Não devemos esquecer que conflitos nucleares não são locais e podem afetar, como o desastre nuclear de Chernobyl afetou, partes não envolvidas. Esse argumento não é novo — é similar ao que é usado pelos médicos franceses, que, em nome da proteção dos consumidores, estão impedindo a venda de remédios nos supermercados. Outro argumento sustenta que a competição em serviços de linhas aéreas leva a um aumento nos acidentes devido à falha das empresas em investir suficientemente em competição devido à pressão da competição. Isso foi provado ser falso. Todos os defensores de monopólios e cartéis usam esses argumentos, incluindo o que concerne armas nucleares.

É difícil acreditar que um monopólio de taxistas proteja os consumidores. Mas quando um conselho médico anuncia que um monopólio beneficia os consumidores, o público é persuadido. De fato, o raciocínio é distorcido quando os argumentos se relacionam com nossas vidas. Dessa maneira, quando nós pensamos sobre armas nucleares, freqüentemente perdemos nossa habilidade de pensar claramente.

Retornemos ao argumento econômico. Antes de 1989, havia uma paridade nuclear entre a URSS e os EUA. Nós podemos considerar essa situação como uma bipolaridade de Cournot. A questão essencial daquele tempo era a corrida armamentista de mísseis nucleares. Para um dado nível de armamento soviético, a produção dos Estados Unidos de mísseis para se igualar a ela era lucrativa, medida em capacidade de dissuasão. Da mesma forma, para um dado nível de capacidade ofensiva americana, igualá-la com ogivas nucleares na URSS era vantajoso.

A interseção entre essas duas funções é o equilíbrio de Cournot. O número de mísseis sendo produzidos era muito alto. Era possível melhorar os resultados para ambos os adversários através da redução mútua dos armamentos. Se ambas as partes concordassem em reduzir suas armas retendo a capacidade dissuassiva, seria ótimo para ambos não perder a oportunidade de fazer isso. Desde o começo da Guerra Fria nós testemunhamos conferências de redução de armas e tratados de não-proliferação. Cada lado desses acordos mantinha uma certa quota de produções de mísseis ou diminuía os estoques de armas para um nível que maximizasse os lucros de ambas as partes.

Todas aquelas conferências entre superpotências eram simples acordos para otimizar o tradeoff entre custos e dissuasão. O fracasso desses acordos é intrigante. Por que eles falharam? Porque acordos têm que ser respeitados. A maioria desses tratados não apenas dava detalhes exatos em relação às quotas, mas também os meios para verificar se as cotas estavam sendo respeitadas. Em outras palavras, a questão do acordo ou cartel criava um dilema dos prisioneiros. Uma vantagem era ganha pelo que trapaceava enquanto o outro respeitava o acordo. Esse incentivo a não respeitar os acordos explica o fracasso contínuo deles. A Guerra Fria foi caracterizada por produção de mísseis ao ponto Cournot com tentativas de reduzir essas armas ao ponto de equilíbrio. Apenas o desaparecimento da URSS terminou com essa interdependência estratégica — a estrutura bipolar desapareceu.

Duas Direções de Desenvolvimento Futuro

Os Estados Unidos retêm um monopólio sobre a dissuasão nuclear e fazem o papel de polícia mundial, proibindo o comércio internacional com países que buscam armas nucleares. Essa posição é custosa e os EUA não têm uma reclamação legítima a esse papel.

Nós deveríamos deixar que mais e mais países desenvolvessem armas nucleares.

A primeira lição da história é que na ausência de um monopólio coercitivo, nenhum acordo ou cartel, mesmo que organizado por Estados, pode sobreviver. Um dos exemplos mais conhecidos é o cartel do petróleo. A segunda lição é que a competição é o meio pelo qual nós maximizamos nossos lucros comerciais. A possessão de armas nucleares é o meio mais eficiente de defesa do território porque ela produz medo. Ela reduz os conflitos armados e não requer muito pessoal. Tal tecnologia, à medida que se tornar mais acessível, vai ter uma demanda crescente de países com menos recursos. Essa democratização é o resultado da competição.

Eu uso o termo "democratização" em vez de "disseminação" para colocar um ponto. Para muitos, "democratização" tem uma conotação positiva. Se um iraquiano ou polonês pobre pode se beneficiar dessa proteção, é "democratização". Para um rico francês ou americano, é "disseminação". Para um economista, é competição.

O argumento de que um iraquiano, polonês ou líbio é mais irracional que um francês é fundamental. Esse é o argumento usado contra a proliferação de armas nucleares. Ele foi evocado durante a Guerra do Golfo. Saddam Hussein não é um de nós, ele não compartilha de nossos valores e é um ditador assassino, mas ele não é irracional ou maluco. Mas aqueles que compartilham desse ponto de vista insistem que não podemos extrapolar do caso de Saddam Hussein. Contudo, se nós seguirmos a lógica deles, nós teremos que demonstrar que sistemas políticos não-democráticos constantemente têm como líderes pessoas irracionais e malucas. Não há prova disso. Teria também que ser provado que sistemas democráticos são imunes a esse fenômeno. Hitler e os nacional-socialistas chegaram ao poder através de mecanismos democráticos. Assim, esse argumento também falha.

Podemos ligar essa teoria àquela que proíbe os cidadãos de carregarem armas de fogo. O problema com essa probição é que os cidadãos estão indefesos e que as únicas pessoas armadas são os policiais, que freqüentemente não sabem como atirar ou que apontam suas armas contra civis inocentes; ou gângsteres, que usam suas armas contra cidadãos que foram desarmados pelo Estado. Nós também vemos que dentro de cada dado território, relaxar as leis de controle de armas leva a uma redução do crime. Os mecanismos usados para explicar essa tendência, demonstrada mais notavelmente por John Lott12, são os mesmos que eu uso para mostrar que haverá uma diminuição dos conflitos violentos multinacionais após a permissão da livre proliferação de armas nucleares.



Notas:

1 D. Brito e M. Intriligator, "Deterring nuclear weapons proliferation", in: Defence Economics, Economic Affairs IEA (Dezembro 1977).

2 É claro, no presente somente os governos, através da taxação maciça, são capazes de custear armas nucleares.

3 Aqui, eu agradeço a Nikolay Gertchev, que me ajudou a desenvolver um modelo formal de conflito baseado na tradicional interação Falcão e Pombo da teoria dos jogos.

4 D. Brito e M. Intriligator, "Proliferation and the Probability of War", Journal of Conflict Resolution (Março 1996): 206-14.

5 Esse modelo é uma variação do modelo do Falcão e do Pombo da moderna teoria dos jogos, primeiro desenvolvido por J.M. Smith, Evolution and the Theory of Games (Cambridge, U.K.: Cambridge University Press, 1982).

6 Assimetrias, desequilíbrios de poder e hierarquia de forças políticas são normalmente as fontes do poder político. Na análise, nós assumimos perfeita simetria de forças como resultado da disseminação de armas nucleares: tecnologia militar está disponível ou acessível a um certo preço para indivíduos ou grupos. Abandonemos essa hipótese. Introduzamos uma assimetria entre João e Pedro. Os custos e ganhos para eles são diferentes. A tabela fica da seguinte forma:


Nós damos a Pedro uma vantagem na agressão, v-c > 0. João está ciente de que Pedro vai utilizar a estratégia Falcão devido a essa vantagem. Porque Pedro definitivamente vai usar a Falcão, a estratégia de João será a de rendição para Pedro, já que 0 > -C. Pedro vence João. Essa interação levará à dominação por uma das partes, algo que é estranhamente exaltado pelos cientistas políticos. A origem dessa dominação não está necessariamente numa assimetria, mas na crença nela da parte de João. Isso ajuda a realçar o papel das informações incorretas como estratégias militares e o papel da tecnologia em conflitos multinacionais.

7 2C+V mede para ambos os jogadores a soma do custo direto da guerra, C, e o prejuízo sofrido por cada jogador ao perder o ganho da estratégia Pombo, V/2. 2(C+V/2) = 2C+V.

8 Brito e Intriligator reconhecem os casos de monopólio e duopólio, mas eles argumentam que um aumento no número de jogadores aumentará a probabilidade de erros. Nesse caso, a probabilidade de conflito aumenta para 0,50 — isto é, para a completa incerteza.

9 Um pensamento é o de que a terceira parte que não toma parte no conflito nuclear será o último sobrevivente e vai lucrar com a destruição de seus competidores na luta por recursos. Na verdade, essa estratégia leva o terceiro jogador a uma autarquia, a qual implica perdas em comparação à presente situação de não-conflito. Além disso, nós podemos adicionar um problema de externalidade — dano colateral — com a guerra nuclear devido ao poder destrutivo das armas nucleares.

10 A idéia subjacente é simples: se k jogadores anteciparem que N-k jogadores jogarão Pombo, λi < λ(i)*, então a melhor estratégia para eles é jogar Falcão. Mas se todos eles jogarem Falcão ao mesmo tempo, o resultado é um conflito generalizado e seus próprios extermínios devido às externalidades de um conflito nuclear. Sabendo que cada um dos k jogadores antecipam que k-1 outros jogadores terão o mesmo palpite, eles jogarão Falcão somente se estiverem certos de que os outros jogarão Pombo. Essa possibilidade diminui drasticamente em relação ao aumento do número de jogadores.

11 International Herald Tribune, http://www.iht.com/diplo.

12 John R. Lott, Jr., More Guns, Less Crime: Understanding Crime and Gun Control Laws (Chicago: University of Chicago Press, 1998).
Bertrand Lemennicier (1944) é um economista francês anarco-capitalista. Leciona na faculdade de Direito e Ciências Econômicas da Universidade de Paris e mantém um site com muitos de seus trabalhos.

O Manifesto do Novo Libertário - Samuel Edward Konkin III

Ao longo do texto, o termo libertarianism é usado várias vezes. A palavra eventualmente veio para o português com a grafia libertarianismo. Há, inclusive, alguns que diferenciam o libertarianismo, uma versão radical do liberalismo clássico, do libertarismo, que seria a ideologia anarquista clássica. Neste texto, porém, eu não fiz essa distinção e preferi usar a tradução mais correta, libertarismo. A versão original do texto está disponível aqui.

***
Dedicado a Chris Tame, que disse a mim: “Don’t get it right, get it written!”.

Agradecimentos sobretudo a
- Ludwig von Mises,
- Murray N. Rothbard,
- Robert LeFevre
- e suas fontes.
Índice

Elogios ao Novo Manifesto Libertário

Prefácio à Primeira Edição

Prefácio à Segunda Edição

I. Estatismo: Nossa Condição
Libertarismo vs. coerção. A natureza do Estado. Constituintes do libertarismo e a diversidade do Movimento. O Estado contra-ataca: anti-princípios. Maneiras e não-maneiras de alcançar a Liberdade. Traição e resposta, ação acima de tudo.

II. Agorismo: Nosso Objetivo
Consistência dos fins, dos meios, dos fins e dos meios. Retrato de uma sociedade agorista. Teoria da restauração: restituição, perda do tempo e custos de apreensão; vantagens inerentes. Definição do agorismo. Objeções rebatidas.

III. Contra-Economia: Nosso Meio
Micro atividade e macro conseqüências. Agoristas: contra-economistas com consciência libertária. O propósito da economia do "Establishment". Passo-a-passo de volta do agorismo ao Estatismo (com propósitos teóricos). Mercados negro e cinza: a ágora inconsciente. Status contra-econômico do "primeiro", "segundo" e "terceiro" mundos e os exemplos mais grosseiros. Contra-Economia em todas as áreas do comércio mesmo na América do Norte, algumas exclusivamente contra-econômicas. A universalidade da Contra-Economia e suas razões. Limitação da contra-economia e motivos. O papel da intelligentsia e da mídia do Establishment. A falha das contraculturas e a chave para o sucesso. Etapas do Estatismo ao agorismo e o risco da proteção de mercado. O princípio fundamental da contra-economia. Razões para o inevitável crescimento da subsociedade contra-econômica agorista.

IV. Revolução: Nossa Estratégia
Contra-Economia autoconsciente é suficiente, mas algo mais é possível — lute ou apóie a luta. Inadequação da combatividade sem estratégia. Fases do crescimento agorista decidem a estratégia apropriada. Táticas que são sempre apropriadas. A Aliança dos Novos Libertários como uma associação para o empreendimento da Liberdade. O credo libertário é a restrição da tática dos Novos Libertários. Fase 0: Sociedade Agorista de Zero-Densidade. Aumente a consciência. Fase 1: Sociedade Agorista de Baixa Densidade. Facções radicais e a Esquerda Libertária. Combata os anti-princípios. Antecipe as crises do Estatismo. Fase 2: Sociedade Agorista de Pequena Condensação, Média Densidade. O Estado contra-ataca, mas é limitado pela contaminação agorista. A ANL surge enquanto seu sustento chega. Acelerando as condições revolucionárias. Fase 3: Sociedade Agorista de Grande Condensação, Alta Densidade. A crise permanente do Estatismo. A necessidade de esmagar a contra-economia cresce à medida que a capacidade do estado decresce. Anti-princípios são a maior ameaça. O golpe final no Estado: Revolução. Fase 4: Sociedade Agorista com Impurezas Estatistas. Colapso do Estado e simultânea dissolução da ANL. Lar!

V. Ação: Nossa Tática
Algumas táticas listadas. As táticas precisam ser descobertas e aplicadas em contexto. Ativista = empreendedor. Onde nós não estamos (então). Oportunidade com o colapso da Esquerda estatista. Oportunidade a partir da prematura dissolução do partido. O desafio final. O comprometimento e a alvorada finais: Ágora, Anarquia, Ação!

***

Elogios ao Novo Manifesto Libertário:
"Os escritos de Konkin devem ser bem-vindos. Porque nós precisamos de muito mais policentrismo no movimento. Porque ele abala os partidaristas que tendem a cair em impensada complacência. E especialmente porque ele se importa profundamente com a liberdade e é capaz de ler e escrever, qualidades que parecem estar saindo de moda no movimento libertário."
Murray N. Rothbard, Ph.D.
"Estou encantado em ver o Manifesto de Konkin e posso aplaudi-lo em geral por sua posição de respeitosa consistência, objetivo e método. (...) Eu acredito que ele terá e merece ter uma convincente influência sobre os membros da 'velha' esquerda."
Robert LeFevre

***

Prefácio à Primeira Edição

A forma básica do novo Libertarismo nasceu durante a minha luta contra o Libertarian Party desde sua formação em 1973, e a Contra-Economia foi exposta pela primeira vez ao público no Free Enterprise Forum em Los Angeles em fevereiro de 1974. O novo Libertarismo tem sido propagado dentro e fora do movimento libertário e seus jornais, especialmente na revista New Libertarian, desde então.

Mais importante, o ativismo aqui prescrito (especi-almente a Contra-Economia) foi praticado pelo autor e por seus aliados mais próximos desde 1975. Várias "anarcovilas" dos Novos Libertários se formaram e reformaram.

Só uma vez, você não gostaria de ler um manifesto que foi praticado antes de ser pregado? Eu gostaria.

E eu o fiz.

Samuel Edward Konkin III, outubro de 1980

***

Prefácio à Segunda Edição

Uma publicação agorista deve ser julgada mais severamente no mercado livre. A primeira edição do Manifesto do Novo Libertário se esgotou e uma segunda edição, feita por um novo empreendedor em busca de lucros com sua ideologia, está com você, leitor. O julgamento do mercado, para minha prazerosa surpresa, foi tornar o MNL a mais bem sucedida de minhas muitas publicações.

No mundo das idéias, dois anos é um tempo razoavelmente curto. Contudo, ataques ao MNL começaram nas publicações Libertárias de Centro-Esquerda e uma newsletter estudantil censurou capítulos errantes por passar a serem fiéis "àquele maluco do Konkin" no último mês. Ensaios e artigos sobre Contra-Economia e agorismo aparecem em mais e mais publicações libertárias não-esquerdistas (ou não-agoristas — ainda).

Um sinal encorajador é a emergência de muitos empreendedores Contra-Econômicos na área do Sul da Califórnia (e alguns outros espalhados pela América do Norte e até pela Europa), que adotam as idéias do MNL e o distribuem. Um "parque industrial" agorista tem se condensado silenciosamente em Orange County entre estas duas edições.

Essas contínuas gratificações não levaram à inércia. Elas inspiraram o autor a continuar o diálogo nas duas edições de um jornal teórico baseado no MNL, a escrever sobre a Contra-Economia (veja a nota 3, capítulo III) e a iniciar o planejamento de um magnum opus teórico, como O Capital foi para o Manifesto Comunista, a ser intitulado, indubitavelmente, Agorismo.

Quanto à prática contínua do que eu prego, eu posso adicionar ao fim do primeiro prefácio...

E eu ainda o estou fazendo.

Samuel Edward Konkin III, fevereiro de 1983


I
Estatismo: Nossa Condição

Nós somos coagidos pelos outros seres humanos. Uma vez que eles têm capacidade de escolher fazer o contrário, nossa condição não precisa ser essa. Coerção é imoral, ineficiente e desnecessária para a vida e realização humanas. Aqueles que desejam ficar inertes enquanto seus vizinhos os exploram têm a liberdade de fazer isso; este manifesto é para aqueles que escolhem fazer o contrário: resistir.

Para combater a coerção, deve-se entendê-la. Mais importante, tanto é necessário entender pelo que se está lutando quanto contra o que se está lutando.1 Reação cega vai em todas as direções a não ser a fonte de opressão e dispersa oportunidades; a busca de um objetivo comum converge os oponentes e permite a formação de uma estratégia e uma tática coerentes.

Coerção difusa é otimamente resistida por autodefesa local, imediata. Embora o mercado possa desenvolver negócios de maior escala para a proteção e restituição, ameaças aleatórias de violência somente podem ser lidadas com raízes de misticismo e ilusões plantadas no pensamento das vítimas, e requerem uma grande estratégia e um ponto cataclísmico de singularidade histórica: a revolução.

Essa instituição de coerção, que centraliza a imoralidade, dirigindo o roubo e o assassinato e coordenando a opressão numa escala inconcebível pela criminalidade aleatória existe. Ela é a Máfia das máfias, a Gangue das gangues, a Conspiração das conspirações. Ela já assassinou mais pessoas em alguns anos recentes que todas as mortes da história até esse momento; ela já roubou em alguns anos recentes mais do que toda a riqueza produzida na história até esse momento; ela iludiu — para sua sobrevivência — mais mentes em alguns anos recentes do que toda a irracionalidade da história até esse momento. Nosso Inimigo, o Estado.2

Somente no século XX, guerras dizimaram mais que todas as mortes anteriores; os impostos e a inflação roubaram mais que todas as riquezas que foram previamente produzidas; e as mentiras políticas, a propaganda e, acima de tudo, a "educação" enganaram mais mentes que todas as superstições anteriores; contudo, através de toda a confusão e ofuscação, o fio da razão desenvolveu fibras de resistência para serem enroladas na corda da execução do Estado: o Libertarismo.

Onde o Estado divide e conquista sua oposição, o Libertarismo une e libera. Onde o Estado obscurece, o Libertarismo clarifica; onde o Estado esconde, o Libertarismo descobre; onde o Estado perdoa, o Libertarismo acusa.

O Libertarismo elabora toda uma filosofia a partir de uma simples premissa: iniciação de violência ou sua ameaça (coerção) é errada (imoral, má, ruim, supremamente imprática, etc) e é proibida; nada mais é.3

O Libertarismo, como desenvolvido até o momento, descobriu o problema e definiu a solução: o Estado vs. o Mercado. O Mercado é a soma de todas as ações humanas voluntárias.4 Se se age não-coercivamente, se é parte do Mercado. Assim a Economia se tornou parte do Libertarismo.

O Libertarismo investigou a natureza do homem para explicar seus direitos derivados da não-coerção. Imediatamente se seguiu que o homem (mulher, criança, marciano, etc.) tinha um direito absoluto à sua vida e outras propriedades — e nenhuma mais. Assim a filosofia Objetiva se tornou parte do Libertarismo.

O Libertarismo perguntou por que a sociedade não era libertária agora e encontrou o Estado, sua classe dominante, sua camuflagem e os heróicos historiadores que se esforçam para revelar a verdade. Assim a História Revisionista se tornou parte do Libertarismo.

A Psicologia, como desenvolvida especialmente por Thomas Szasz como contra-psicologia, foi abraçada pelos libertários que buscavam se libertar tanto das limitações estatais quanto do auto-aprisionamento.

Procurando uma arte para expressar o potencial horror do Estado e extrapolar as muitas possibilidades da liberdade, o Libertarismo encontrou a Ficção Científica na área.

Das esferas política, econômica, filosófica, psicológica, histórica e artística, os partidários da liberdade viram um todo, integrando sua resistência com a dos outros, e se aproximaram enquanto tomavam suas consciências. Assim os Libertários se tornaram um Movimento. O Movimento Libertário olhou em volta e viu o desafio: em todos os lugares, Nosso Inimigo, o Estado, desde as profundezas do oceano até as áridas estações da superfície lunar, em todas as terras, pessoas, tribos, nações — e em toda mente individual. Alguns procuraram uma aliança imediata com outros oponentes da elite dominante para destituir quem presentemente controla o estado. 5 Alguns tentaram um confronto imediato com os agentes do Estado. 6 Alguns tentaram colaborar com aqueles no poder que ofereciam menos opressão em troca de votos.7 Alguns se abrigaram no esclarecimento de longo prazo da população para construir e desenvolver o Movimento.8 Em todos os lugares, uma Aliança Libertária de ativistas surgiu.9

Os Círculos mais Altos do Estado não pretendiam abrir mão de seus saques e restituir a propriedade de suas vítimas ao primeiro sinal de oposição. O primeiro contra-ataque veio dos anti-princípios já plantados pela corrupta Casta Intelectual: Derrotismo, Recuísmo, Minarquia, Colaboracionismo, Gradualismo, Monocentrismo e Reformismo — incluindo a aceitação de oficiais do Estado para "melhorar" o Estatismo! Todos esses anti-princípios (desvios, heresias, princípios auto-destrutivos, etc.) serão abordados mais tarde. O pior de todos é o Partidarismo, o anti-conceito de se buscar fins libertários através de meios estatistas, especialmente através de partidos políticos.

Um Partido "Libertário" ["Libertarian" Party] foi o segundo contra-ataque do Estado disparado contra os Libertários, primeiro como um ridículo oxímoro 10, depois como um exército invasor11.

O terceiro contra-ataque foi uma tentativa por um dos dez mais ricos capitalistas dos Estados Unidos de comprar as maiores instituições Libertárias — não apenas o Partido — e dirigir o movimento como os outros plutocratas dirigem todos os outros partidos políticos em estados capitalistas.12

O grau de sucesso que esses contra-ataques estatistas tiveram em corromper o libertarismo levou a uma divisão da "Esquerda" do Movimento e a uma desesperante paralisação dos outros. Enquanto a desilusão crescia com o "Libertarismo", os desiludidos procuravam respostas a este novo problema: o Estado por dentro assim como o Estado por fora. Como nós evitamos ser usados pelo Estado e sua elite de poder? Isto é, eles perguntavam, como nós podemos evitar desvios do caminho da liberdade quando sabemos que há mais que um? O mercado tem muitos caminhos para a produção e o consumo de um produto, e nenhum é perfeitamente previsível. Então, mesmo se alguém nos disser como sair daqui (do Estatismo) para lá (para a liberdade), como saberemos que esse é o melhor caminho?

Alguns já estão costurando as velhas estratégias dos movimentos há muito tempo mortos com outros fins. Novos caminhos estão de fato sendo oferecidos — de volta ao Estado.13

A traição, inadvertida ou planejada, continua. Não precisa ser assim.

Embora ninguém possa prever a seqüência de passos que sem dúvida alcançarão uma sociedade livre de indivíduos de vontade livre, nós podemos eliminar de uma vez todos aqueles que não avançarão a Liberdade, e aplicar os princípios do Mercado, que sem hesitação mapeará o terreno a ser viajado. Não há Um Caminho, uma linha reta para a Liberdade, para ser claro. Mas há uma família de linhas, um Espaço cheio de linhas, que levarão o libertário ao seu objetivo da sociedade livre, e esse Espaço pode ser descrito.

Uma vez que o objetivo seja estabelecido e que os caminhos sejam descobertos, resta somente a Ação do indivíduo para sair daqui e chegar até lá. Acima de tudo, este manifesto clama por essa Ação.1415



Notas:

1 Devo a Robert LeFevre esse insight, embora nós tiremos conclusões diferentes.

2 Obrigado, Albert J. Nock, por essa frase.

3 O moderno Libertarismo é melhor explicado por Murray Rothbard em For A New Liberty, o qual, a despeito de sua recente edição, está sempre um ano ou mais atrasado. Recomendar mesmo o melhor trabalho sobre o libertarismo é como recomendar uma canção para explicar a música em todas as suas formas.

4 Obrigado, Ludwig von Mises.

5 Radical Libertarian Alliance, 1968-71.

6 Student Libertarian Action Movement, 1968-72, mais tarde revivida brevemente como um proto-MLL.

7 Citizens for a Restructured Republic, 1972, formada por membros da RLA desiludidos com a revolução.

8 Society for Individual Liberty, 1969. Também o Rampart College (agora extinto) e a Foundation for Economic Education e o Free Enterprise Institute, os quais existiam antes da explosão libertária de 1969.

9 Principalmente a California Libertarian Alliance, 1969-73. O nome é mantido vivo ainda por patrocínio de conferências no Reino Unido.

10 O primeiro "Libertarian" Party foi estabelecido por Gabriel Aguilar e Ed Butler na California em 1970 como uma casca vazia para ganhar acesso à mídia. (Aguilar, um galambosiano, era ferrenhamente anti-político.) Até mesmo o "L"P de Nolan foi ridicularizado e desprezado por Murray Rothbard no primeiro ano de sua existência.

11 O "Libertarian" Party, que eventualmente se organizou nacionalmente e candidatou John Hospers e Toni Nathan para presidente e vice-presidente em 1972, foi primeiro estabelecido por David e Susan Nolan em dezembro de 1971 no Colorado. David Nolan era um membro de Massachussetts da Young Americans for Freedom que rompeu com a organização em 1967 e perdeu o climax de 1969 em St. Louis. Ele permaneceu conservador e minarquista até esta primeira edição.

Embora os Nolans fossem bastante inocentes, outras organizações e candidatos freqüentemente também, o debate sobre a "Questão Partidária" começou imediatamente. A New Libertarian Notes atacou o conceito do "L"P na primavera de 1972 e publicou um debate entre Nolan e Konkin logo antes da eleição (NLN 15).

Na campanha presidencial de 1980, os Nolans romperam com a liderança do "L"P de Ed Crane e seu candidato Ed Clark, que fizeram uma campanha poderosa, bem financiada, do tipo tradicional-caçadora de votos com uma plataforma de enfeite.

12 Charles G. Koch, bilionário do petróleo de Wichita, através de seus parentes, de suas fundações e centros comprou, estabeleceu ou "financiou" o seguinte de 1976 a 1979: Murray Rothbard e seu Libertarian Forum; a Libertarian Review (de Robert Kephart), editada por Roy A. Childs; a Students for a Libertarian Society (SLS) e Joe Peden; a Inquiry, editada por Williamson Evers; o Cato Institute; e vários fundos, fundações e institutos Koch. Chamado de "Kochtopus" na New Libertarian 1 (fevereiro de 1978), ele foi primeiro atacado por escrito por Edith Efron na publicação conservadora-libertária Reason, junto com alegações de uma conspiração "anarquista". O Movement of the Libertarian Left desconsiderou os delírios anti-anarquistas de Efron e correu para apoiá-la em suas revelações-chave do crescimento do monocentrismo no movimento.

Em 1979, o Kochtopus tomou o controle do National Libertarian Party na convenção de Los Angeles. David Koch, irmão de Charles, abertamente comprou a nomeação para vice-presidente por US$500 mil.

13 Murray Rothbard rompeu com o Kochtopus logo depois da convenção do Partido Libertário de 1979 e a maior parte de seus aliados mais próximos foram expurgados, como Williamson Evers da Inquiry. O CLS foi cortado do financiamento de Koch. O Libertarian Forum começou a atacar Koch. Rothbard e o jovem Justin Raimondo estabeleceram uma nova facção "radical" no Partido Libertário (a primeira, de 1972-74, foi criada pelos progenitores da NLA como uma tática de recrutamento para destruir o Partido por dentro).

Embora Rothbard tenha sido levado a perguntar "Sam Konkin está certo?" em seu discurso de 1980 num jantar da facção radical em Orange County, a estratégia dela era reformar o LP usando táticas da New Left e neo-marxistas.

14 Eu espero que subseqüentes edições omitam esta nota, mas no presente contexto histórico, é vital assinalar o fato de que o Libertarismo não é especificamente para os mais "avançados" ou esclarecidos elementos na América do Norte, talvez tipificados por consultores de computação jovens, brancos e altamente literatos, com uma parceira igualmente feminista (e um ou dois filhos).

Apenas o livre mercado pode salvar o "Segundo" e "Terceiro Mundo" da árdua pobreza e das superstições autodestrutivas. Tentativas compulsórias de aumentar criticamente os padrões de produção e o entendimento cultural causaram atraso e retrocesso: e.g. Irã e Afeganistão. Em geral, o Estado tem se envolvido em deliberada repressão do progresso.

Quasi-livre mercados, como os portos livres de Hong Kong, Cingapura e Xangai (anteriormente) atraíam inundações crescentes de empreendedores hábeis e motivados. O incrivelmente alto desenvolvimento do mercado negro de Burma já toma toda a economia e só necessita de uma consciência libertária para destituir Ne Win e o Exército e acelerar o comércio para aniquilar a pobreza quase que imediatamente.

Similares observações são possíveis em relação a mercados negros desenvolvidos e semi-livres mercados tolerados no "Segundo Mundo" da ocupação soviética, como na Armênia, Geórgia e na contra-economia russa.

15 Nota à segunda edição: a nota acima continua, tristemente, necessária.



II
Agorismo: Nosso Objetivo

O princípio básico que leva um libertário do Estatismo à sua sociedade livre é o mesmo que os fundadores do libertarismo usaram para descobrir a própria teoria. Que o princípio é consistência. Assim, a consistente aplicação da teoria do libertarismo a toda ação do indivíduo libertário cria uma sociedade libertária.

Muitos pensadores expressaram a necessidade por consistência entre meios e fins e nem todos eram libertários. Ironicamente, muitos estatistas argumentaram que há uma inconsistência entre fins louváveis e meios desprezíveis; contudo, quando seus objetivos verdadeiros de maior poder e opressão são compreendidos, se vê que seus meios são muito consistentes. É parte da mística estatista confundir a necessidade de consistência entre fins e meios; é, assim, a atividade mais crucial do teórico libertário expor inconsistências. Muitos teóricos fizeram isso admiravelmente; mas muitos tentaram e falharam em descrever os meios e fins consistentes do libertarismo.1

Se este manifesto está ou não correto pode ser determinado pelo mesmo princípio. Se não houver consistência, então tudo isto não faz sentido; na verdade, a linguagem é então meros sons sem sentido e a existência é uma fraude. Isso não pode ser superenfatizado. Se uma inconsistência for descoberta nestas páginas, então a reformulação consistente é o Novo Libertarismo, não o que foi encontrado em erro. O Novo Libertarismo (agorismo) não pode ser refutado sem a Liberdade ou a Realidade (ou ambos) serem refutadas, só uma formulação incorreta da doutrina pode fazer isso.

Comecemos por contemplar o nosso objetivo. Como parece uma sociedade livre, ou pelo menos uma sociedade tão livre quanto podemos sonhar alcançar com nosso presente entendimento?2

Sem dúvida, a sociedade mais livre até hoje idealizada é a de Robert LeFevre. Todas as relações entre as pessoas são voluntárias — um livre mercado. Ninguém vai ferir ou agredir os outros de forma alguma.

É claro, muito mais que o Estatismo teria que ser eliminado da consciência individual para sua sociedade existir. O fator mais prejudicial dessa sociedade perfeitamente livre é a falta de um mecanismo de correção.3 Tudo o que é necessário é uns poucos praticantes de coerção que usufruam de seus saques suficientemente para que a liberdade esteja morta. Mesmo se nós todos estivermos vivendo livres, um passo em falso, uma pessoa lendo a velha história ou redescobrindo o mal por si mesma, vai "deslibertar" a sociedade perfeita.

A segunda melhor sociedade livre é uma sociedade Libertária. A eterna vigilância é o preço da liberdade (Thomas Jefferson) e pode ser possível ter um pequeno número de indivíduos no mercado prontos para se defenderem contra agressões esporádicas. Ou grandes números podem reter suficiente conhecimento e habilidade para usar o conhecimento de autodefesa básica para deter ataques aleatórios (o praticante da coerção nunca sabendo quem é bem treinado em defesa) e eliminar a lucratividade da iniciação de violência sistemática.

Mesmo assim, permanecem dois problemas excepcionalmente difíceis para esse sistema de "Anarquia com defesa espontânea". O primeiro é o problema de defender aqueles que estão notoriamente desprotegidos. Isso pode ser mitigado pelo avanço da tecnologia para pessoas débeis tetraplégicas (assumindo-se que isso não seja resolvido por tecnologia suficiente) e para crianças muito jovens, que requerem muita atenção de qualquer forma. E há aqueles que, por um breve período de tempo ficam desprotegidos e casos ainda mais raros daqueles que são esmagados por iniciadores de violência querendo testar suas habilidades contra um alvo provavelmente mais fraco. (O último caso é mais raro simplesmente por causa do alto risco e do baixo retorno sobre o investimento.)

Aqueles que não precisam — e não devem — ser defendidos são aqueles que deliberadamente escolhem não ser: os pacifistas. LeFevre e seus discípulos não precisam nunca temer que algum Libertário vá usar métodos que eles consideram repugnantes para defendê-los. (Será que eles podem usar um button de uma pomba para reconhecimento rápido?)

Mais importante é o que é feito com o iniciador de violência após a defesa. O caso no qual a propriedade de alguém é violada com sucesso e a pessoa não está lá para protegê-la vem à mente. E finalmente, embora na verdade um caso especial do anterior, a possibilidade de fraude e de outras formas de violação de contrato.4

Esses casos podem ser resolvidos por um conflito primitivo ou socialmente — isto é, através da intervenção de uma terceira parte que não tem nenhum interesse na vitória de nenhuma das partes em disputa. Este caso é o problema fundamental da sociedade.5

Quaisquer tentativas de forçar uma solução contra a vontade das duas partes viola os princípios Libertários. Então um conflito que não envolva risco a outras partes é aceitável — mas pouco lucrativo ou eficiente ou mesmo civilizado (esteticamente aprazível) a não ser para alguns poucos cultistas.

A solução então requer um juiz, uma "testemunha neutra" ou um árbitro. Uma vez que o árbitro de uma disputa ou o juiz de uma agressão fez seu julgamento e comunicou a decisão, a execução da decisão pode ser requerida. (Os pacifistas podem escolher a arbitragem sem execução, por sinal.)

O seguinte sistema de mercado foi proposto por Rothbard, Linda e Morris Tannehill e outros; ele não precisa ser definitivo e pode ser melhorado por avanços na teoria e na tecnologia (como este autor já fez). Neste estágio da história, ela parece a melhor e é apresentada aqui como o modelo inicial de trabalho.

Primeiro, sempre deixando de fora aqueles que escolhem não participar, a pessoa se assegura contra agressão ou roubo. É possível até mesmo estabelecer o valor para própria vida em caso de assassinato (ou homicídio involuntário), o qual pode variar desde tirar a vida do iniciador de violência a tomar os órgãos substituíveis (a depender da tecnologia) para restaurar a vida ao pagamento de uma fundação para continuar o trabalho da pessoa em vida. O que é crucial aqui é que a vítima estabeleça um valor para sua vida, corpo e propriedade antes do acontecimento. (Bens comerciáveis podem simplesmente ser repostos ao preço do mercado. Veja adiante.)

A vê que sua propriedade desapareceu e avisa à companhia de seguros IA. A IA, através de outra divisão ou através de uma agência separada de detetives D, investiga. A IA prontamente restitui o objeto a A para que a perda do uso do bem seja minimizada.6 Agora, D pode fracassar na tentativa de encontrar a propriedade desaparecida. Neste caso, o prejuízo da IA é coberto pelos preços pagos pelos seguros. Note que, para manter os preços baixos e competitivos, a IA tem um forte incentivo para maximizar o retorno dos bens roubados ou perdidos. (Seria possível escrever vários e vários volumes sobre a falta desse incentivo nos sistemas monopolísticos, tais como as forças policiais do Estado e seus horrendos custos sociais.) Se D encontrar os bens, digamos em posessão de B e B os restituir livremente (talvez induzido por uma recompensa), o caso está fechado. Somente se B reclamar o direito de propriedade sobre o objeto também reclamado por A o conflito surge.

B tem uma companhia de seguros IB, a qual pode executar sua investigação independente e convencer IA de que D errou. Se isso não ocorrer, IA e IB estão em conflito. Neste ponto, foram levantadas as objeções padrão à anarquia de mercado, dizendo que uma "guerra" entre A e B foi aumentada para incluir as companhias de seguro, as quais podem ter maiores divisões de proteção ou contratos com companhias de proteção (PA e PB). Mas onde está o incentivo para IA e IB usarem violência e destruírem não apenas os ativos de seu competidor, mas também alguns de seus próprios? Elas têm ainda menos incentivo numa sociedade de mercado há muito estabelecida; as companhias têm especialistas e capital ligados à defesa. Qualquer companhia investigando na ofensiva se tornaria altamente suspeita e certamente perderia clientes numa sociedade predominantemente Libertária (que é a que está em discussão).

De forma barata e lucrativa, IA e IB podem simplesmente pagar uma companhia de arbitragem para resolver a disputa, apresentando suas respectivas reclamações e evidências. Se B tem uma reclamação válida, IA desiste do caso, tomando um pequeno prejuízo (em comparação à guerra!) e tem um excelente incentivo para melhorar sua investigação. Se A tem uma reclamação legítima, o inverso agora é verdadeiro para IB.

Somente neste ponto, quando a questão foi totalmente contestada, investigada e julgada, e quando B ainda se recusa a devolver a propriedade roubada, a violência ocorreria. (B pode apenas ter sido incomodado quando foi notificado da defesa de IB em seu favor, e B pode ter escolhido ignorá-la; nenhuma intimação poderia ser emitida até depois da condenação.) Mas PB e IB se retiram e B agora deve encarar um time competente e eficiente de especialistas na recuperação de propriedades roubadas. Mesmo se B for quase louco em sua resistência neste ponto, ele provavelmente seria neutralizado com o mínimo esforço por uma agência de mercado ansiosa por uma boa imagem pública e mais clientes — incluindo o próprio B algum dia. Acima de tudo, PA precisa agir de forma a não atingir mais ninguém ou danificar a propriedade de outra pessoa.

B ou IB é agora responsável pela restauração. Isso pode ser dividido em três partes: restituição, preferência temporal e apreensão.

Restituição é o retorno do bem original ou de seu equivalente de mercado. Isso pode ser aplicado até mesmo a partes do corpo humano ou ao valor estabelecido à vida da pessoa.

Preferência temporal é a restituição do tempo de uso perdido e é facilmente determinada pela taxa de juros do mercado que IA teve que pagar imediatamente para restituir a propriedade de A.

Apreensão é a soma do custo da investigação, detecção, arbitragem e execução. Note quão bem o mercado funciona para dar a B um grande incentivo para restituir o saque rapidamente para minimizar o custo de apreensão (exatamente o oposto da maioria dos sistemas estatistas) e para minimizar o juro incorrido.

Finalmente, perceba todos os incentivos embutidos para uma justiça eficiente e rápida e para a restauração com o mínimo de problemas e violência. Contraste isso com todos os outros sistemas em operação; note também que em partes todo esse sistema foi tentado com sucesso através da história. Apenas o todo é novo e exclusivo à Teoria Libertária.

Esse modelo de restauração foi explicado tão especificamente, embora ele possa ser melhorado e desenvolvido, porque ele resolve o único problema social que envolve qualquer tipo de violência. O resto dessa sociedade Libertária pode ser melhor imaginada pelos criativos autores de ficção científica com uma boa base na praxeologia (o termo de Mises para o estudo da ação humana, especialmente, mas não somente, a economia).

Algumas marcas dessa sociedade — libertária em teoria e de livre-mercado na prática, chamada agorista, do grego "ágora", significando "mercado aberto" — são as rápidas inovações da ciência, tecnologia, comunicação, transportes, produção e distribuição. Um argumento complementar pode ser feito em relação à rápida inovação e desenvolvimento das artes e humanidades para equilibrar o progresso material; além disso, esse progresso não-material ocorreria provavelmente por causa da liberdade total em todas as formas de expressão artística não-violenta e de ainda mais rápida e completa comunicação delas para recipientes desejosos. A literatura libertária que exalta esses benefícios já é grande e cresce rapidamente.

Devemos concluir esta descrição da teoria da restauração lidando-se com algumas das objeções mais comuns a ela. A maioria delas se reduz a desafios de estabelecer um valor aos bens ou pessoas violados. Deixar o impessoal mercado e a vítima decidir parece o mais justo tanto para a vítima quanto para o agressor.

O último ponto pode ofender alguns que pensam que a punição é necessária para o mal no pensamento; a reversibilidade do fato não é suficiente para eles.7

Embora nenhum deles tenha desenvolvido uma base moral para a punição, Rothbard e David Friedman em particular argumentam pela necessidade econômica da detenção. Eles argumentam que qualquer percentagem de apreensão de menos de 100% dá uma pequena probabilidade de sucesso; assim, um "criminoso racional" pode escolher tomar o risco para seu ganho. Assim, detenção adicional precisa ser adicionada na forma de punição. Que isso vá diminuir o incentivo para o agressor se entregar e assim diminuir a taxa de apreensão não é considerado, ou talvez a punição deva ser estabelecida em durações ainda mais curtas para compensar a acelerada taxa de evasão. Enquanto isto é escrito, a menor taxa de evasão dos crimes definidos pelo estado é 80%; a maioria dos criminosos tem mais que 90% de chance de não serem capturados. Isto num sistema de punição-reabilitação onde nenhuma restauração ocorre (a vítima é mais saqueada ainda pela taxação para sustentar o sistema penal) e o mercado é banido. Podemos imaginar se há um "mercado vermelho" em expansão para a iniciação de violência não-estatal!

Mesmo assim, essa crítica do sistema de restauração agorista não consegue perceber que há um fator "entrópico". O potencial agressor precisa comparar o ganho do objeto do roubo contra a perda do objeto mais juros mais custos de apreensão. É verdade que se ele se entregar imediatamente, os últimos dois são mínimos — mais também são os custos da vítima e da seguradora.

Não apenas a restauração agorista é felizmente impeditivo em relação recíproca com a condescendência, mas o custo de mercado do fator apreensão permite uma medição quantificável precisa do custo social da coerção na sociedade. Nenhum outro sistema proposto até hoje faz isso. Como muitos libertários dizem, a liberdade funciona.

Em lugar algum da teoria da restauração agorista os pensamentos do agressor entram em cena. Presume-se apenas que o agressor seja um agente humano e responsável por suas ações. Além disso, da conta de quem é o que alguém pensa? O que é relevante é o que o agressor faz. Pensamento não é ação; no pensamento, ao menos, a anarquia permanece absoluta.8

Se você vir chocado que eu voei por sua janela e a quebrei, e então se certificar que todos vão continuar a viver, você não vai se preocupar particuparmente se eu dei um passo em falso e caí enquanto estava caminhando por perto, ou se eu agi num impulso de raiva irracional pulando, ou mesmo se foi um plano premeditado para distrair uns seguranças para evitar que eles notassem um ladrão de banco. O que você quer é sua janela de volta prontamente (e a bagunça arrumada). O que eu penso é irrelevante para sua restauração. Na verdade, pode ser facilmente demonstrado que mesmo o menor gasto de energia nesse assunto é puro desperdício. Motivação — ou motivação suspeita, que é tudo o que podemos saber8 — pode ser relevante para a detecção ou mesmo para provar a plausibilidade da ação do agressor para um árbitro se houver dois suspeitos igualmente prováveis, mas tudo o que importa para a justiça — como o libertário a vê — é que a vítima tenha sido restituída a uma condição tão similar quanto possível à de antes da agressão. Deixe Deus ou a consciência punir os "pensamentos culpados".9

Outra objeção levantou preocupações sobre o que será feito com os iniciadores de violência que pagaram seu débito (ao indíviduo, não à "sociedade") e estão "livres" para tentar de novo — com uma maior experiência. E a reincidência, tão prevalente na sociedade estatista?

É claro, uma vez que é marcada como agressora, a pessoa provavelmente será vigiada mais de perto e lembrada primeiro quando um crime similar for cometido. E ao passo que campos de trabalho podem ser usados para pagar a restituição em alguns casos extremos, a maioria dos agressores poderá trabalhar em relativa liberdade. Assim, nenhuma "insituição de ensino do crime" como as prisões existirão para educar e encorajar a agressão.

A distinta característica de um sistema altamente eficiente e preciso de julgamento e proteção será que ele ocupará uma fração insignificante do tempo, do pensamento e do dinheiro dos indivíduos. Pode-se então argumentar que nós não retratamos 99% da sociedade agorista. E quanto à eliminação da auto-destruição (com que o Libertarismo não lida), exploração espacial e colonização, extensão da vida, aumento da inteligência, relações interpessoais e variações estéticas? Tudo o que realmente pode e deve ser dito é que onde o homem presente precisa gastar a metade ou mais de seu tempo e energia servindo ou resistindo ao Estado, esse tempo-energia (definição média de ação) será utilizável para todos os outros aspectos do desenvolvimento próprio e da natureza. É necessária uma visão cínica da humanidade para imaginar qualquer coisa além de uma sociedade mais rica e feliz.

Este então é um esboço do nosso objetivo com um maior foco no aspecto da justiça e da proteção. Nós temos o "aqui" e o "lá". Agora vamos ao caminho — a Contra-Economia.



Notas:

1 Para citar os exemplos mais espetaculares até hoje:

- Murray Rothbard usará qualquer estratégia política passada para avançar o libertarismo, recuando de estratégias ainda mais radicais quando as anteriores falharem.

- Robert LeFevre defende uma pureza de pensamento e ações em cada indivíduo que este autor e outros consideram inspiradora. Mas ele não descreve uma completa estratégia resultante dessa tática pessoal, parcialmente devido a um medo de ser acusado de prescrever enquanto descreve. Este autor não tem esse medo. O pacifismo de LeFevre também dilui a atração de sua tática libertária, provavelmente muito mais do que o merecido.

- Andrew J. Galambos defende uma razoável posição contra-econômica (veja o próximo capítulo) mas positivamente afasta recrutas com sua posição anti-movimento e sua tática de organização "sociedade secreta". Seu desvio de "propriedade primária", como o pacifismo de LeFevre, provavelmente também diminui sua teoria mais do que é necessário.

- O livro de Harry Brown "How I Found Freedom In An Unfree World" ["Como eu Encontrei a Liberdade num Mundo Não-Livre"] é um guia enormemente popular para liberação pessoal. Tendo sido influenciado por Rothbard, LeFevre e Galambos, Browne de forma razoavelmente correta, embora superficial, mapeia táticas válidas para o indivíduo sobreviver e prosperar numa sociedade estatista. Ele não oferece nenhuma estratégia completa, e suas técnicas desapareceriam num sistema contra-econômico avançado quanto mais se aproximar de uma sociedade livre.

- Um desvio sem um proponente particular mas associado mais ou menos com a Libertarian Connection é a idéia de alcançar a liberdade destruindo o Estado por meio da tecnologia. Essa parece ter uma validade plausível no caso recente do Estado americano decidindo não regular o crescimento explosivo da indústria da informação. Mas ela falha em levar em consideração a ingenuidade daqueles que manterão o Estatismo vivo enquanto as pessoas o demandarem.

2 Quando nosso entendimento aumenta, se assume que podemos alcançar uma sociedade mais livre.

3 Em The Great Explosion, o escritor de ficção científica Eric Frank Russell descreve uma sociedade próxima àquela idealizada por LeFevre. O pacifista Gands tinha um mecanismo de correção para indivíduos ocasionalmente aberrantes — os casos "Idle Jack". Infelizmente, isso falharia no momento em que os repressores alcançassem um "número crítico" para formarem uma sub-sociedade auto-sustentável que os apoiasse. Que eles poderiam, é óbvio — eles formaram!

4 A posição de Mises e Rothbard de que a fraude e não cumprir os termos do contrato (no último caso, pode-se resolver pelas próprias cláusulas do contrato, é claro) são em si mesmos roubos: de bens futuros. A base do contrato é a transferência de bens presentes (considerados aqui e agora) por bens futuros (considerados lá e então).

Todo roubo é iniciação de violência, ou o uso de força para tomar a propriedade de alguém involuntariamente ou para evitar o recebimento de bens ou retorno de pagamento por esses bens que foram livremente transferidor por acordo.

5 A sociedade, como aponta Mises, existe por causa das vantagens da divisão do trabalho. Ao se especializarem em diferentes etapas da produção, os indivíduos percebem que a riqueza total produzida é maior do que por seus esforços individuais.

6 Neste ponto, devemos introduzir o conceito de Mises de preferência temporal. Os bens futuros são sempre descontados em relação aos bens presentes por causa do tempo de uso de que se abriu mão. Ao passo que os valores individuais de preferência temporal variam, aqueles com maior preferência temporal podem pegar emprestado daqueles com menor preferência temporal, uma vez que os que têm alta preferência pagarão mais aos que têm baixa preferência que o valor de que abriram mão. O ponto onde todas essas transações de preferência temporal se ajustam no livre mercado define a taxa de juro básica ou originária para todos os empréstimos e investimentos de capital.

7 Murray Rothbard assume a posição mais moderada aqui: ele advoga a dupla restauração; isto é, não apenas o agressor deve restituir à vítima a condição anterior à agressão (tanto quanto possível), precisa se tornar ele mesmo uma vítima equivalente! Não apenas essa duplicação parece arbitrária, mas em lugar algum Rothbard fornece uma base moral para a punição, nem mesmo para o "cálculo moral" (a la Bentham).

Outros são ainda piores, exigindo um saque ainda maior do agressor apreendido, tornando provável que apenas o mais estúpido que tenha cometido um erro momentâneo se entregasse à justiça, e que as pessoas prefeririam fugir e aumentar os custos dos apreensores. Muitos neo-randistas atirariam numa criança por roubar um doce (Gary Greenberg, por exemplo); outros acorrentariam adolescentes às próprias camas para pagar por seus erros triviais.

Essa é apenas uma parte do horror, no entanto. Uma caricatura mais grosseira de justiça é proposta por aqueles que não pretendem restituir ou mesmo levemente punir mas reabilitar os iniciadores de violência. Enquanto alguns dos mais esclarecidos entre os reabilitadores aceitariam o sistema concorrente de restituição, eles tomariam o direito da vítima de delegação de seu direito de autodefesa (a base de toda ação legal) para encarcerar os criminosos e lhes aplicar uma lavagem cerebral.

Não contentes com a punição da pessoa, com a punição física dela, a relativa piedade de uma tortura física cruel, os reabilitadores querem a destruição dos valores e da motivação, isto é, a aniquilação do Ego. Numa linguagem mais florida mas merecida, eles desejam devorar a alma do agressor apreendido!

8 Se a telepatia fosse descoberta e praticamente alcançável, seria possível ao menos investigar o motivo e a intenção; ainda assim, o único uso numa sociedade agorista seria para pedidos de clemência — clemência aos custos da vítima. Esta nota também é relevante ao parágrafo seguinte, por isso é duas vezes mostrada.

9 Uma boa pergunta é quando a "punição" começou? O conceito é aplicável somente aos escravos que não tem nada a perder além de uma falta de dor, ao mais sem valor que existe e às crianças que são incapazes de pagar por restituição e são consideradas inadequadamente responsáveis para incorrer em débito. É claro, uma economia primitiva geralmente tinha muitos problemas com a racionalidade e a tecnologia para fonecer detecções confiáveis e medidas de valor.

Ainda assim algumas sociedades primitivas, como a irlandesa, a islandesa e a ibo, introduziram sistemas de restituição para compensar a vingança — e prontamente evoluíram a quasi-anarquias.



III
Contra-Economia: Nosso Meio

Tendo detalhado nosso passado e presente estatistas e esboçado um retrato razoável de uma sociedade muito superior atingível com nosso presente conhecimento e tecnologia — nenhuma mudança na natureza humana é necessária —, nós chegamos à parte crítica do manifesto: como nós vamos daqui para lá? A resposta se quebra em duas naturalmente — ou talvez não-naturalmente. Sem um Estado, a diferenciação entre micro (manipulação do indivíduo por si mesmo em seu ambiente — incluindo o mercado) e macro (manipulação de coletivos) seria no máximo um interessante exercício estatístico com alguma pequena referência às agências do mercado. Mesmo assim, uma pessoa decente pode desejar entender as conseqüências sociais de seus atos mesmo se eles não prejudicarem ninguém.

Com o Estado contaminando todo ato e sujando nossas mentes com culpa desmerecida, se torna extremamente importante entender as conseqüências sociais de nossos atos. Por exemplo, se nós não pagarmos impostos e conseguirmos sair impunes, quem será prejudicado? Nós? O Estado? Inocentes? A análise Libertária nos mostra que o Estado é responsável por qualquer dano a inocentes que ele alega que o "sonegador de impostos egoísta" causou; e os "serviços" que o Estado nos "provê" são ilusórios. Mas mesmo assim, é necessário haver mais do que uma resistência engenhosamente escondida ou desistências? Se um partido político ou exército revolucionário é inapropriado e auto-destrutivo para os objetivos libertários, que ação coletiva funciona? A resposta é o agorismo.

Ele é possível, prático e até mesmo lucrativo levar grandes porções da sociedade estatista para a ágora. Essa é, no sentindo mais profundo, uma atividade verdadeiramente revolucionária e será abordada no próximo capítulo. Mas para entender esta resposta macro, nós precisamos primeiro delinear a resposta micro.1

A função da pseudo-ciência econômica do Establishment, ainda mais que fazer predições (como os adivinhos do Império Romano) para a classe dominante, é mistificar e confundir a classe dominada quanto a para onde sua riqueza está indo e como ela é tomada. Uma explicação de como as pessoas mantêm suas riquezas e propriedades longe do Estado é, então, a economia do Contra-Establishment, ou Contra-Economia2, abreviadamente. A prática real das ações humanas que evadem, evitam e desafiam o Estado é a atividade contra-econômica, mas da mesma forma escorregadia que "economia" se refere tanto à ciência quanto ao que ela estuda, o termo Contra-Economia será usado. Uma vez que este texto é a própria teoria Contra-Econômica, o que será referido como Contra-Economia é a prática.

Mapear e descrever toda ou pelo menos uma parte significativamente útil da Contra-Economia requerirá pelo menos um volume inteiro.3 O que será esboçado aqui será somente o suficiente para possibilitar um entendimento do resto do manifesto.

Ir de uma sociedade agorista a uma sociedade estatista é um trabalho ladeira acima, equivalente ao caminho de uma alta entropia negativa na física. Afinal, uma vez que se está vivendo numa e compreendendo uma sociedade livre bem estabelecida, por que se quereria retornar à coerção sistemática, ao saque e à ansiedade? Disseminar ignorância e irracionalidade entre os instruídos e racionais é difícil: mistificar aquilo que já está claramente compreendido é quase impossível. A sociedade agorista deve ser razoavelmente estável em relação à decadência, embora altamente aberta à melhorias.

Voltemos no tempo, como se corrêssemos um filme de trás para frente, da sociedade agorista à sociedade estatista presente. O que esperaríamos ver?

Bolsões de Estatismo, a maioria contíguos em território, uma vez que o Estado requer monopólios regionais, apareceriam primeiro. As vítimas restantes estão ficando mais e mais conscientes do maravilhoso mundo livre ao redor deles e "evaporando" desses bolsões. Grandes redes de agências de proteção no mercado estão contendo o Estado, defendendo aqueles que as contrataram para seguros de proteção. Mais importante, aqueles fora dos bolsões estatistas ou das sub-sociedades estão aproveitando os benefícios de uma sociedade agorista, a não ser por um maior custo dos seguros e por alguns cuidados quanto aos lugares em que viajam. Os agoristas poderiam coexistir com os estatistas neste ponto, mantendo uma "política externa" isolacionista, já que os custos de invasão e liberação das sub-sociedades estatistas seriam mais altos que os retornos imediatos (a não ser que o Estado inicie uma última agressão total), mas não há nenhuma razão real para imaginar que as vítimas restantes vão escolher permanecer oprimidas quando a alternativa libertária é tão visível e acessível. As áreas do Estado são como uma solução super-saturada pronta para precipitar a anarquia.

Volte mais uma etapa e nós encontramos a situação reversa. Nós encontramos grandes setores da sociedade sob o Estatismo e setores menores vivendo tão agorísticamente quanto possível. Contudo, há apenas uma visível diferença: os agoristas não precisam estar territorialmente contíguos. Eles podem viver em qualque lugar, embora eles tendam a se associar com seus companheiros agoristas não apenas para reforço social mas para facilidade e lucratividade do comércio. É sempre mais seguro e mais lucrativo lidar com consumidores e ofertantes mais confiáveis. A tendência é de maior associação entre mais indivíduos agoristas e de dissociação de indivíduos mais estatistas. (Essa tendência não é apenas teoricamente forte; ela já existe na prática embriônica hoje em dia.) Alguns territórios facilmente defensáveis, talvez no espaço, ou em ilhas no oceano (ou abaixo do oceano), ou nos guetos das grandes cidades, podem ser quase inteiramente agoristas, onde o Estado é impotente para esmagá-los. Mas a maioria dos agoristas viverá dentro das áreas estatistas.

Haverá um espectro de agorismo na maior parte dos indivíduos, como há hoje em dia, com alguns se beneficiando do Estado sendo altamente estatista, uns poucos totalmente conscientes da alternativa agorista e competentes para viver totalmente livres e o resto no meio, com graus variados de confusão.

Finalmente, nós voltamos à etapa onde apenas alguns entendem o agorismo, a grande maioria percebendo ganhos ilusórios da existência do Estado ou incapazes de perceber uma alternativa e os próprios estatistas: o aparato do governo e a classe definida por receber um novo ganho da intervenção do Estado no Mercado.4

Essa é a descrição de nossa presente sociedade. Estamos "em casa".

Antes que revertamos o curso e descrevamos o caminho do Estatismo para o agorismo, observemos nossa presente sociedade com nossa percepção agorista agora adquirida. Tal como um viajante que volta para casa e vê as coisas de uma nova forma a partir do que aprendeu nas terras e modos de vida estrangeiros, nós podemos ganhar novos conhecimentos sobre nossas presentes circunstâncias.

Além de uns poucos esclarecidos Novos Libertários tolerados nas áreas mais liberais das estatistas ao redor do globo ("tolerância" existe em relação ao grau de contaminação libertária do Estatismo), nós agora percebemos algo mais: grandes números de pessoas que estão agindo de forma agorista com pouco entendimento de qualquer teoria, mas que são induzidas pelo ganho material a evadir, evitar ou desafiar o Estado. Não teriam certamente um grande potencial? Na União Soviética, um bastião do arqui-Estatismo e uma quase totalmente arruinada economia "oficial", um mercado negro gigante fornece tudo aos russos, armenos, ucranianos e outros, desde comida e consertos de televisão até papéis oficiais e favores da classe dominante. Como reporta o Guardian Weekly, Burma é um mercado negro quase total com o governo reduzido ao exército, à polícia e a uns poucos políticos. Em graus variados, isso é verdade em relação a quase todos os países do Segundo e Terceiro Mundos.

E quanto ao "Primeiro" Mundo? Nos países social-democratas, o mercado negro é menor porque o "mercado branco" de transações de mercado legalmente aceitas é maior, mas o primeiro ainda assim é bastante proeminente. A Itália, por exemplo, tem um "problema" com grande parte de seu serviço público, que trabalha oficialmente de 7h da manhã às 2h da tarde, trabalhando não-oficialmente em vários empregos no resto do dia, ganhando dinheiro "negro". A Holanda tem um grande mercado negro no mercado residencial, por causa da alta regulação dessa indústria. A Dinamarca tem um movimento de evasão de impostos tão grande que aqueles nele seduzidos pela política formaram o segundo maior partido. E esses são apenas os exemplos mais grosseiros que a imprensa quis ou foi capaz de descobrir. Controles de moeda são evadidos em larga escala; na França, por exemplo, se assume que todos possuem uma quantidade de ouro e viagens para a Suíça para mais do que turismo e esqui são comuns.

Para realmente apreciar o alcance dessa atividade contra-econômica, é preciso observar as economias "capitalistas" relativamente livres. Observemos os mercados negro e cinzento5 na América do Norte e lembremos que estes são os casos de menor atividade no mundo hoje em dia.

De acordo com o American Internal Revenue Service [N.T.: Receita Federal americana], pelo menos vinte milhões de pessoas pertencem à "economia subterrânea" de sonegadores de impostos usando dinheiro para evitar detecções das transações ou escambo. Milhões mantêm dinheiro em ouro ou em contas estrangeiras para evitar a taxação às escondidas da inflação. Milhões de imigrantes ilegais estão empregados, de acordo com o Immigration and Naturalization Service [N.T.: serviço de imigração dos Estados Unidos]. Milhões mais consomem ou lidam com maconha e outras drogas proibidas, incluindo laetrile e materiais médicos proibidos.

E aí estão todos os praticantes de "crimes sem vítima". Além do uso de drogas, há a prostituição, a pornografia, o bootlegging, papéis de identificação falsos, jogos e condutas sexuais proibidas entre adultos conscientes. Apesar dos "movimentos de reforma" para ganhar aceitação política desses atos, a população escolheu agir agora — e fazendo isso estão criando a contra-economia.

Mas não pára aí. Desde que o limite de velocidade federal de 55 milhas por hora entrou em vigor nos Estados Unidos, a maioria dos americanos se tornou motoristas contra-econômicos. A indústria de caminhões desenvolveu comunicações contra-econômicas para escapar das regulações estatais. Para os independentes que podem fazer quatro corridas a 75 milhas por hora em vez de três corridas a 55 milhas, a direção contra-econômica é uma questão de sobrevivência.

O antigo costume do contrabando prospera atualmente com carregamentos em barcos de maconha, altas tarifas estrangeiras e milhares de pessoas de países menos desenvolvidos aos turistas escondendo dos agentes da alfândega um pouco mais em suas bagagens.

Quase todos falseiam de alguma forma seus formulários de impostos, fazem caixas-dois, comércio irregular com parentes e posições sexuais ilegais com seus parceiros.

Em certa medida, portanto, todos são contra-economistas! E isso é previsível pela teoria libertária. Quase todo aspecto da ação humana tem uma legislação estatal que a proíbe, regula, ou controla. Essas leis são tão numerosas que um Partido "Libertário" que impedisse qualquer nova legislação de entrar em vigor e repelisse dez ou vinte leis por sessão não teria afetado significativamente o Estado (para não falar do próprio mecanismo!) por um milênio!6

Obviamente, o Estado é incapaz de executar seus decretos. Contudo, o Estado sobrevive. E se todos são de alguma forma contra-economistas, por que a Contra-Economia ainda não esmagou a economia?

Fora da América do Norte nós podemos adicionar o efeito do imperialismo. A União Soviética recebeu suporte dos países mais desenvolvidos nos anos 1930 e grandes quantidades de armas durante a Segunda Guerra Mundial. Mesmo hoje em dia, o "comércio" altamente subsidiado por empréstimos não-repagáveis mantêm os regimes soviético e chinês. Esse capital (ou anti-capital, por ser destrutivo de valor) que flui, junto com ajuda militar, de ambos os blocos mantém os regimes do resto do globo. Mas isso não explica o caso norte-americano.

O que existe em todo lugar da Terra que permite que o Estado sobreviva é a sanção da vítima. Toda vítima do Estatismo internalizou o Estado a algum grau. A declaração anual do IRS [N.T: Internal Revenue Service, a Receita Federal americana] que o imposto de renda depende da "cooperação voluntária" é ironicamente verdadeira. Se os pagadores de impostos cortassem completamente a oferta de sangue, o Estado vampiro pereceria completamente, com sua polícia e seu exército desertando por falta de pagamento quase que imediatamente, privando o Monstro de suas presas. Se todos abandonassem o papel-moeda em favor do ouro e dos bens em contratos e outras trocas, é duvidoso que mesmo a taxação pudesse sustentar o Estado moderno.

Aqui é onde o controle estatal da educação e da mídia, diretamente ou através da classe dominante, se torna crucial. Nos anos anteriores, os sacerdotes estabelecidos serviam à função de santificar o rei e a aristocracia, mistificar as relações de opressão e induzir culpa aos evasores e resistentes. A queda da religião pôs esse fardo sobre a nova classe intelectual (o que os russos chamaram de intelligentsia). Alguns intelectuais, que têm a verdade como seu maior valor (como tinham anteriormente teólogos e clérigos dissidentes), trabalhavam na clarificação e não na mistificação, mas eles são repudiados ou demonizados e não têm recursos provindos do Estado ou de fundações controladas por ele; é assim gerada a atitude de antiintelectualismo entre a população, que suspeita ou compreende incompletamente a função dos Intelectuais da Corte.

Perceba bem como os intelectuais anarquistas são atacados e reprimidos sob todo Estado; e aqueles defendendo a derrubada da presente classe dominante — mesmo que somente para substituí-la por outra — são reprimidos. Aqueles que propõem mudanças que eliminam alguns beneficiários do Estado e adicionam outros são freqüentemente exaltados pelos elementos que se beneficiam dos Altos Círculos e atacados pelos potenciais perdedores.

Uma característica comum dos participantes do mercado negro mais arraigados é sua culpa. Eles desejam "empacotar suas coisas" e retornar para "a sociedade correta". Bootleggers e prostitutas sempre esperam ser reaceitos algum dia na sociedade — mesmo quando eles formam uma sociedade de proscritos que os apóia. No entanto, houveram exceções a esse fenômeno de expectativa de aceitação: as comunidades religiosas dissidentes do século XVIII, as comunidades políticas utópicas do século XIX e, mais recentemente, a contra-cultura dos hippies e da New Left. O que eles tinham era a convicção de que suas sub-sociedades eram superiores ao resto da sociedade. A temerosa reação a eles mesmos que eles geraram no resto da sociedade foi o medo de que eles estivessem corretos.

Todos esses exemplos de sub-sociedades auto-sustentáveis falharam por uma razão primordial: ignorância em economia. Nenhum laço social, não importa quão bonito, pode superar a cola básica da sociedade — a divisão do trabalho. A comuna anti-mercado desafia a única lei executável — a lei da natureza. A estrutura organizacional básica da sociedade (acima da família) não é a comuna (ou tribo, ou tribo extendida, ou Estado), mas a ágora. Não importa quantos desejem que o comunismo funcione e se dediquem a isso, ele fracassará. Eles podem segurar o agorismo indefinidamente com um grande esforço, mas quando o deixarem livre, o "fluxo", ou a "Mão Invisível", ou as "ondas da história", ou o "incentivo do lucro", ou "fazer o que é natural", ou a "espontaneidade" vai levar a sociedade inexoravelmente mais próximo à pura ágora.

Por que há tanta resistência a essa eventual felicidade? Psicólogos têm pesquisado sobre esse fato desde que iniciaram sua embriônica ciência. Mas nós podemos pelo menos dar duas respostas amplas em relação a questões sócio-econômicas: a internalização de anti-princípios (aqueles que parecem princípios, mas que na verdade são contrários à lei natural) e a oposição de interesses velados.

Agora nós podemos ver claramente o que é necessário para criar uma sociedade libertária. Por um lado, nós precisamos da educação dos ativistas libertários e da conscientização dos contra-economistas da compreensão libertária e do auxílio mútuo. "Nós estamos certos, nós somos melhores, nós estamos vivendo de uma forma moral e consistente e estamos criando uma sociedade melhor — para nosso próprio benefício e o dos outros", nossos "grupos de encontro" contra-econômicos podem dizer.

Perceba que os ativistas libertários que não estejam eles mesmos totais contra-economistas provavelmente não serão convincentes. Candidatos políticos "libertários" minam tudo o que dizem (de valor) pelo que fazem; alguns candidatos inclusive trabalharam em bureaus de taxação e em departamentos de defesa!

Por outro lado, nós precisamos nos defender dos interesses velados ou pelo menos diminuir a opressão deles o tanto quanto possível. Se nós abandonarmos a atividade reformista como contra-produtiva, como conseguiremos isso?

Uma forma é trazer mais e mais pessoas à contra-economia e diminuir os recursos disponíveis para o Estado. Mas evasão não é suficiente; como nos protegemos e contra-atacamos?

Lentamente, mas cada vez mais, alcançando uma sociedade livre através da conversão de mais contra-economistas ao libertarismo e mais libertários à contra-economia, finalmente integrando teoria e prática. A contra-economia crescerá e se espalhará ao próximo passo que vimos em nossa viagem inversa, com uma sub-sociedade agorista cada vez maior dentro da sociedade estatista. Alguns agoristas podem até se condensar em distritos discerníveis e guetos e predominar em ilhas ou colônias espaciais. Nesse ponto, a questão da proteção e da defesa se tornará importante.

Usando nosso modelo agorista (capítulo 2), nós podemos ver como a indústria de proteção deve evoluir. Primeiramente, por que as pessoas entram na contra-economia sem proteção? Porque o pagamento pelo risco que eles assumem é maior que a perda esperada. Essa afirmação é verdadeira, é claro, para toda atividade econômica, mas para a contra-economia ela requer ênfase especial.

O princípio fundamental da contra-economia é o da troca do risco por lucro.7

Quanto maior o lucro esperado, maior o risco assumido. Note que se o risco fosse reduzido, muito mais seria tentado e conseguido — certamente um indicador de que uma sociedade livre é mais rica do que uma não-livre.

O risco pode ser reduzido aumentando-se os cuidados, as precauções, a segurança (trancas e cofres) e dependendo em menos pessoas de maior confiabilidade. Este último fator indica uma alta preferência por negociar com colegas agoristas e um forte incentivo econômico para a formação de uma sub-sociedade agorista e um incentivo para recrutar ou apoiar o recrutamento de novas pessoas.

Empreendedores contra-econômicos têm um incentivo para prover melhores dispositivos de segurança, esconderijos, instruções para ajudar a fuga e a proteção de potenciais clientes e fornecedores de outros empreendedores contra-econômicos. E assim nasce a indústria de proteção contra-econômica.

Enquanto ela cresce, ela pode passar segurar contra contra "bursts", reduzindo os riscos contra-econômicos ainda mais e acelerando o crescimento contra-econômico. Ela pode prover segurança e áreas de proteção com sistemas de alarme e mecanismos de disfarce altamente tecnológicos. Guardas podem ser usados contra criminosos reais (sem ser o Estado). Muitos distritos residenciais, empresariais e de minorias já têm patrulhas privadas, tendo desistido da suposta proteção do Estado das propriedades.

No caminho, o risco de violação de contratos entre comerciantes contra-econômicos será diminuído pela arbitragem. Então as agências de proteção começarão a prover a execução de contratos através de agoristas, embora o maior "executor" nos primeiros estágios será o Estado ao qual cada um pode recorrer. Contudo, esse ato rapidamente resultaria na expulsão do indivíduo da sub-sociedade; assim um mecanismo de execução interno será valorizado.

Nos estágios finais, as transações contra-econômicas com estatistas serão executáveis por agências de proteção, e os agoristas serão protegidos da criminalidade do Estado.8

Neste ponto, nós chegamos à etapa final anterior à sociedade libertária. A sociedade está dividida entre grandes áreas agoristas invioladas e setores estatistas. E nós estamos à beira da Revolução.



Notas:

1 Micro e macro são termos da presente economia do Establishment. Embora a Contra-Economia seja parte do agorismo (até que o Estado desapareça), o agorismo inclui tanto a Contra-Economia na prática quanto o libertarismo na teoria. Uma vez que essa teoria inclui uma consciência das conseqüências de larga-escala da prática da Contra-Economia, eu usarei "agorista" no sentido macro e "contra-econômico" no sentido micro. Uma vez que a divisão é inerentemente ambígua, alguma justaposição e intercambialidade ocorrerá.

2 A "Contra-Economia" foi criada da mesma forma que a "contra-cultura"; ela não significa uma ciência anti-econômica, da mesma forma que a contra-cultura não é anti-cultura.

3 Esse volume, Contra-Economia (o livro), foi começado e deve ser completado em 1981 e publicado em 1982, se o Mercado quiser!

- Nota à Segunda Edição: O Mercado ainda não quer, mas em breve...

4 Essa classe foi chamada Classe Dominante, Elite de Poder ou Conspiração, dependendo da fonte da análise, se marxista, liberal ou Bircher. Os termos serão usados intercambiadamente para mostrar a comum identificação.

5 Embora alguns atos coercivos sejam freqüentemente engloabos no rótulo "mercado negro", tais como o assassinato e o roubo, a grande maioria desses "crimes organizados" são perfeitamente legítimos para um libertário, embora ocasionalmente repulsivos. A Máfia, por exemplo, não é um mercado negro, mas age como um governo sobre uma parte do mercado negro coletando dinheiro para proteção (impostos) de suas vítimas e exerce seu controle através de execuções e espancamentos (execução da lei), e até mesmo conduz guerras quando seu monopólio é ameaçado. Esses atos serão considerados do mercado vermelho para diferenciá-los dos atos morais do mercado negro, os quais serão discutidos adiante. Em suma, o "mercado negro" é qualquer ato não-violento proibido pelo Estado e exercido de qualquer jeito.

O "mercado cinzento" é usado aqui para denotar bens e serviços não-ilegais em si mesmos, mas obtidos ou distribuídos de maneiras proibidas pelo Estado. Muito do que é chamado de "crime do colarinho branco" faz parte dessa categoria e alegra a maior parte da sociedade.

Onde se passa a linha divisória entre o mercado negro e cinzento depende bastante do estado de consciência da sociedade em que se está. O mercado vermelho é claramente separável. Assassinato é mercado vermelho; defender-se contra um criminoso (quando o Estado proíbe a autodefesa) — ou mesmo contra um policial — é mercado negro na cidade de Nova York e cinzento em Orange County.

6 Assim, um P"L" perpetuaria o Estatismo. Adicionalmente, um P"L" preservaria os lucros imorais da classe dominante e manteriam o aparato do Estado de execução.

7 Um exemplo de como isso funciona pode ajudar. Suponha que eu deseje receber e vender um contrabando, ou sonegar um imposto, ou violar uma regulação. Digamos que eu possa ganhar $100.000 por transação.

Usando as estatísticas governamentais de apreensão de criminosos, sempre exageradas em favor do Estado simplesmente porque eles não podem saber quantos escaparam, eu encontro uma taxa de apreensão de 20%. Pode-se então descobrir a porcentagem dos casos que vão para julgamento e a porcentagem deles que resultam em condenação, mesmo com um bom advogado. Digamos que 25% cheguem ao processo e que 50% resultem em condenação. (Esta última porcentagem é alta, mas nós vamos jogar dentro dela as despesas legais incorridas para que mesmo prejuízos com custos legais e absolvição sejam uma "perda".) Eu portanto incorro num risco de 2,5% (0,20 x 0,25 x 0,50 = 0,025). Essa porcentagem é alta para a maioria dos casos reais.

Suponha que minha multa máxima seja de $500.000 ou cinco anos na prisão — ou ambos. Excluindo minhas transações contra-econômicas (certamente não se pode contá-las quando se está decidindo quando fazê-las), eu posso ganhar $20.000 por ano, de forma que eu perderia outros $100.000. É muito difícil atribuir um valor a cinco anos de encarceramento, mas ao menos em nossa presente sociedade não é muito pior do que outras instituicionalizações (escola, exército, hospital) e pelo menos o contra-economista não será assombrado pela culpa e pelo remorso.

Então eu peso um prejuízo de 2,5% de $600.000 ou $15.000 e cinco anos contra um ganho de $100.000! E eu poderia facilmente segurar-me por $14.000 (ou menos) para pagar todos os custos e multas! Em suma, funciona.

8 Provavelmente deveria se notar explicitamente que os negócios poderiam crescer a tamanhos bastante grandes na contra-economia. Se os "trabalhadores assalariados" existiriam em vez dos "contratantes independentes" para todos as etapas de produção é discutível, mas este autor sente que todo o conceito de "trabalhador-chefe" é uma reminiscência do feudalismo e não, como Marx diz, fundamental ao "capitalismo". É claro, o capital-Estatismo é o oposto do que os libertários defendem.

Além disso, mesmo grandes negócios hoje poderiam fazer parte parcialmente da contra-economia, ficando com uma porção no "mercado branco" para satisfazer os agentes do governo e pagar alguns módicos impostos e relatar o número de trabalhadores. O resto do negócio se expandiria (e já freqüentemente se expande) fora do mercado branco com contratantes independentes que ofertam, fornecem serviços e distribuem os produtos acabados. Ninguém, nenhum negócio, nenhum trabalhador e nenhum empreendedor precisa estar no mercado branco.



IV
Revolução: Nossa Estratégia

Nossa condição foi analisada, nosso objetivo percebido, o mecanismo foi explicado e um conjunto de caminhos foi mapeado. Se devêssemos apenas partir para a contra-economia, educar a nós mesmos no libertarismo e informar os outros por propaganda, nós conseguiríamos alcançar nossa sociedade libertária. De fato, isso é suficiente para a maioria das pessoas e o suficiente para se esperar. Nenhum Novo Libertário deve nunca repreender os contra-economistas libertários por não fazer mais. Eles são agoristas e chegarão lá a seus próprios momentos.

Mas mesmo esses simples agoristas podem querer contribuir aos empreendedores que se especializam em acelerar o movimento rumo a uma sociedade agorista a partir do Estatismo. E outros, percebendo a crescente inflação que leva ao colapso econômico ou notando as nuvens da guerra, quererão fazer algo sobre isso. Finalmente, os contra-ataques do Estado que subvertem a sub-sociedade agorista e levam os libertários a caminhos falsos precisam ser combatidos. Essas tarefas definem o campo de ação do Novo Libertário.1

Novamente, para aqueles que desejam apenas viver suas vidas tão livres quanto possível e se associarem com outros que pensam parecido, o libertarismo contra-econômico é suficiente. Nada mais é necessário.

Mas para aqueles que desejam apoiar da forma que puderem aqueles empreendedores heróicos que se especializam no recrutamento para a ágora, lidar com as catástrofes causadas pelo Estado e combater os estatistas dentro e fora, um guia é necessário para diferenciar aqueles que "estão fazendo algo de valor" daqueles que são contra-produtivos (i.e. contra-revolucionários) na busca de mais liberdade. E para aqueles que, como este autor, anseiam por Liberdade e desejam se devotar a esse projeto de vida, uma estratégia é essencial. O que se segue, portanto, é a Estratégia dos Novos Libertários [N.T.: "New Libertarian Strategy"].2

O ativista do Novo Libertarismo precisa manter em mente que a defesa real contra o Estado é impossível até que a contra-economia já houver gerado consórcios de agências de proteção suficientemente grandes para se defender do que resta do Estado. Isso ocorrerá somente na "fase transição" entre a terceira e a quarta etapa do Estatismo ao agorismo (capítulo 3).

Cada etapa do Estatismo ao agorismo requer uma estratégia diferente; táticas diferirão mesmo dentro de cada etapa. Há algumas regras que se aplicarão em todos estágios.

Sob todas as circunstâncias, o agorista recruta e educa. Se conhecidos considerarem atos contra-econômicos, encoraje-os a empreendê-los. Se são inteligentes o suficiente e provavelmente não dependerão de você, explique os riscos envolvidos e o retorno esperado. Acima de tudo, eduque-os pelo seu exemplo, na medida que você pode deixá-los saber.

Todos os "Libertários de Biblioteca" que você conhece, aqueles que professam alguma variante teórica de libertarismo mas rejeitam a prática, devem ser encorajados a praticar o que pregam. Desdenhe da inação deles, exalte seus primeiros passos rumo à contra-economia. Interaja com eles mais e mais à medida que a confiança cresce com a competência e a experiência deles.

Aqueles que já estejam na contra-economia que você encontre podem ser "inseridos" na filosofia libertária que você sustenta, essa crença misteriosa que você tem que o deixa tão feliz e livre de culpa. Fale sobre ela desinteressadamente se eles não mostrarem interesse; fale entusiasmadamente quando eles se mostrarem mais curiosos e ansiosos por aprender.

Avance o agorismo pelo exemplo e pela argumentação. Controle e programe suas reações emocionais para demonstrar hostilidade ao Estatismo e a desvios e para exibir entusiasmo e prazer com atos agoristas e revéses do Estado. A maioria dessas táticas virão com a rotina, mas você pode se policiar para aprimorar algumas coisas.

Finalmente, coordene suas atividades com outros ativistas. Neste ponto, nós chegamos à necessidade de táticas de grupo e organização.

Muitos valorosos libertários argumentam que as estruturas de mercado das empresas, parcerias e sociedades anônimas3 fornecem toda a organização necessária ou desejável; a não ser talvez por relacionamentos pessoais e sociais. Em um sentido, eles estão certos ao dizer que todas as estruturas precisam ser compatíveis com o mercado ou serão inconsistentes com o agorismo. Noutro, eles são culpados de uma falta de imaginação e de uma preocupação quanto à forma em vez da substância.

Numa sociedade agorista, a divisão do trabalho e o respeito próprio de cada trabalhador-capitalista-empreendedor provavelmente eliminará a tradicional organização dos negócios — especialmente a hierarquia corporativa, uma imitação do Estado e não parte do Mercado. A maior parte das companhias serão associações de contratantes independentes, consultores e outros. Muitas podem ser apenas um empreendedor e seus serviços, computadores, fornecedores e clientes. Esse modo de operação já está tomando corpo e crescendo nos segmentos mais livres das economias ocidentais.

Assim, uma associação de empreendedores da liberdade com o propósito de se especializarem, coordenarem e fornecerem atividades libertárias não é violação do mercado e pode até mesmo ser ótima. O nome tradicional de uma cooperação de unidades soberanas para um objetivo comum e então uma dispersão é aliança. Assim, a organização básica dos Novos Libertários é a Aliança dos Novos Libertários [N.T.: "New Libertarian Alliance"].4

A organização da ANL (ou das ANLs) é simples e deve evitar se tornar um órgão político ou mesmo uma organização autoritária. Em vez de oficiais, precisamos de táticos (coordenadores locais com competência em planejamento tático) e estrategistas (coordenadores regionais com competência em pensamento estratégico). Um Aliado Novo Libertário não segue um tático ou estrategista, mas "compra" seus argumentos e suas experiências. Qualquer um oferecendo um plano melhor pode substituir o planejador anterior. Tática e estratégia devem ser "compradas e vendidas" pelos Aliados como qualquer outra mercadoria de forma consistente com o agorismo.

Embora esses rótulos sejam emprestados da história militar e correspondam a uma forma de combate, nunca se esqueçam que a real confrontação física com os oficiais do Estado deve esperar até que os mecanismos de geração de proteção do mercado tenham força suficiente; tudo o mais é prematuro.5

Qual é a estratégia global, continental e local que uma ANL deve buscar? Novamente, vamos olhar as quatro etapas da — ou para a — ágora ao — ou do — Estatismo. As primeiras três são na verdade divisões bastante artificiais; nenhuma mudança abrupta ocorre da primeira para a segunda, da segunda para a terceira. Como será mostrado, é muito provável que a transição da terceira para a quarta etapa será bastante repentina, embora isso não seja requerido pela natureza da ágora; em vez disso, distúrbios serão causados pela natureza do Estado. Na verdade, toda violência, inquietação, todas as instabilidades e deslocamentos são causados pelo Estado — nunca fomentados pelos Novos Libertários.

Tenha cuidado, você, que pode ser um paladino da Liberdade: nunca inicie qualquer ato de violência, não importa quão provável seja um resultado "libertário". Fazer isso é reduzir a si mesmo a um estatista. Não há exceções a esta regra. Ou você é fundamentalmente consistente ou não é. Um Novo Libertário é fundamentalmente consistente, e aquele que não é fundamentalmente consistente não é um Novo Libertário.6

A partir da análise do Novo Libertarismo, pode-se prever a provável eclosão da agressão estatista e assim mover-se para enfrentá-la ou mesmo defender-se ou evacuar as vítimar. Pode-se também prever os prováveis resultados de desvios de grupos libertários e enfrentar os vendidos e os desastres ou ganhar o respeito pela antecipação dos potenciais recrutas do Novo Libertarismo. Deixe que o Estado seja o fogo da floresta; as ANLs são os bombeiros que sabem como ele funciona, como parar o avanço do fogo, como os ventos podem afetá-lo, para onde as fagulhas podem voar e, finalmente, como extingui-lo.

Com isso em mente, identifiquemos agora as etapas até a ágora como quatro fases e vamos delinear a estratégia apropriada para cada uma.

Fase 0: Sociedade Agorista de Zero-Densidade

Nesta fase, a maior parte da história humana, não existem agoristas, apenas libertários dispersos ou proto-libertários elaborando e praticando a contra-economia. No momento em que alguém ler este manifesto e deseje aplicá-lo, nós teremos passado à próxima fase. Tudo que pode ser feito na Fase 0 é uma lenta evolução da conscientização, um desenvolvimento gradual e muitas frustrantes dicotomias.

Até que você — o primeiro agorista numa situação de Fase 0 — tenha aumentado o número de libertários, sua única estratégia deve ser aumentar esse número e viver contra-economicamente. A melhor forma de organização é uma Aliança Libertária formada por membros tirados da atividade política (onde eles foram cegamente procurar alívio da opressão) para se focar em educação, publicidade, recrutamento e talvez alguma campanha anti-política (i.e. "Vote em Ninguém", "Nenhum dos Anteriores", "Boicote a Urna", "Não Vote, Isso Só os Encoraja!" etc.) para publicitar a alternativa libertária. Uma AL pode tomar posições em questões nas quais se tem acordo, mas deve insistir na unanimidade. Somente as posições mais claramente libertárias serão assumidas e você pode sempre vetar uma posição divegente. Encoraje sempre as tendências rumo a uma posição "hardcore" (consistente) e desdenhe das "softcores" (inconsistentes).

Fase 1: Sociedade Agorista de Baixa Densidade

Os primeiros libertários contra-econômicos surgem nesta fase e as primeiras cisões sérias no movimento Libertário ocorrem. Uma vez que há poucos libertários realmente consistentes, divergências serão freqüentes e tenderão a suprimir o ativismo. Desde esquemas de "Liberdade-Rápido" do anarcozionismo (fugindo para uma Terra Prometida de Liberdade) até o oportunismo político seduzirão os impacientes e farão os incompletamente informados oscilarem. Todos esses planos fracassarão, pelo motivo de que a Liberdade cresce de indivíduo em indivíduo. Conversão em massa é impossível. Há uma exceção — a radicalização pelo ataque estatista contra um coletivo. Mesmo assim, ela requer que os empreendedores da Liberdade tenham informado suficientemente os coletivos perseguidos para que eles se juntem coerentemente de forma libertária em vez de se dispersarem aleatoriamente ou, pior, irem de encontro ao estatismo. Essas Crises do Estatismo são espontâneas e previsíveis — mas não podem ser causadas por libertários morais, consistentes.

A estratégia dos primeiros Novos Libertários é a de combater os anti-princípios que fortalecem o Estado e dissipam a energia anarquista desnecessariamente. As linhas gerais da estratégia anterior se aplica; traga libertários para a contra-economia e faça com que os agoristas mais ativos levem os contra-economistas ao libertarismo.

Os proto-Novos Libertários podem trabalhar dentro das organizações e clubes de Libertários existentes como "facções radicais", grupos ativistas ou como uma facção de "Esquerda Libertária" em geral. Uma ANL é prematura aqui, porque ela não é ainda auto-sustentável.

O que pode ser construído com sucesso é — sob qualquer rótulo que pareça melhor para o recrutamento — um Movimento da Esquerda Libertária [N.T.: "Movement of the Libertarian Left"]. Esse Movimento é uma mistura de indivíduos de variados graus de radicalismo, mas eles tendem ou se movem ao ideal do Novo Libertarismo. Mesmo a estrutura interna do MEL deve ser pouco enfatizada. O que mais for Novo Libertário será o mais competente para coordenar e planejar; isto é, aqueles com o maior entendimento da prática do agorismo o maior cuidado com a ação naturalmente canalizarão os recursos. Cada membro do MEL, como cada aliado NL, gasta seus próprios recursos e decide se vai ou não aceitar um conselho ou planejamento de um tático ou estrategista, como qualquer empreendedor agiria em relação a qualquer consultor informado. Algumas pseudo-armadilhas público-políticas podem ser necessárias para utilizar fóruns públicos e acesso à mídia; e também a maioria das pessoas não entenderá sua organização de mercado a não ser que você a traduza para a terminologia pseudo-política e de volta.

Neste ponto, nos últimos estágios da Fase 1, com um MEL em funcionamento grande o suficiente, esses membros mais radicais e dedicados podem influenciar grupos maiores de quasi-libertários semi-convertidos que bloqueiam ações marginais do Estado. Este é um "ganho rápido" com altos custos, mas ações de longo-prazo necessitam de táticas e devem ser raras (elas serão abordadas mais tarde; basicamente, evite uma guerra e o extermínio em massa dos libertários).

Seguir todos esses passos, radicalizar os libertários e desenvolver a ANL — isso é tudo que se pode conseguir.

Fase 2: Sociedade Agorista de Pequena Condensação, Média Densidade

Neste ponto os estatistas percebem o agorismo. Antes que os libertários possam ser manipulados por uma facção dominante em detrimento de outra (um tipo de "competição" anti-mercado, com urnas e armas e não com inovação e preços), eles passarão a ser percebidos como uma ameaça. Massacres (prisões em massa) podem até ocorrer, embora sejam improváveis. Lembre-se, a maioria dos agoristas estão dentro do resto da sociedade e se associando com eles estão os libertários parcialmente convertidos e contra-economistas. Para chegar a esta fase, toda a sociedade foi contaminada pelo agorismo em certo grau. Assim, agora é possível que os primeiros "guetos" ou distritos de agoristas apareçam e contem com a simpatia do resto da sociedade para impedir os ataques em massa do Estado.7

Essas comunidades, subterrâneas ou não, podem agora sustentar a Aliança dos Novos Libertários. A ANL funciona como uma porta-voz da ágora com a sociedade estatista, usando toda chance para dar publicidade à superioridade da vida agorista em relação à estatista e talvez argumentar em favor da tolerância daqueles que têm "estilos diferentes".8

Nesta fase, a sociedade agorista está vulnerável à regressão estatista da população. Assim, os agoristas, visíveis ou não, têm um grande incentivo a pelo menos manter o nível presente de consciência libertária dentre o resto da população. Isso sendo feito mais habilmente pela ANL (é uma das formas de definir quem é a ANL nesta fase), a ANL tem sua sustentação e sua missão. Mas em adição à "defesa" da sub-sociedade agorista, ela pode trabalhar para acelerar a próxima etapa da evolução.

Fase 3: Sociedade Agorista de Grande Condensação, Alta Densidade

Nesta fase, o Estado atravessa uma série de crises terminais, de certa forma análogas aos conhecidos cenários marxistas, mas com diferentes causas — neste caso, reais. Felizmente, o potencial de dano foi drasticamente reduzido pelo esgotamento dos recursos do Estado e a corrosão de sua autoridade pelo crescimento da Contra-Economia.

Na verdade, enquanto os recursos da economia se aproximam da igualdade entre o Estado e a Ágora, o Estado é empurrado para a crise. Guerras e inflação galopante com depressões e colapsos se tornam perpétuos enquanto o Estado tenta recuperar sua autoridade. Pode ser possível reverter seu declínio corrompendo a ágora com anti-princípios dedutivos, assim a primeira tarefa da ANL é clara: manter a vigilância e a pureza de pensamento. Nesta fase, a ANL não pode mais reter seu rótulo ou sua antiga forma. Os Novos Libertários mais motivados partiram para a pesquisa e para o desenvolvimento da oferta de proteção e agências de arbitragem agoristas e finalmente como diretores dos consórcios de companhias de proteção.

A situação agora se aproxima da revolução, mas ainda é reversível.9 Novamente os Novos Libertários têm que assumir a tarefa de manter e defender os ganhos de até este ponto, mas visando a próxima fase.

A ANL (agora apenas um termo coletivo para os elementos mais visionários) pode acelerar o processo descobrindo e desenvolvendo métodos ótimos de proteção e defesa, tanto por palavras quanto por ações, para sua indústria e empreender suas inovações.

Nesta fase de transição entre 3 e 4 nós temos o último golpe da Classe dominante do Estado para suprimir aqueles elementos que os levariam à justiça por todos os crimes estatais do passado. Os intelectuais do Estado percebem que sua autoridade acabou e que tudo será perdido; as coisas precisam ser revertidas agora ou nunca. A ANL precisa evitar uma consciência prematura deste status ou uma ação prematura com base nessa consciência. Esse é o objetivo estratégico da ANL.

Quando o Estado libera sua onda final de repressão — e é resistido com sucesso — essa é a definição de Revolução. Uma vez que se tenha percebido que o Estado não pode mais saquear e financiar sua classe parasítica, seus oficiais mudarão de lado em favor daqueles que podem pagá-los e o Estado rapidamente implodirá numa série de bolsões de Estatismo — se houver algum.10

Fase 4: Sociedade Agorista com Impurezas Estatistas

O colapso do Estado deixa apenas resquícios de suas operações. Uma vez que as companhias de seguro e proteção não vêem nenhum Estado do qual se defenderem, o consórcio de protetores aliados chega ao fim com a competição e a ANL — sem suporte — se dissolve.

Os estatistas apreendidos pagam restauração e, se eles viverem o suficiente para pagarem seus débitos, são reintegrados como empreendedores produtivos (o "treinamento" deles vem automaticamente, quando eles trabalham para pagar seus débitos).

Nós estamos em casa (capítulo 2)! O Novo Libertarismo é assumido como a base da vida normal e nós lutamos contra os outros problemas com que a humanidade se depara.



Notas:

1 Muitos agoristas como Pyro Egon desafiaram os Novos Libertários nesse ponto. Para eles, o manifesto até agora é todo o programa e qualquer "ativismo" a mais é "movimentismo" e nos leva inexoravelmente de volta ao estatismo.

2 New Libertarian Strategy é o boletim do Movement of the Libertarian Left — não coincidentemente.

3 Mas não uma "corporação", que é um "indivíduo" fictício criado pelo Estado dotado de privilégios. Alguns privilégios além de subsídios e tarifas são níveis de impostos mais baixos, responsabilidade limitada [N.T.: "limited liability", sociedade limitada], isenção de regulação, licenças e benefícios legais em disputas na justiça. Verdade, elas têm algumas desvantagens, mas nenhuma se compara a um negócio do mercado branco não incorporado.

4 A primeira New Libertarian Alliance foi formada, prematuramente em muitos aspectos, por este autor em 1974, por recrutas de um racha no "Libertarian" Party, por outros ativistas do movimento e por alguns contra-economistas. O mercado provou que não estava pronto para um crescimento nesse negócio e assim a NLA até hoje gastou a maior parte de suas energias na construção desse mercado.

Qualquer grupo de Novos Libertários pode se chamar de Aliança dos Novos Libertários sem "autorização oficial"; a maioria certamente desejará se coordenar com outros grupos ANL e tentar acordarem uma estratégia comum, embora as táticas possam diferir graças às condições diferentes dos aliados.

5 Esse modo de organização da New Libertarian Alliance funcionou bem no grupo de Long Beach que o manteve constantemente em prática. A estratégia regional não foi totalmente "abalada" pela prática, mas nenhuma outra NLA manteve um nível tão alto de Aliados comprometidos que estivessem constantemente desenvolvendo e trabalhando a teoria.

Quanto aos exércitos, deve se notar que Nestor Makhno criou um exército de forma razoavelmente anarquista com um núcleo de oficiais e com voluntários preenchendo as fileiras de soldados quando necessários ou convencidos da necessidade. Ele lutou contra os Vermelhos e os Brancos com sucesso na Ucrânia em 1918-20 até que fosse esmagado pelo peso do número dos estatistas Vermelhos, que combinavam todos os recursos de um continente contra ele.

6 Nenhuma credencial é necessária ou desejável para a ANL. É claro, pode-se fazer uma lista daqueles com os quais se pretende se juntar e fazer planos, e daqueles com quem se pode comunicar por correspondência. Mas não há nada sagrado ou especial nessas listas; elas são meramente o julgamento de um estrategista ou tático.

Não é possível ser expulso de uma ANL. Ou se é um Novo Libertário ou não, de acordo com a evidência fornecida pelos atos do indivíduo; todo outro Aliado precisa julgar por si mesmo. Todos os que te aceitam como um Novo Libertário estão em Aliança com você; aqueles que te rejeitam não estão, embora você possa estar em Aliança com outros.

7 O surgimento prematuro de comunidades agoristas levará à supressão violenta delas pelo Estado. A ANL precisa defender aquelas que podem ser salvas quando as condições históricas são marginais e alertar e evacuar aquelas que estão fadadas ao fracasso.

8 Está dentro dos limites da moralidade do Novo Libertário apontar para uma facção dos Altos Círculos que a existência dos agoristas os beneficia mais do que à outra facção. Embora nenhum estatista possa jamais ser ajudado em seus saques e assassinatos, e embora mesmo se aliar com um estatista consuma outros recursos escassos com o resultado de somente trocar os opressores, o Novo Libertário pode perceber que simplesmente por existir e conduzir seus negócios normais, a atividade agorista é relativamente mais prejudicial a um grupo de estatistas do que a outro.

Um boa regra para a tática de manipular os grupos dominantes é se certificar de que nenhum recurso além daqueles que são usados para os trabalhos mais importantes é dedicado a isso além de afirmações extras em publicações regulares, exposições na mídia e conversas privadas, se se freqüenta esses círculos sociais.

Essa tática fracassa quando a sociedade agorista é percebida como ameaçadora demais; então todas as facções estatistas se unem para salvar suas peles.

9 Digamos que uma região seja altamente agorista e que o resto seja mais primitivo. Recursos podem ser transferidos pelo estado para esmagar essa prematura e localizada (logo vulnerável) ágora. Isso se aplica à fase 2 ainda mais.

10 Alguns argumentarão que o Estado pode entrar em colapso pacificamente quando os estatistas virem seu fim se aproximando. Se os estatistas fossem tão razoáveis quanto a não apelar para a força por causa das alternativas de mercado, eles não seriam estatistas. Revolução é tão inevitável quanto qualquer ação humana pode ser.



V
Ação! Nossa Tática

O capítulo anterior discutiu algumas táticas en passant. Umas poucas que se verificou serem produtivas para libertários radicais e para o MEL incluem a infiltração em grupos menos radicais, causando rachas apresentando alternativas: confrontação da coerção (ou divergência) com protesto visível e rejeição; propaganda dia-a-dia entre amigos; grupos sociais libertários, como clubes de jantares para trocas de informações, bens e suporte, funcionando como uma proto-ágora; e, é clao, publicações, discursos públicos, escrever ficção com mensagens agoristas1 e atividades educacionais de várias formas: professor, consultor de negócios, entretenedor, historiador revisionista, economista agorista, etc.

Táticas de sucesso só podem ser descobertas, usadas e passadas adiante. Aqueles que percebem condições suficientemente similares em tempo e local para usar uma tática que funcionou anteriormente podem fazer isso. Mas tudo é um risco: isso é o ativismo, um tipo de empreendedorismo, de adivinhar o que quer o mercado e suprir a demanda. Pode-se tornar melhor e melhor fazendo essas conjeturas; é isso o que faz um empreendedor de sucesso. Está tudo em Ação Humana de Von Mises, se você puder aplicar.

Para descobrir o que foi tentado e funcionou ou falhou, a comunicação é necessária. Se você alcançou esta página e concordou e tem um desejo de apoiar a resistência ou uma necessidade premente de resistir à coerção, você está pronto para criar o MEL ou a ANL, dependendo da fase em que estivermos (capítulo IV). Liberte-se. Torne-se ativo.

Em que fase estamos? Em outubro de 1980 (primeira edição) a maior parte do planeta Terra está na Fase 0. As ilhas britânicas, a Austrália e o Canadá se moveram substancialmente rumo à Fase 1. A América do Norte está na Fase 1. Somente na maior concentração de libertários de hoje em dia, no sul da Califórnia, há os primeiros sinais da Fase 2. Assumindo que a situação não se reverta, as primeiras partículas de reais sociedades agoristas — as anarcovilas — estão formando sub-sociedades viáveis.

O Movement of the Libertarian Left [N.T.: Movimento da Esquerda Libertária nos Estados Unidos] existe apenas na Califórnia com uns poucos núcleos, agentes e células dispersos, em Aliança. Viu-se que a New Libertarian Alliance anteriormente citada era prematura e a NLA permanece em estado embrionário (ou em núcleo) até que surjam as condições objetivas para sustentá-la.

O MLL teve seu trabalho reduzido. Externamente, o colapso mundial da "Esquerda"2 enfraqueceu as limitações sobre os segmentos competitivos do Estado, que estão indo à guerra para remistificar suas inquietas vítimas com patriotismo. A tomada da liderança abandonada do movimento antiimperialista, anti-guerra e anti-recrutamento forçado por um movimento novo, revigorado e ideológico se tornou uma oportunidade para os libertários se tornarem a Esquerda. O MLL tem que competir com o partidarismo e com os elementos monocentristas para sua preeminência.3

A ruína da plutocracia americana por conta da crescente inflação e depressões, em oscilações cada vez maiores, fizeram entrar em pânico um grande número de empresários complacentes e aumentou suas consciências para além das promessas conservadoras de restauração da estabilidade para considerar alternativas radicais e até mesmo revolucionárias. Somente a Esquerda Libertária pode levar esses empreendedores a uma posição ideológica, não-pragmática. Aí está nossa oportunidade.

Internamente, o Partido "Libertário" [N.T.: "Libertarian" Party] chegou a uma crise com a eleição presidencial americana de 1980. O desmascaramento prematuro do estatismo inerente no partidarismo do gritante oportunismo de Crane e Clark fez gerar não apenas uma oposição de Esquerda, mas uma oposição de Direita e Centro.4 Deserções acontecem diariamente.5

O fracasso de alguns elementos reformistas em destituir o Kochtopus na Convenção de Denver (agosto de 1981) e em acalmar os não-radicalizados causaria uma crise dramática no LP dos Estados Unidos e geraria milhares de recrutas desiludidos para o MLL e para atividades educacionais anti-partido e contra-econômicas.

Com este manifesto como manual e inspiração, estrategistas e táticos Novos Libertários podem pesquisar, desenvolver, corrigir e aplicar a Nova Estratégia Libertária e as táticas apropriadas às condições encontradas. Muito trabalho é necessário, mas os projetos têm conseqüências que nenhum trabalho mundano pode fornecer: um fim à política, à taxação, ao serviço militar obrigatório, à catástrofe econômica, à pobreza involuntária e ao assassinato em massa do militarismo da guerra final — a sociedade contra Nosso Inimigo, o Estado.

A contra-economia fornece a recompensa imediata para aqueles que abandonam as limitações estatistas existentes. O libertarismo recompensa o praticante que o segue com maior auto-liberação e realização pessoal que qualquer alternativa já concebida. Mas apenas o Novo Libertarismo oferece a reformação da sociedade de uma forma moral, que funcione, sem mudar a natureza do Homem. Utopias podem ser descartadas; finalmente nós vislumbramos como remoldar a sociedade de forma que ela se adapte ao Homem em vez de fazer o Homem se adaptar a alguma sociedade. Que desafio mais recompensador poderia ser oferecido?

Se você escolher agora o caminho Novo Libertário, pode desejar se unir a nós em nosso juramento e grito de batalha — ou algo do tipo — "Triplo A" e se renovar com ele regularmente:
Nós testemunhamos a eficácia da liberdade e exaltamos a intrincada beleza das complexas trocas voluntárias. Nós exigimos o direito de todo ego de maximizar seu valor sem nenhum limite a não ser o de outro ego. Nós proclamamos a era do Mercado ilimitado, a condição natural e apropriada da humanidade, de riqueza em abundância, de objetivos sem fim ou limite e o significado auto-determinado de todos: Ágora.

Nós desafiamos todos aqueles que nos amarrariam a mostrar a causa; sem prova de nossa agressão, nós destruímos nossas correntes. Nós levamos à justiça todos aqueles que já agrediram qualquer um. Nós restituímos àqueles que sofreram opressão suas condições legítimas. E nós destruímos para sempre o Monstro das Eras, o pseudo-legitimado monopólio de coerção, de nossas mentes e de nossas sociedade, o protetor dos agressores, aquele que impede a justiça. Isto é, nós destruímos o Estado: Anarquia.

Nós exercemos nossas vontades aos nossos limites pessoais restritos apenas pela moralidade consistente. Nós lutamos contra os anti-princípios os quais esgotam nossos desejos e combatem todos que fisicamente nos desafiam. Nós não descansamos nem desperdiçamos recursos até que o Estado seja destruído e a humanidade tenha alcançado seu lar agorista. Ardendo com um desejo incontrolável de justiça agora e Liberdade para sempre, nós vencemos: Ação!
Ágora, Anarquia, Ação!

Samuel Edward Konkin III
12 de outubro de 1980, Anarchovillage (Long Beach)



Notas:

1 E.g., Alongside Night, por J. Neil Schulman (Crown, 1979; Ace, 1982) e seqüências esperadas.

2 A Esquerda era originalmente proto-Libertária, como historiadores revisionistas como Leonard Liggio apontam. Na Assembléia Francesa, o liberal Frédéric Bastiat sentava ao lado do anarquista Pierre-Joseph Proudhon. Mesmo os marxistas de hoje em dia se referem aos anarquistas como elementos de "ultra-esquerda". Os elementos libertários e marxistas eram basicamente iguais no fim da Primeira Internacional. Os marxistas e seus imitadores vendidos estiveram em ascendência desde os anos 1890, finalmente perdendo a crença em si mesmos com o colapso da New Left, com a invasão da Tchecoslováquia e do Afeganistão pela URSS e do Vietnã pela China — a guerra "impossível" entre dois Estados marxistas.

3 Atualmente, o "Libertarian" Party "Radical" Caucus [N.T.: Facção radical do Partido Libertário americano] e a Students for a Libertarian Society [N.T.: "Estudantes por uma Sociedade Libertária"].

4 A "Direita" do libertarismo atual obedece bastante aos próprios princípios, mas muitos de seus princípios são anti-princípios: gradualismo, conservadorismo, reformismo e minarquia. A revista Reason e o boletim Frontline são seus órgãos principais. O "Centro" inclui Murray Rothbard e seus seguidores, agora organizados no LP "Radical" Caucus, que apóia Clark "criticamente", i.e., externamente, mas não internamente. Os centristas rothbardianos se moveram para a Esquerda ao abandonarem o monocentrismo.

5 Murray Rothbard, como mencionado; O Conselho Diretor do sul da Califórnia, Dyanne Petersen e outros informam este autor de suas deserções iminentes se mais pessoas "se venderem". Vai acontecer.

- Nota Especial à Segunda Edição: Aconteceu.

Alguns desertores do LP foram adicionados mês a mês às fileiras da MLL desde então. Pelo menos um novo grupo Libertário de Esquerda nasceu para competir por ex-partidaristas, os voluntaristas. E Murray Rothbard está organizando, desta vez, uma última tentativa de controle do LP com o que resta do Kochtopus, na convenção de nominação presidencial do LP que vai acontecer em setembro de 1983 na cidade de Nova York.
Samuel Edward Konkin III (1947-2004) foi o criador do agorismo, uma variante do anarquismo de mercado, defendeu o revisionismo histórico e era explicitamente contra o voto. Editou a revista New Libertarian de 1978 a 1990.